Pesquisadores chineses detectaram indícios de que a covid-19 pode agir sobre a hemoglobina — proteína do sangue que ajuda a transportar oxigênio no organismo —, o que explicaria a falta de ar em pacientes com quadros graves. Ainda que o estudo possa ajudar a definir formas de tratamento mais eficazes, infectologistas consultados por GaúchaZH fazem ressalvas: as conclusões são preliminares e, por enquanto, exigem cautela.
Em resumo, Wenzhong Liu, da Universidade de Ciência e Engenharia de Sichuan, e Hualan Li, da Universidade de Yibin, concluíram que o vírus remove íons de ferro dos glóbulos vermelhos (formados pela hemoglobina) e os substitui. Isso reduziria a capacidade da hemoglobina de transportar oxigênio, o que causaria danos às células pulmonares, resultando em imagens de pulmões semelhantes a "vidro fosco", segundo os pesquisadores. A inflamação pulmonar pode levar à falência dos demais órgãos e causar a morte.
Quando o organismo detecta excesso de ferro, as células do corpo liberam uma proteína chamada ferritina, que serve para absorver a substância excedente e evitar sobrecarga. Diferentes estudos já vinham indicando altos níveis de ferratina no sangue de infectados pela covid-19 em estado grave.
Se a explicação de Liu e Li estiver certa e for referendada por outros cientistas, o novo coronavírus teria como alvo principal o sangue — e não o pulmão. Ou seja, as lesões pulmonares seriam efeitos secundários da doença. Em tese, isso poderia levar a mudanças nas terapias adotadas até então e a reduzir os índices de letalidade, agindo precocemente.
Por enquanto, na avaliação de Lessandra Michelin, que integra a diretoria da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e é professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), qualquer conclusão é prematura.
— Ouvimos falar do estudo, mas ainda são dados de pesquisa com interpretação restrita. Precisamos aguardar maiores informações — sintetiza a especialista.
Médico do Serviço do Controle de Infecção da Santa Casa, em Porto Alegre, Claudio Stadnik também avalia os resultados iniciais com cuidado:
— É um estudo de ciência básica e muito bom para originar hipóteses e novas pesquisas, mas levar as conclusões dele diretamente para opções de tratamento seria um atentado ao processo científico.
Professor titular de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Luciano Goldani pondera que estudos do tipo podem contribuir para combater a "dispneia" (dificuldade de respirar), mas também é cauteloso. O especialista é editor do Brazilian Journal of Infectious Diseases, revista da SBI.
— Temos que olhar com cuidado. Muitos estudos estão sendo publicados com algumas falhas de execução — adverte.