O preconceito presente ao longo dos séculos em sociedades conservadoras e patriarcais reduziu o papel feminino a rainha do lar e educadora. A luta das mulheres pela quebra desse arquétipo tem sido árdua, havendo avanços e retrocessos. Soma-se a esse quadro a violência doméstica com índices alarmantes, desafiando a Lei Maria da Penha (2006), que foi criada para punir os responsáveis por suas atitudes machistas e insanas.
Na realidade, ainda há um longo caminho a ser percorrido quanto às questões que tratam de gênero e de igualdade de direitos. Um exemplo contundente, que rompeu com o modelo preestabelecido no campo profissional, foi a mulher ter conquistado, no século 19, o direito de ingressar no curso de Medicina, até então um espaço frequentado, exclusivamente, por homens.
A primeira brasileira a obter o seu diploma no Exterior como médica foi Maria Augusta Generoso Estrela (1860-1946). Nascida no Rio de Janeiro, graças a uma bolsa de estudos, concedida pelo imperador Dom Pedro II, ela pôde estudar em Nova York, obtendo a graduação em 1879.
De acordo com a recente obra dos médicos Nicolau Laitano e Genaro Laitano, cujo título é Ruas de Porto Alegre: Médicos Homenageados com seus Nomes (2017), somente a partir da Reforma Leôncio de Carvalho, decreto número 7.247, de 19 de abril de 1879, as mulheres tiveram acesso à universidade no Brasil. Naquele mesmo ano, em Paris, segundo os autores do livro, as estudantes, ao ingressarem na faculdade de Medicina, eram criticadas e maltratadas pelos acadêmicos do sexo masculino. A pesquisa, que resultou nessa inédita publicação, foi realizada, entre outros espaços de memória, no Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, localizado em Porto Alegre.
No Brasil, três gaúchas foram pioneiras ao obterem, em outros Estados, seus diplomas como médicas: a rio-grandina Rita Lobato Velho Lopes (1866-1954), a porto-alegrense Ermelinda Lopes Vasconcelos (1866-1952) e a pelotense Antonieta César Dias (1869-1920). Ao concluírem a jornada acadêmica, elas defenderam, respectivamente, as seguintes teses: Paralelo entre os Métodos Preconizados na Operação Cesariana (1887), Formas Clínicas das Meningites na Criança: Diagnóstico Diferencial (1888) e Hemorragia Puerperal (1889).
Com a criação, em 1898, da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, a jovem Alice Mäeffer não precisou deixar o Rio Grande do Sul. Ao matricular-se, em 1904, na primeira turma, conquistou o direito de estudar e, assim, obter o seu diploma.
A filosofia positivista, cuja influência foi intensa no Rio Grande do Sul, apregoava, de acordo com Augusto Comte (1798-1857), a complementaridade dos sexos, defendendo o mito da inferioridade física e intelectual da mulher, embora esta devesse receber uma esmerada educação para preparar, no reduto do lar, o futuro cidadão.
Essas médicas pioneiras foram corajosas ao enfrentarem, em busca de seus sonhos, as estruturas de poder, rompendo com os padrões da época. Ao desafiarem as normas de uma sociedade patriarcal, sofreram todo tipo de pressão para que permanecessem afastadas da Medicina, ainda que estivessem amparadas pela lei de 1879. Ao enfrentarem preconceitos, elas abriram o caminho para as futuras gerações. São dignas do nosso respeito, admiração e gratidão.
Colaboração de Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu da Comunicação HJC.