Será que inventei?
Aconteceram quermesses na Igreja Santa Teresinha, aquela do Aldo Locatelli, na Ramiro Barcelos? Animadas e ruidosas, com tiro ao alvo e tudo mais? E rádio local, com locutor e tudo mais? E cadeia para os nossos "inimigos"? Ali era onde minha timidez era aliviada, com telegramas para aquelas gurias lindas, com as quais eu não tinha coragem de falar, assim, de frente, cara a cara.
Que coisa boa poder expressar o que sentia, sem medo, sem gaguejar. Tudo através de um pedaço de papel. O telegrama. Eram as festas do início da minha adolescência. Depois, no outro dia, me exibia com minha Monark 28.
Como era bom andar de bicicleta, sem medo! E aconteceram festas de São João na Rua Pelotas? Com a polícia querendo derrubar a fogueira? A animação tinha brigas de bombas entre um lado e outro da calçada. Os irmãos Bonow participavam. E eram craques. E tinha pinhão feito na calçada, batata-doce, amendoim, quentão e travessia das brasas da fogueira e todas aquelas meninas e aqueles sonhos e desejos?
Os moradores contribuíam para a festa. Eu comprava duas ou três folhas de papel almaço – um papel mais encorpado, próprio para documentos, o que conferia uma certa credibilidade – e corria uma lista de contribuição. Todos ajudavam. E, na noite de São João, os amigos estavam lá, as amigas, os vizinhos. Às pencas. Isso tudo aconteceu? Existiram terrenos baldios com peras e goiabas?
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Até manga tinha na Rua Pelotas. E campinhos para futebol e bolinha de gude. E fundas para acertar janelas e carrinhos de lomba para descer a Pinheiro Machado? E o aroma do Jardim de Infância do Grupo Escolar Marechal Floriano Peixoto, na Cristóvão Colombo, diante da Cervejaria Brahma? Lápis apontados e um cheiro inesquecível que hoje só encontro em boas livrarias.
E tinha o Armazém Peixoto, com tudo a granel, e o Armarinho Amâncio, a Casa Sobral e o Bar Luiz Alberto. E tranquilidade. E o Xico Stockinger, o Claudio Scarinci e a Agência Faísca, onde comprei a minha primeira Realidade e o número 1 da Veja. E lá tinha bombinhas, bombas e rojões para festejar o Mundial de Futebol conquistado pelo Brasil, no Chile, em 1962. E a Jussara e tantas outras meninas lindas que despertavam desejos.
Onde estão?
Meu bairro está lá, distante, na minha memória. Será que existiu ou inventei?
Responda, Adélia Prado.
Colaboração de Inácio Knapp