Um levantamento realizado por GaúchaZH com base nas informações prestadas pelas 30 prefeituras com maior número de notificações por coronavírus no Rio Grande do Sul revela que há uma defasagem de 19% entre os relatórios divulgados por esses municípios e o painel de monitoramento do governo estadual.
É praticamente como se, a cada quatro casos identificados pela Secretaria Estadual da Saúde (SES), houvesse mais um infectado que não entra nas estatísticas no mesmo período.
Até o final da segunda-feira (25), o site da SES indicava que essas 30 cidades haviam confirmado 4.869 exames positivos para o novo vírus (o equivalente a 74% de todo o Estado). Na mesma data, os boletins divulgados individualmente pelas administrações locais via rede social ou página oficial indicavam 5.801 confirmações — ou 932 registros a mais, praticamente um quinto.
A maior fatia desse universo de pacientes que, até aquele momento, só existiam em nível municipal corresponde à defasagem relacionada a Porto Alegre. Enquanto o painel do Estado atribuía 603 notificações por covid-19 à Capital, na mesma hora a prefeitura contava 1.014. Isso corresponde a 411 pessoas que, embora tenham adoecido, não abasteceram as estatísticas utilizadas pelo Piratini ou pelo Ministério da Saúde para monitorar o avanço da pandemia e planejar ações de prevenção ou combate.
O epidemiologista e consultor do Hospital de Clínicas Jair Ferreira afirma que esse tipo de divergência, que costuma aumentar em finais de semana, demonstra que mais indicadores precisam ser considerados para vigiar o avanço da doença.
— O número de casos confirmados sempre depende de uma série de fatores, e vai ser sempre apenas a ponta do iceberg. Por isso, é importante prestar atenção nas internações e nos óbitos, que são dados mais fiéis — analisa Ferreira.
Para o infectologista do Hospital Mãe de Deus Gabriel Narvaez, esse cenário também demonstra a importância de pesquisas epidemiológicas por amostragem:
— Nesta quarta (27) sai uma nova rodada da pesquisa da Universidade Federal de Pelotas, que permite ter uma ideia da situação da pandemia no Estado.
O caso da Capital é peculiar porque se deve a uma decisão do município de utilizar um sistema de notificação diferente daquele previsto em nível federal e adotado pelo Piratini, chamado e-SUS Notifica. Em razão disso, desde o começo da semana passada, o número permanece estagnado em cerca de 600 ocorrências no painel do Rio Grande do Sul. Ainda não há um prazo exato para esse impasse ser solucionado.
Mesmo excluindo o caso de Porto Alegre, restam 521 registros de diferença entre Estado e municípios no mesmo dia. Garibaldi (47% a mais de notificações), Carlos Barbosa (35%), Farroupilha (30%), Estrela e Taquari (22%), entre outros locais, também apresentam divergências significativas.
Dados sobre óbitos registram pouca diferença
O número de mortes é menos sujeito a defasagens. Enquanto o site do Piratini relatava 137 óbitos nessas localidades, os boletins de cada gestão davam conta de 139. Bom Retiro do Sul contabilizava um óbito não encontrado no painel geral, e Encantado informava dois mortos contra apenas um reconhecido pelo Estado.
Das 30 cidades analisadas por GaúchaZH, 12 demonstravam um descompasso superior a 10% no número de casos nas tabulações municipais e na estadual. Três exibiam o mesmo número que o painel da SES, e em um caso o monitoramento estadual estava mais atualizado. Essa situação permanece após um esforço do Piratini para tentar reduzir as distorções entre o que é informado pelas prefeituras e o que aparece no sistema de atualização de casos.
Nos dias 15 e 20 de maio, após identificar que as gestões municipais nem sempre encerravam corretamente o processo de notificação pelo e-SUS, realizou um pente-fino para resgatar ocorrências represadas. Como resultado, inseriu no painel 1,6 mil exames positivos antigos que ainda não haviam sido contabilizados.
Apesar disso, ainda há descompasso nos dados divulgados diariamente pelas prefeituras e o que é contado pelos governos estadual e federal em relação ao avanço da pandemia no Rio Grande do Sul.
O que diz a Secretaria Estadual da Saúde
Por meio de nota, informa: “Há uma normativa federal do Ministério da Saúde determinando que as notificações por parte dos municípios sejam feitas em uma plataforma nacional, via e-SUS Notifica ou SIVEP (...). A SES RS montou uma força-tarefa para contatar, orientar e informar os municípios sobre o monitoramento e registro de casos (...), resultando em mais de mil novos registros nos dados oficiais do Estado na semana passada.
Esse trabalho permanece e essa busca ativa é feita toda vez que a SES identifica uma diferença significativa (...). Com relação a Porto Alegre, o município não está abastecendo o sistema e-SUS Notifica, impedindo assim que o Estado contabilize os casos e os remeta ao Ministério da Saúde (...). Com relação a óbitos, os casos informados pelos municípios passam por uma investigação criteriosa por parte da Vigilância Estadual antes de terem sua confirmação oficial para Covid-19."
O que diz a Secretaria de Saúde da Capital
Por meio da assessoria de comunicação, informa que utiliza um sistema já empregado para gestão de consultas (o Gercon) que garante maior agilidade ao permitir tanto a inclusão dos pacientes no sistema de saúde, como a marcação de consultas, exames e o acompanhamento posterior do paciente. A migração para o e-SUS, segundo a prefeitura, exigiria um esforço extra das equipes, já sob intensa demanda desde que a cidade passou a testar todos os casos suspeitos, em 6 de maio. Por isso, informa ter recebido do governo federal uma ferramenta digital para fazer a integração do seu sistema com o e-SUS e permitir a exportação dos dados para os painéis do Estado e do governo federal. A expectativa é de que isso ocorra nos próximos dias.