É claro que ir até a praia nas décadas de 1920 ou 1930 era muito mais difícil, já são poucas as testemunhas vivas dessas jornadas. Mas chegar ao Atlântico nos anos de 1950 ou 1960 ainda era uma aventura. Não custa lembrar que a freeway, essa autoestrada que, agora, seguidamente congestiona, só foi inaugurada em 1973. Quase todos os que frequentam "as praia" (como dizem nossos conterrâneos) desde aquela época têm pelo menos "uma viagem inesquecível" na memória.
A minha foi lá pela metade dos anos de 1950, quando meu pai contratou "seu Oscar", para levar minha mãe, Nilce, minha irmã Maria Teresa (Maria Betânia ainda não nascera) e eu até Capão da Canoa. O motorista era um simpático preto velho, que possuía nada menos do que uma caminhoneta Dodge (Station Wagon Woody, 1949), atualmente sonho de nove entre 10 surfistas. Por aqui, ainda não havia surfe e, por conseguinte, as pranchas eram objeto desconhecido. Apesar disso, posso dizer: "Já fui ‘pas praia’ numa autêntica woody".
É pouco? Nosso colaborador Inácio Knapp mandou o relato da sua viagem inesquecível, leia texto abaixo.
O Packard e a longa viagem até Tramandaí
Francesco Giovanni Miraglia foi sapateiro, mecânico e também teve uma banca de revistas, com fogos de artifício e bombinhas para São João. Como bom italiano, era, também, cozinheiro. Eu gostava muito do Francesco e de sua família. Seu negócio ficava diante do bar do meu pai, Luiz Alberto. Isso lá por volta de 1960. Ele tinha um carro, um Packard.
Lembro que parecia ser fortíssimo aquele automóvel, quase um trator. Todo de aço, muito pesado. Azul, de quatro portas, foi com ele que fiz uma das grandes viagens da minha infância: Porto Alegre-Tramandaí em apenas 11 horas. Isso mesmo: 11 horas! Normalmente, saía-se de madrugada, para enfrentar aquela estrada estreita e cheia de curvas.
A chegada a Santo Antônio era um alívio e um anúncio de que a praia estava próxima. Naquele ano, meu pai resolveu contratar o vizinho e amigo Francesco, o Xico, para levar a família Knapp à casa das irmãs Pesce, em Tramandaí. Elas adoravam minha mãe, que também gostava delas e alugava a casa que elas tinham na praia. Eram dois meses divertidíssimos, na Tramandaí de outrora, com muitos cômoros, areia branca, siris e cachos de banana. Havia o Restaurante Weber, a Taberna do Willy e o Hotel Centenário, com almoços memoráveis. A casa recebia mais de 10 pessoas, além da nossa família. Gente dormindo na sala, sem ventilador, sem conforto... mas, precisava?
Meu pai e o Xico iniciaram os preparativos para a viagem por volta de meia-noite. Meu pai cuidou de abastecer a família para aquele veraneio e pendurou salames, salsichas Endler, queijos e até galinhas onde era possível dentro do Packard, estacionado na porta do bar.
Juntou ovos, pães, latas de conserva, de biscoitos Duchen, chocolates Neugebauer e tudo o que a sua fiambreria comportava. Felizes, arrancamos naquela madrugada parecendo vendedores ambulantes. Iam naquela fortaleza minha mãe, Iria, meu irmão, Gilberto, o seu Xico, sua esposa e o filho, Renato. Meu pai só ia aos finais de semana. Na estrada, outros viajantes abanavam para nós e riam daquela mercearia andante, que se locomovia e sacolejava, mas seguia alegre, na velocidade estonteante de, talvez, 40 km/h. Quando já tínhamos superado grande parte daquela "longa rota" (já era dia alto), um pneu estourou.
Seu Xico, descobrimos, achava o pneu reserva algo dispensável. Ficou horas tentando uma carona para Tramandaí, que estava ali, bem pertinho. Já dava para ver aquela areia branquinha e alguns cômoros. Conseguida a carona, ele levou outras tantas horas para voltar. Enquanto isso, parte da mercearia nos salvou da fome e pudemos prosseguir chegando à casa das Pesce depois de 11 horas na estrada.
Que saudade!
Colaborou Inácio Knapp