Acostumado ao burburinho de salas de aulas com mais de 30 adolescentes, o professor de geografia Diego Sampaio teve o pulsante ambiente de trabalho reduzido a um silencioso cômodo de casa nas últimas semanas. À frente, em vez dos alunos, uma tela de computador.
— Já tinha afinidade com a tecnologia, mas usávamos o Moodle (repositório digital de conteúdo) para as atividades complementares. Agora o jogo virou. É nosso lugar oficial de trabalho. É estranho, sinto falta da interação direta — relata Diego, que tem gravado videoaulas em seu escritório desde o começo da quarentena.
Professor de turmas do sexto e o oitavo anos do Colégio Anchieta, em Porto Alegre, ele tem adaptado o conteúdo para a nova realidade para prender a atenção da gurizada à distância. Em vez das aulas de 50 minutos, grava exposições mais curtas, de 15 a 20 minutos, e complementa com outros vídeos, textos e exercícios. O material é finalizado por uma equipe da escola e postado no repositório para que os alunos possam acessar — também tem realizado encontros virtuais em tempo real para tirar dúvidas.
A nova rotina de Diego faz parte da realidade de muitos de seus pares desde que as aulas das redes pública e privada foram suspensas para conter a disseminação do coronavírus. Entre as escolas particulares, onde o uso da tecnologia já fazia parte do dia a dia, aulas gravadas e videoconferências tornaram-se os principais substitutos das atividades presenciais para os estudantes das séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
É como tem funcionado no Colégio Marista Rosário, que também tem ajustado a metodologia de ensino para se adaptar ao isolamento social. O material postado no repositório digital — assim como o Anchieta, já utilizavam o Moodle — foi sendo ampliado de acordo com as necessidades dos estudantes e do contexto imposto pela covid-19.
— No início disponibilizamos apenas conteúdo, mas logo vimos que teríamos que ter chats e videoaulas. Somos uma escola presencial, não à distancia, então o planejamento é diário. A cada momento tem uma reavaliação — conta a vice-diretora educacional, Leia Almeida.
As reuniões com os professores também migraram para plataformas digitais. Para ajudá-los a lidarem com o estresse gerado pela brusca mudança, a escola tem promovido aulas de yoga e um encontro diário em plataformas de videoconferências. O momento serve para compartilhar angústias e dividir experiências que deram certo durante o período.
Além do Moodle, muito popular em universidades, o Google Classroom, sistema de gerenciamento de conteúdo do Google, e plataformas de editoras estão entre as mais utilizadas pelas escolas. Para os vídeos, sites de videoconferências como o zoom e o Teams têm sido os principais aliados para os encontros em tempo real, enquanto o YouTube ainda é dos preferidos para armazenar videoaulas.
Criatividade em dobro
Para quem trabalha com os pequenos, o período tem exigido ainda mais criatividade. O desafio, nesse caso, é ajudar os pais a mediarem o contato das crianças com o conteúdo, já que elas têm menos autonomia. Enquanto algumas instituições enviam instruções por e-mail ou em vídeo, outras têm optado por incentivar atividades práticas, ensinando como fazer receitas e outras atividades em família.
No Colégio Farroupilha, onde os estudantes usam o Google Classroom, os pais de aluno da Educação Infantil receberam um kit físico no começo da quarentena — a escola também disponibiliza periodicamente materiais por e-mail. Além dos trabalhos de aula, os professores elaboraram um guia de brincadeiras, com sugestões para fazer com as crianças em casa. Assim como para os maiores, segundo a direção da escola, os professores ficam disponíveis para tirar dúvidas por chat durante o horário de aula.
— Para os pequenos, fizemos vídeos com mensagens carinhosas das professoras, porque, para nós, é importante que esse vínculo permaneça. A gente sabe que não está sendo fácil para ninguém. O cenário não é tranquilo porque estamos com medo, mas todos estamos aprendendo um pouco — diz a diretora, Maricia Ferri.
Se o isolamento impõe dificuldades a escolas com boa infraestrutura, na rede pública, o esforço para manter as atividades com a suspensão das aulas presenciais é dobrado. Como muitas famílias não contam com acesso a computadores e internet, pensar em alternativas analógicas é imprescindível.
— Distribuímos um material para 15 dias, com base no conteúdo que tinha sido passado em sala de aula, que pudessem realizar com os recursos que tinham, fosse caderno, blog ou WhatsApp. Agora estamos nos organizando para o caso de ter que manter as escolas fechadas. Temos alunos que vivem em zona rurais, então pode ser que tenhamos que adaptar em cada lugar —explica Roberval Angelo Furtado, diretor do departamento de educação da Secretaria Estadual de Educação.
Ao todo, mais de 800 mil alunos são atendidos por escolas da rede estadual. Segundo Furtado, o planejamento para as próximas semanas deve ser feito com vistas a afetar o mínimo possível o calendário letivo. Não estão descartadas, no entanto, antecipar as férias de julho caso a quarentena se estenda por muito tempo.
Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre disse que ainda não há uma metodologia unificada para as escolas da rede municipal durante a quarentena.
Pais viraram mediadores
Bioma era um termo abstrato para a administradora Thais Guimarães até dias atrás, quando a filha mais velha, de 10 anos, pediu ajuda para uma atividade escolar remota. Fora da escola há décadas, de repente, viu-se assistindo a videoconferências sobre ecologia para ajudá-la a entender a flora e fauna de cada região.
— Nem lembrava que isso existia. Às vezes a gente tem que explicar coisas que nem lembra. Eu brinco com as minas amigas que vou estar preparada para fazer o Enem depois dessa quarentena — brinca.
O resguardo com duas filhas em idade escolar dentro de casa virou de cabeça para baixo a rotina da família. Além do trabalho remoto e dos afazeres domésticos, Thais e o marido tiveram de se envolver mais diretamente com o ensino de Maria Cecília e Martina, que agora recebem as atividades escolares pelo Google Classroom. A novidade também provocou mudanças nos horários das meninas. Acostumadas a ir para a aula de manhã, agora estudam à tarde.
— Como elas estão dormindo e acordando mais tarde, começam ao meio-dia e vão até umas 16h. É um volume bem grande de atividades A gente está ali, mas segue trabalhando, fazendo comida, lavando roupa. Antes, almoçávamos fora todo dia —conta.
O ensino remoto também alterou a dinâmica da casa da produtora de conteúdo Sabrina Donatti Bruno. Mãe de uma menina de sete anos, agora passa cerca de três horas diárias envolvida diretamente com as tarefas escolares da menina.
— Eu ja trabalhava em home office, então, normalmente, ela fazia a tarefa enquanto eu fazia o almoço. Mas agora demora bem mais. Ela fica entediada mais rápido, e tem muito mais atividades— relata.
Segundo especialistas, o ciclo de estudos das crianças durante a quarentena pode ocorrer em turnos mais curtos do que os da escola. Cerca de meia hora pela manhã e meia hora à tarde podem ser suficientes, mas há crianças que podem aceitar melhor rodadas mais curtas ainda, de 20 minutos. Nesses momentos, que podem ou não contar com a mediação dos pais, é importante estimulá-las a pensar por conta própria – sem compromisso em "acertar" –, e, sempre que possível, tentar criar relações entre o que é estudado e o momento atual.