Após melhorar significativamente dia após dia a partir de junho, a ocupação de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) por pacientes com coronavírus no Rio Grande do Sul tem apresentado ligeiro aumento e mostra indicativos de piora na última semana, conforme estatísticas da Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS).
Se no fim de setembro a média diária de internados em leitos intensivos chegava a ser entre 15% e 20% menor do que duas semanas antes, a partir de quinta-feira (28) a média começou a registrar aumento entre 0,4% e 7,5%, segundo dados do governo estadual.
O ápice é neste sábado (2), quando a média móvel de internados em UTIs por covid-19 no Rio Grande do Sul é de 448 pacientes, patamar 7,5% maior do que o registrado duas semanas atrás, quando havia 417 hospitalizados em terapia intensiva.
Estes pequenos aumentos, ainda que dentro de uma certa estabilidade, chamam a atenção de analistas porque, desde junho, a média caía diariamente na comparação com duas semanas antes - ainda assim, há consenso de que é preciso aguardar mais semanas para entender se este é um momento de piora ou apenas de variação casual.
A análise de ocupação hospitalar é um dos preditivos para averiguar se a epidemia recrudesce ou não. A comparação da média móvel de internados de um dia em relação ao mesmo dia de duas semanas antes permite traçar análises mais seguras em vez de apenas confrontar o indicador com o do dia anterior.
A proporção de leitos livres de UTI caiu: neste sábado, há 2,98 leitos livres para cada ocupado - no sábado da semana passada, eram 3,19.
Os pequenos aumentos na ocupação ocorrem em um momento no qual o Rio Grande do Sul atinge maior cobertura vacinal, com 50% de toda a população com esquema completo e 75% com uma dose. Os patamares atuais de imunização, contudo, ainda não são suficientes para atingir a imunidade coletiva e vencer a covid-19.
Estabilizar a ocupação de leitos a despeito do avanço da cobertura vacinal não deve alarmar, mas servir como sinal para que a população mantenha o uso de máscaras e privilegie encontros ao ar livre, pondera o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19.
Ele diz que, a menos que haja novas variantes, o Rio Grande do Sul não deve registrar nova onda como visto no início do ano, mas que a sociedade não deveria normalizar o nível atual de mortes, e sim almejar maior controle da transmissão.
— São níveis mais baixos em comparação ao resto da pandemia, mas altos em relação a antes da covid. No Brasil, por exemplo, hoje são 500 óbitos por dia. Isso é muito para uma única síndrome respiratória. É ainda cedo para dizer que vencemos a covid, temos que baixar mais esses números. Não deveríamos estabilizar na faixa atual de óbitos — destaca o cientista de dados.
Na quinta-feira (1º), o governador Eduardo Leite emitiu avisos, dentro do sistema 3As de monitoramento da pandemia, a três regiões em virtude da piora em indicadores: Capão da Canoa, no Litoral Norte, Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, e Passo Fundo, no Norte.
Ainda que haja maior uso de leitos intensivos, a pressão hospitalar atual deve ser dimensionada. No comparativo com a ocupação há um mês, há 17,1% menos gaúchos hospitalizados neste momento - em 2 de setembro, eram 540,6 pessoas em estado gravíssimo internadas.
Além disso, os níveis de ocupação hospitalar estão muito distantes do pior momento da epidemia, quando o Rio Grande do Sul chegou a uma média de quase 2,6 mil internados por dia, no fim de março. Setembro, ainda por cima, foi o mês com menor número de vítimas da covid-19 no ano, com queda de 24% frente a agosto.
A ocupação de leitos clínicos, para casos de menor gravidade, dá sinais de estabilidade, com média de 467 gaúchos internados, cerca de 3% acima do registrado há duas semanas. No pior momento da epidemia do Rio Grande do Sul, no fim de março, hospitais chegaram a atender uma média de quase 5.350 pacientes diariamente.
Ocupação em Porto Alegre estabiliza
A redução consistente na ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em Porto Alegre registrada a partir de junho segue tendência do Rio Grande do Sul e começa a estabilizar, indicam os dados mais recentes da Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
Estatísticas da manhã deste sábado (2) mostram que a capital gaúcha tem uma média móvel de 143 internados em leitos intensivos por dia, 1,4% a menos do que o registrado duas semanas antes. No início de setembro, as médias diárias caíam cerca de 20% no comparativo a duas semanas antes.
Ainda assim, o patamar atual é de maior controle: em março, quando a cidade passou por colapso hospitalar, cerca de 850 pacientes chegaram a estar internados em UTIs apenas por causa da covid-19.
Nos leitos clínicos, destinados a casos de menor gravidade, um início de piora é mais observado há uma semana. Na quinta-feira (30), dia com as estatísticas mais recentes disponíveis pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS), a média móvel era de cerca de 165 pacientes por dia, 11% a mais do que há duas semanas.
— O nível de hospitalização caiu a um nível bem reduzido e agora parou de cair. Não vemos aumento tão prenunciado como em outras regiões covid. Espero três semanas para dizer que há uma tendência de estabilização. Vimos o primeiro terço de aumento — destaca Schrarstzhaupt, da Rede Análise Covid-19.
Ricardo Kuchenbecker, professor de Epidemiologia da faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, aponta que o aumento na ocupação de leitos de UTI com casos de covid-19 preocupa à medida que contraria tendência das últimas semanas num momento em que a população adulta do RS vacinada com duas doses se aproxima de 65%.
— À medida que não temos boas estimativas da frequência de novas infecções, cabe observar atentamente os próximos dias em função de possível efeito da variante delta. E reforçar necessidade de medidas de distanciamento uso de mascaras e principalmente evitar aglomerações — frisa Kuchenbecker.
Para o doutor em epidemiologia Paulo Petry, os dados também preocupam. Ele cita um estudo da Universidade Feevale, divulgado última quinta-feira (30), que aponta para o avanço da variante delta no Rio Grande do Sul. Das 74 amostras analisadas de SARS-CoV-2 pela pesquisa, a mutação apareceu em 75% delas.
Petry alerta que os indicadores apontam para uma nova variante ocupando espaço, acompanhada por uma sensação de normalidade da população.
— É como um cabo de força: por um lado, temos uma população cada vez mais vacinada, mas, por outro, temos uma nova variante se espalhando. Talvez as pessoas estejam começando a se descuidar. O que está nos segurando e mantendo um equilíbrio são as vacinas, que têm um valor indiscutível — pontua.