Do nosso colaborador Emiliano Limberger, recebemos a seguinte mensagem:
“Ao ler hoje, dia 7 de março, esta sua valiosa coluna, topei gratamente surpreso, no espaço dedicado diariamente aos santos do dia, com a menção a Santa Felicidade. A referência remete a esta bem-aventurada mártir (101-165) do século 2 cristão, relembrada com destaque em missas festivas como Natal e Páscoa, a par da rememorização litúrgica nesta data de 7 de março. Ocorre que este nome consta entre as tão pouco nominadas índias, inclusive guaranis, dos nossos Sete Povos.
No livro Conquista Espiritual, o padre Antônio Ruiz de Montoya SJ refere vários casos memoráveis em que figuram tais mulheres indígenas. No entanto, como acontece com outros autores, raramente constam os respectivos nomes ou cognomes. Já o padre Bernardo Nusdorffer SJ, provavelmente o mais cioso em termos históricos, na obra Relatório da Transmigração e Guerra Guaranítica, descreve episódio marcante nominando a autora da única profecia conhecida (até agora) de algum ente autóctone. Analisa ele, com muitos detalhes e fundadas circunstâncias, este singular fato, aliás pouquíssimo conhecido. Nome da indigitada: Felicidade (no original, Felicitas). Coincidentemente, ou não, ela assim foi batizada justamente na data martiriológica desta santa de mesmo nome, conforme usualmente pela Igreja, especialmente no passado.
Pois esta índia guarani, nascida na (futura) redução de São Cristóvão (atual distrito de Bexiga/Cruz Alta, antes Rio Pardo), comentada e descrita no primeiro livro a tratar dos episódios primordiais do atual território do Rio Grande do Sul (então Sete Povos – em suas duas etapas), enfrentou, usando trajes masculinos, os cruéis mamelucos na razia invasora, em Jesus-Maria (hoje Tapera, localidade no interior do município de Vera Cruz), no dia 3 de dezembro de 1637 (com cerca de 15 anos), quando abateu com certeira lança um índio tupi inimigo. Participou da vitória do Mbororé e, após, refugiou-se na banda ocidental do Rio Uruguai, estabelecendo-se em La Cruz.
Em 1733, cerca de 20 anos antes da injusta e malfadada guerra contra os missioneiros, já bem velhinha, a índia Felicidade fez a estranha profecia. Previu ela: ‘Mbaboçü Oiconé’ (ruína total das Missões), e isso ficou registrado, em janeiro de 1755, em São Carlos, pelo padre Bernardo Nusdorffer. Este conteúdo foi conscienciosamente examinado pelos jesuítas da época, os quais a conheciam desde longa data, declarando merecer ela crédito.
Tanto assim, que providenciaram em fazer esta singular comunicação a Roma, acrescentando ter ela vaticinado a tragédia, com duração de 10 anos, que dizimou os núcleos dos Sete Povos, o que realmente aconteceu. Aquele que desejar conferir a veracidade deste ímpar prognóstico pode consultar o (manuscrito) Relatório da Transmigração e Guerra Guaranítica, sobre os Sete Povos, do jesuíta B.Nusdorffer, publicado pelo historiador padre Carlos Teschauer SJ (IHG/RGS).”
Colaboração de Emiliano Limberger, coordenador do Instituto Pró-Memória Sepé Tiaraju