A pandemia do coronavírus tem deixado ainda mais vulneráveis aqueles que, mesmo antes da doença se alastrar, viviam à margem da sociedade. Com o distanciamento social, a população de rua enfrenta desafios cada vez maiores para se alimentar e garantir cuidados básicos de saúde. Apesar das dificuldades, não estão sozinhos – além do poder público, voluntários de diferentes projetos agem para minimizar os efeitos da crise para quem vive em vulnerabilidade social.
Em Porto Alegre, a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), responsável pelo atendimento direto das pessoas em situação de rua, tem ampliado seu público por meio de diferentes medidas. A primeira foi o estabelecimento de sete “territórios”, pontos de apoio que oferecem banho, alimentação e orientação, localizados nos bairros Lomba do Pinheiro, Farrapos, Passo das Pedras, Santa Rosa, Ipanema, Restinga e Cavalhada.
— São espaços de atendimento sob os cuidados das equipes que diuturnamente realizam a abordagem social. Isso faz com que as pessoas não precisem fazer o deslocamento até o Centro, possibilitando o atendimento próximo do local onde normalmente elas já circulam — explica a presidente da Fasc, Vera Ponzio.
Com as medidas de distanciamento social, os albergues também precisaram realizar adaptações. Segundo Vera, o espaço entre as camas é agora de, no mínimo, um metro. O número de vagas, porém, não se reduziu, já que novas instalações foram mobilizadas para atender o público. Para as próximas semanas, a Fasc também terá que criar espaços de quarentena, com capacidade de até 20 pessoas, para acolher quem apresenta sintomas de covid-19.
Os dados da Fasc apontam que há 125 vagas por dia em albergues, com pernoite das 19h às 7h, e também 383 vagas em abrigos, abertos por 24 horas. Além disso, cerca de 170 pessoas foram atendidas nos territórios na última semana.
Voluntários
Como o número de pessoas atendidas pela Fasc é limitado, levando em consideração que Porto Alegre conta com pelo menos 2 mil pessoas em situação de rua, muitas iniciativas se ocupam de quem fica de fora dos albergues e abrigos. O projeto Enfermagem Solidária, por exemplo, circula pelas ruas do Centro para trocar curativos, checar sinais vitais e repassar orientações de higiene. Criado pelo enfermeiro Jean Luca Gomes, a ação tem recebido cada vez mais voluntários nas últimas semanas.
— Precisamos cuidar da população de rua. Se não houver esse cuidado, logo haverá corpos espalhados pela cidade, e o controle do vírus será anda mais difícil – afirma Jean Luca.
Com auxílio da comunidade, os voluntários conseguiram doações de equipamentos de proteção individual (EPIs) para realizar seus atendimentos de forma adequado. Além disso, estão montando kits de higiene como sabonete líquido, xampu, álcool gel e papel higiênico para distribuição.
Já o projeto Banho Solidário, que levava chuveiros móveis para a população de rua, precisou dar uma pausa nas atividades, pois gerava aglomerações. No entanto, semanalmente, no mesmo horário que os banhos costumavam ocorrer, os voluntários vão munidos de máscaras e outros equipamentos para diferentes bairros da cidade, para distribuir materiais de higiene, comida e roupas.
— A população de rua não guarda as roupas de um inverno para outro. Por isso é tão importante conseguir agasalhos para doação. No entanto, neste momento, as empresas que funcionavam como pontos de coleta, estão fechadas. E, mesmo que estivessem abertas, há o risco de que as roupas venham com o vírus. A distribuição deste final de semana deve ser a última com roupas — afirma Leticia Andrade, da ONG Centro Social de Rua.
Leticia aponta que, para minimizar o impacto do inverno que se aproxima, a equipe do Centro Social de Rua passará a doar cobertores:
— Os cobertores vêm lacrados. Estamos agora pedindo doações de dinheiro ou de cobertores novos.
Torneiras
A ONG Centro Social de Rua faz uma exigência ao poder público: liberar o uso das torneiras em praças públicas, para que as pessoas possam lavar as mãos e se hidratar.
— Toda praça tem uma torneira. Tudo que a gente está pedindo é que a Prefeitura abra essa torneira. O resto todo a gente arruma. A gente reforma, coloca os canos em dia etc. Beber água e lavar as mãos é fundamental nesse momento – avalia Leticia.
O uso de água em locais públicos já causou atritos entre militantes sociais e prefeitura. Na semana passada, o coletivo Cozinheiros do Bem, que serve refeições aos sem-teto, instalou uma pia portátil no Viaduto da Conceição, para garantir higiene das mãos a seu público. A ação não teve autorização do poder público, que já havia sido requisitado pelo coletivo a instalar sete pias, embaixo de viadutos e dentro de praças da Capital.
Sobre a ação, a Fasc emitiu uma nota informando que, na prefeitura, todas as ações buscam “ofertar alternativas/espaços para garantir o isolamento e proteger a população em situação de rua, e não criar estruturas para que ela permaneça na rua durante a pandemia do coronavírus”.
— Se a estrutura da Fasc não atende toda a população de rua, por que não ofertar higiene em áreas públicas? Se a prefeitura nos liberar, faremos todos os reparos necessários para deixar tudo funcionando. E também nos comprometemos a fechar tudo depois da pandemia – diz Leticia.
Informação
Além de levar materiais de higiene, agasalhos e comida a pessoas de vulnerabilidade, os projetos solidários levam informação.
— De duas semanas para cá, deu para ver que a população de rua começou a entender o que está acontecendo. Recomendamos a eles cuidados básicos, como evitar aglomerações e não compartilhar garrafas, pratos ou outros instrumentos — afirma Jean Luca Gomes.
Para Leticia Andrade, o distanciamento social tem dificultado a compreensão do momento de pandemia.
— Percebo que as pessoas entendem o que está acontecendo, mas não conseguem ter a dimensão do problema. Aquele boteco, onde um uma pessoa em situação de rua poderia ver na TV algo a respeito, está fechado, por exemplo. As senhoras que costumavam ajudar quem estava na rua, conhecidas como madrinhas, são mais velhas e estão em isolamento. Ou seja, eles perderam a comunicação com boa parte do mundo. Estão muito assustados. É um momento em que precisamos agir para levar informação e acolhimento.
Como ajudar
Fasc
- Doações de pessoa física: entrega dos alimentos e material de limpeza, na sede da Fasc: av. Ipiranga, 310. Horário: de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 12h e das 13h30 às 18h.
- Doação de pessoa jurídica: encaminhar a proposta/intenção para o email: gabinete.fasc@portoalegre.rs.gov.br.
- Doação de agasalhos: roupas, calçados, toalhas e roupas de cama: rua Múcio Teixeira, 33 - setor de triagem. De segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 13h às 17h.
Banho Solidário
Prioriza doações de cobertores novos ou dinheiro. Também aceita materiais de higiene pessoal e alimentos. Para doar, entre em contato pela página fb.co/banhosolidariors/.
Enfermagem Solidária
Recebe equipamentos de proteção individual para atendimento de saúde e materiais de higiene pessoal. Para doar, entre em contato pelo telefone ou pelo WhatsApp 99611-9457, com Jean Luca Gomes.