Fazer um festival de teatro é uma bênção aflitiva. Num ano em que as verbas para a cultura secaram mais do que o leito do São Francisco, não foi fácil manter a excelência do Porto Alegre Em Cena. Para distrair a cabeça, tinha sempre um livro à mão. Esse hábito devo à dona Vilma, do grupo escolar Fernando Gomes, onde fui alfabetizado, e ao professor Valdacir, do Farroupilha, que sabia tudo de Português.
E porque tenho certeza da influência transformadora de um professor fiquei pasmo com as mudanças propostas para o Ensino Médio, em que matérias como Filosofia, Sociologia e Artes tornam-se opcionais. Quem fez isso merece ser internado num hospício. Sem educação humanista, seremos reféns da barbárie, de um Brasil onde, de uma só canetada, três desembargadores decretam que não houve o massacre do Carandiru. Que país é esse?
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Ler é fundamental. Mas o que fazer quando você depara com um livro de 1.047 páginas? Desiste? Faz o sinal da cruz e encara? No caso de Cidade em chamas, de Garth Hallberg, "um romance de ambição estonteante", segundo o New York Times, o que me motivou foi o tradutor Caetano Galindo. Professor no Paraná, responsável pela melhor tradução de Ulysses que li (e li as três disponíveis em nossa língua, acreditem), e também um grande autor, Galindo é imprescindível quando o assunto é literatura. Agradeço a ele o desassombro para iniciar a leitura. O romance é admirável.
Igualmente impressionante foi a presença do grupo Galpão no Em Cena. Nós reuniu um dos mais importantes coletivos teatrais do país ao diretor Márcio Abreu e levou o público ao êxtase absoluto. Duas outras atrações do festival me nocautearam: BIT, de Maguy Marin, melhor espetáculo de dança que vi em anos, e Toda noite a gente pensa que dorme, show de Simone Hasslan, Muni e Kiti Santos, dirigidas pela Luciana Éboli. As gurias arrebentaram.