Mais gente em casa, menos dinheiro no bolso e, em alguns casos, a renda apenas do auxílio emergencial de R$ 600. A junção destes três itens atingiu em cheio quem vive em bairros de periferia. E para quem conseguiu, ou precisou, seguir trabalhando, o isolamento social gerado pelo coronavírus teve pontos negativos, em maioria, mas também algo de positivo. Um exemplo, entre estes setores afetados, é o dos pequenos mercados, açougues e padarias. São locais que têm notado aumento nas vendas. Porém, os comerciantes também precisam lidar com a alta nos preços dos produtos adquiridos junto aos fornecedores.
Na semana passada, o Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou os preços da cesta básica no Brasil em maio. Em Porto Alegre, o valor da cesta, que inclui 13 produtos, recuou 1,59% – de R$ 527 para R$ 518,63 –, comparando abril com maio, respectivamente. A redução é natural, levando em conta que, em abril, a cesta básica teve alta de 5,85%, ocasionada pela pandemia, mas também por entressafras de produtos e por consequência da estiagem no Rio Grande do Sul. No acumulado entre janeiro e maio, a cesta básica subiu 2,44% – levando em conta os últimos 12 meses, a elevação no preço já é de 4,54%.
Variação
Nas periferias, os comércios trabalham com um público que depende muito destes alimentos que têm seus preços pesquisados pelo Dieese, formando a cesta básica. Por serem menores, os locais tendem a comprar menos quantidade de produtos do que grandes redes. E isso interfere, também, nos valores. Conforme Daniela Sandi, economista do Dieese, a velocidade das variações de preço é mais lenta nos mercadinhos, se comparada com as grandes redes. E, com isso, as próprias alterações nos preços também tendem a ser menores nestes pontos.
– A estrutura do estabelecimento, o volume de vendas, tudo isso pode influenciar na velocidade e variação dos preços de cada produto. Os supermercados, por exemplo, tem dias específicos de promoção, o que faz vender em quantidades maiores – exemplifica.
Busca
Com 15 anos de atuação no bairro Cristal, na Zona Sul, o casal Thayrine Knoll e Evaldir Ramalho notou um aumento no consumo dos clientes com a pandemia. Porém, o que mais impressionou os comerciantes no início da crise foi o salto nas vendas através de aplicativos. O medo de sair de casa fez novos clientes aparecerem, comprando itens menos comuns.
– Notamos muitos pedidos de carnes mais caras. Vinhos também, coisas assim. Na Sexta-feira Santa, triplicamos a quantidade de peixe comprado e mesmo assim foi tudo. Eram cerca 50 pedidos por dia no aplicativo. Agora, está normalizando. Voltamos a atender mais presencialmente e a ter mais público aqui do bairro – conta Thayrine.
Esse “retorno à normalidade”, como se refere a comerciante, tem ligação com os produtos consumidos. As carnes caras, vinhos e peixes deram lugar aos itens básicos que a clientela da região, próxima da Vila Ursa Maior, pode comprar. E, conforme Thayrine, o fluxo de dinheiro é bem perceptível.
– Quando sai o auxílio, dá um salto no movimento. As pessoas compram mais carne, pois é o momento em que conseguem. Lá pela metade do mês, já vendemos itens mais baratos, como ossinhos de porco, frango e guisado – cita a administradora do Minimercado Irmãos Ramalho.
Para tentar manter preços adequados, os comerciantes pesquisam muito na hora de comprar. Para itens que tiveram grande alta, como o leite, que subiu 15,65% em abril, a negociação fica mais difícil. Neste mês, conforme o levantamento do Dieese, o leite baixou 4,71%.
– Acabei comprando algumas caixas de leite em um supermercado, pois era mais barato do que com o fornecedor – diz Thayrine.
Dificuldades para seguir
No outro lado da cidade, na Zona Leste, Tiago Constante, 33 anos, tem a mesma sensação que os comerciantes na Zona Sul. Dono do Mercado Constante, no bairro Bom Jesus, ele diz que a parte mais movimentada do mês é quando ocorrem os pagamentos do auxílio emergencial. Tiago conta que não notou redução ou aumento específico no consumo de algum produto, mesmo os que apresentaram alta. Mas confirma que o movimento aumentou nos últimos meses.
– Apesar do acréscimo de movimento, não mudaram muito os tipos de vendas. As pessoas continuam adquirindo todos os alimentos que são básicos, como arroz, feijão etc – relata Tiago.
Dia a dia
Porém, nem todos os donos de pequenos mercados passam por dias tranquilos. Joel Cerutti, 28 anos, mantém um minimercado no bairro Partenon há quase 10 anos. Com a pandemia, o movimento caiu cerca de 30%. Segundo ele, os itens de hortifrúti têm sido os mais afetados pela alta de preços. Em maio, segundo a cesta básica do Dieese a maior alta registrada foi a da batata: 24,15%.
– Está bem difícil trabalhar. No início, as pessoas estavam mais apavoradas e faziam pedidos maiores. Agora, está normal, são aquelas compras do dia a dia. Apesar de alguns produtos terem reduzido preço agora, comparado com o mês anterior, ainda estão caros. Teve uma alta grande em abril, então, a baixa de maio ainda não igualou com o que era no começo do ano – relaciona Joel.
Variação dos produtos da cesta básica em maio
Batata inglesa 24,15%
Farinha de trigo 3,28%
Feijão preto 3,15%
Café 2,42%
Pão francês 1,33%
Manteiga 1,23%
Carne 0,25%
Arroz -0,31%
Óleo de soja -1,00%
Açúcar refinado -1,57%
Leite -4,71%
Banana -4,77%
Tomate -20,06%