O distanciamento social necessário no combate ao avanço do coronavírus virou de cabeça para baixo a rotina da maior parte da população. A situação obriga as famílias a permanecerem cada vez mais dentro de casa, transformando o ambiente antes destinado ao descanso pós-expediente em escritórios e salas de aula improvisados. Essa inversão no cotidiano tem impactado diretamente as finanças pessoais, aumentando os gastos com alimentação, gás, luz e água, por exemplo. Especialistas ouvidos por GaúchaZH afirmam que as pessoas precisam destrinchar suas despesas e montar uma estratégia para garantir a saúde financeira diante desse novo cenário.
O presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), Reinaldo Domingos, diz que o momento é de “faxina financeira” para maximizar os recursos e evitar rombo nas contas. O educador cita o planejamento como aliado principal na busca desse equilíbrio.
— É necessário saber quanto você tem na reserva financeira, quanto você pode gastar e quanto você está gastando de verdade. Vai ter que unir a família, levantar esses números e entrar em operação de guerra contra o custo de vida. Faz isso ou vai ser mais um dos 64 milhões de inadimplentes no Brasil, que eu acho que depois dessa crise vai pular para os 90 milhões — afirma Domingos.
Seguindo nessa mesma linha, a professora Wendy Haddad Carraro, do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do RS (UFRGS) e coordenadora de projeto de extensão de educação financeira na instituição, destaca que ferramentas de criação de tabelas, como o Excel, e o bom e velho caderno podem ajudar nesse registro. A partir desse registro de dados, é necessário elencar o que é prioritário e o que pode ser cortado nesse momento.
— Por exemplo, eu tenho um plano de TV que tem "500 canais". Eu posso diminuir meu pacote para um mais acessível. A gente tem de pensar que isso é por um tempo. É emergencial — explica.
Segundo a professora, as pessoas também podem reavaliar seus planos de celular e de assinaturas online, diminuindo os gastos com esses serviços para recompor o orçamento. O uso de energia elétrica também pode ser minimizado, conforme Wendy:
— Estar em casa não significa que tenhamos que consumir energia elétrica o tempo todo, especialmente com uso de computadores e carregando celulares. Você pode criar uma rotina offline envolvendo a família em projetos de leitura, conversas, jogos, aproveitando bem a claridade do dia.
Gastos com alimentação
Moradora de Porto Alegre, a economista Carolina Agranonik, 34 anos, está se adaptando às mudanças impostas pela quarentena. Trabalhando em casa há cerca de três semanas, ela já sente a diferença no orçamento, mas está lidando bem com a nova rotina em razão do planejamento financeiro que já costumava fazer antes da pandemia. No caso dela, a inversão de gastos acabou ajudando no equilíbrio das finanças pessoais.
— Antes, eu comprava algumas coisas prontas no mercado, comidas congeladas, que acabam custando mais caro. Agora, como eu tenho mais tempo para fazer as minhas próprias refeições, também, já economizo — explica Carolina.
No caso de residências em que moram mais pessoas, os gastos com alimentação podem acabar se sobressaindo em um cenário onde não há mais as refeições nos ambientes de trabalho e da escolas das crianças. A professora Wendy Haddad Carraro diz que esse custo pode ser aliviado com um melhor aproveitamento e planejamento da rotina alimentar da família:
— É uma reorganização. A pessoa pode fazer um gerenciamento da alimentação em casa. Fazer um planejamento do que vai comer durante a semana. Pode fazer um cardápio por semana, ver o que é mais vantajoso.
Despesas fixas e variáveis
Educador financeiro e professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), Leandro Rassier entende que o impacto dos aumentos dos gastos domésticos deve ser mais sentido no caso de profissionais autônomos, pois essa categoria pode sofrer uma diminuição de renda. No caso de pessoas que têm receita fixa, fica mais fácil equilibrar a diferença entre ganhos e custos, segundo o professor.
No âmbito geral, Rassier também bate na tecla do planejamento. Ele cita a importância de dividir as despesas em fixas — como contas mensais preestabelecidas — e em variáveis — como compras em restaurantes via telentrega. Esse levantamento pode ajudar na organização financeira. É possível ainda classificar as despesas em obrigatórias fixas, como aluguel, condomínio, mensalidade escolar, e obrigatórias variáveis, como luz, água e alimentação.
O professor também destaca que existem as despesas não obrigatórias fixas, como assinaturas de serviços de streaming e mensalidades de clube, e, por fim, as despesas não obrigatórias variáveis. Entram nessa última classe serviços e atividades como cinema, happy hour e restaurantes. Rassier destaca que a divisão clara dessas despesas ajuda na hora de enxugar o orçamento familiar:
— Acho interessante as pessoas fazerem uma classificação das despesas para terem uma ideia dos gastos nos quais elas não podem mexer. Que são custos que, não tem outra saída, eu tenho que ter. A partir disso, tentar reduzir ou ajustar as despesas variáveis não obrigatórias, que em uma época de quarentena podem ser reduzidas.
Dicas práticas
- Fazer uma planilha com os gastos fixos e variáveis e a renda total da família. A partir disso, é mais fácil ver quais custos podem ser cortados ou reduzidos durante o distanciamento social
- Anotar gastos que não estavam previstos e identificar qual será o impacto no orçamento
- Organizar um cardápio semanal, usando as porções necessárias para cada refeição, evitando desperdícios de alimentos
- Fazer refeições que possam ser consumidas mais de uma vez, aproveitando melhor o uso de cada produto
- Usar períodos do dia para fazer atividades que não necessitam de energia elétrica ou internet, como jogos de tabuleiro, leitura de livros e outras atividades em família
- Planejar o consumo de comidas prontas. Não significa extinguir esse serviço, mas sim montar um plano em que essa função é utilizada de maneira consciente, de períodos em períodos