O Brasil superou 300 mil mortes pelo coronavírus nesta quarta-feira (24). São 300.685 vidas ceifadas em pouco mais de um ano de pandemia — muitas delas em meio ao colapso hospitalar e sem assistência médica necessária. O número de óbitos foi de 2.009 nas últimas 24 horas, segundo o Ministério da Saúde.
Esse total de vítimas representa populações de cidades inteiras, como Palmas, no Tocantins, ou Limeira, no interior paulista. Nessa escala, os números já não são distantes de nós. Estão no relato da vizinha que perdeu o marido, na prima que mora longe ou mesmo no condomínio ou na nossa rua. Direta ou indiretamente, é muito possível que os brasileiros conheçam ao menos alguém que se foi entre os 300 mil.
O descontrole da pandemia aqui tem reflexo no mundo. O Brasil completou, na sexta-feira passada (19), o período de duas semanas como o país com mais mortes diárias pela covid-19 no mundo, apontam dados da plataforma Our World in Data, ligada à Universidade de Oxford, no Reino Unido. Nesta última semana, o Brasil foi responsável por 27% dos óbitos de todo o planeta. Também ultrapassou os Estados Unidos no último dia 5, quando registrou 1,8 mil novos óbitos — ante 1.763 dos EUA. A partir daí, a diferença só aumentou.
A maior crise sanitária e hospitalar da história do país, na definição da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), tem vários rostos por trás dos números. São pessoas que sofreram perdas — algumas evitáveis — relacionadas às diversas carências do Brasil no combate à pandemia. Em Bauru (SP), a família do comerciante Marco Aurélio Oliveira precisou de uma medida judicial para conseguir uma vaga na UTI. Em Teresina (PI), a técnica de enfermagem Polyena tentou uma reanimação no chão por falta de maca disponível — a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) estava cheia.
Para Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), nada indica que vamos retroceder em breve. Ele aponta que a média móvel de mortes vai chegar a 3 mil:
— Quanto mais aguda a pandemia, maior é a politização e a falta de gerência da pandemia. Atingimos 300 mil óbitos no meio da troca no Ministério da Saúde. Temos um dos piores indicadores do mundo.
Com críticas ao distanciamento social, defesa de remédios sem eficácia contra a covid-19 e promoção de aglomerações, o presidente Jair Bolsonaro tem sido criticado no Brasil e no Exterior. Nesta semana, ele fez a terceira troca no comando do Ministério da Saúde. Sai o general Eduardo Pazuello, alvo de investigação por suspeita de omissão na resposta à crise hospitalar em Manaus em janeiro e responsável pelo encalhe de milhões de testes de covid-19 perto do fim da validade em armazém do governo federal. Chega agora o cardiologista Marcelo Queiroga, cujas primeiras declarações evitaram confrontar as ideias de Bolsonaro sobre o isolamento.
Além das dificuldades de gestão, o Brasil convive com o avanço de novas variantes do vírus, como a de Manaus, que estudos já mostraram ser mais transmissível, e o ritmo lento da vacinação diante da falta de doses.
— A questão que se coloca é: quando atingiremos 400 mil mortos, o que deve acontecer rapidamente. Teremos agora uma crise funerária — alerta Domingos Alves.
Para Eliseu Waldman, epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, a providência, agora, é tentar minimizar danos.
— Uma medida importante a ser tomada é o lockdown em boa parte do Brasil. Isso pode diminuir a transmissão do vírus e aliviar a pressão no sistema de saúde. Também é fundamental repor os insumos básicos e medicamentos, pois os médicos não terão condições de atender. E também precisamos acelerar o processo de vacinação, o que dificilmente deve ocorrer — opina.