Manter os moradores de Torres longe da orla em tempos de pandemia de coronavírus e quarentena tem sido um desafio árduo para fiscais da prefeitura do município do Litoral Norte. Especialmente com o cenário da manhã desta quinta-feira (26): mar azul e sem ondas, céu ensolarado e a temperatura que se aproximava dos 30°C. De um lado, a tentação do veraneio fora de época em condições perfeitas, de outro, o perigo de contágio pela covid-19, que já tem seis casos confirmados na cidade pela Secretaria Estadual de Saúde (SES).
A cidade litorânea com 38,7 mil habitantes está entre as cinco do Interior, junto a Lajeado, Bagé, Santana do Livramento e Caxias do Sul, que mais têm casos confirmados de coronavírus, segundo o último relatório epidemiológico divulgado pela SES. Por decreto do governador Eduardo Leite, a praia está fechada, mas as caminhadas na orla persistem. A Brigada Militar e os guarda-vidas ajudam no monitoramento do fluxo de pessoas. Quem insistir em ficar na areia pode ser preso.
— No verão inteiro o mar não esteve tão azul e calmo como agora. O centro da cidade está vazio, mas tirar as pessoas da orla de Torres é difícil — explica o secretário municipal de Turismo, Fernando Neri.
Com outros dez casos suspeitos em isolamento, a prefeitura publicou na quarta-feira (25) decreto determinando mais 10 dias de isolamento social. Todo o comércio está fechado, com exceção de supermercados, farmácias e postos de gasolina. Desde o final de semana, uma barreira sanitária foi instalada na principal via de acesso à cidade, a Avenida Castelo Branco. O ingresso não é impedido, mas os motoristas são orientados a não entrarem no município e ficarem em casa. Na manhã desta quinta-feira, 40 veículos formaram filas para entrar na cidade:
Enquanto não tiver um ponto de controle, de segurança sanitária, não vamos abrir indiscriminadamente as atividades econômicas no município. Precisamos, antes, controlar a doença. Não tem como fazer uma mudança de estratégia da noite para o dia.
DIVALDO LARA
Prefeito de Bagé
— Temos muitas pessoas de Porto Alegre e Caxias do Sul que têm casa aqui. Com certeza, mais do que dobrou o número de habitantes, e o sistema de saúde de Torres é para 38 mil pessoas — frisa o secretário.
O prefeito Carlos Souza já recebeu a oferta de um hotel da cidade para isolar pacientes, caso o número de infectados se multiplique. Para auxiliar profissionais autônomos e famílias carentes, a prefeitura tem distribuído cestas básicas.
Uruguaios preocupam na Fronteira Oeste
Se no Litoral Norte são os turistas que preocupam os gestores municipais, em Santana do Livramento, na Fronteira Oeste, é a circulação de uruguaios que ainda desafia as lideranças sanitárias. A cidade de 77 mil habitantes tem quatro casos confirmados. No último domingo (22), o governo federal determinou o fechamento temporário da fronteira do Brasil com o Uruguai, restrição que na prática não impede o vai e vem entre uma cidade e outra.
— Os uruguaios invadem nossa cidade para fazer compras no mercado. Até poucos dias atrás, eles não tinham um protocolo rígido como o nosso (na quarta-feira, 25, o Uruguai determinou quarentena para a população de 65 anos ou mais). Rivera e Santana do Livramento acabam sendo uma cidade só, não tem divisa física nenhuma, as cidades são muito parecidas — explica o secretário de Saúde Sergio Aragon.
Em Santana do Livramento, quem circula a qualquer hora do dia, independentemente da idade, é abordado e, se não estiver a caminho de uma atividade essencial, é orientado a retornar para casa. Outro momento que preocupa Aragon é o fluxo de idosos durante o pagamento dos aposentados no final do mês.
O único hospital público da cidade, a Santa Casa de Misericórdia, tem apenas 10 aparelhos de respiração funcionando. Outros seis estão estragados, em conserto. A instituição privada, o Centro Hospitalar Santanês, possui mais 10 equipamentos. Se a cidade atingir um pico acima de 30 pacientes internados, a prefeitura irá erguer um hospital de campanha no estacionamento da Santa Casa.
Ainda assim, a cidade está divida em dois grupos, no entendimento do secretário de Saúde: os que estão preocupados e apreensivos e aqueles que pensam que nada vai acontecer, que seguem circulando na rua sem preocupação.
Transmissão em duas linhas na Campanha
Com nove casos confirmados, Bagé, na Campanha, já possui duas linhas de transmissão: uma entre a cúpula da comunidade médica da cidade e outra a partir de uma paciente que havia viajado para Madri, na Espanha. Desde segunda-feira, a cidade está com toque de recolher das 22h às 6h, sujeito a multa de R$ 900 por descumprimento. A fiscalização é feita pela Brigada Militar e a Guarda Municipal. Segundo o prefeito Divaldo Lara, até agora ninguém precisou ser penalizado.
Na manhã desta quinta-feira, foi organizado um drive-thru para vacinar idosos contra H1N1, o que permite a imunização sem que o público saia do veículo. A aplicação também ocorre a domicílio. Um total de 8,4 mil doses já foi aplicado. O início da contaminação pela equipe médica e o inverno rigoroso da Campanha que sempre se avizinha acendem o alerta vermelho:
— Enquanto não tiver um ponto de controle, de segurança sanitária, não vamos abrir indiscriminadamente as atividades econômicas no município. Precisamos, antes, controlar a doença. Não tem como fazer uma mudança de estratégia da noite para o dia. Só tomarei uma decisão dessas depois de ouvir as autoridades de saúde — afirma o prefeito.
Em busca de alternativas no Vale do Taquari
Em Lajeado, no Vale do Taquari, o prefeito Marcelo Caumo avalia utilizar o centro clínico da Faculdade de Medicina da Univates se o contágio de coronavírus se multiplicar na cidade de 84 mil habitantes. São cinco casos confirmados, um deles de um homem de 57 anos que está internado na UTI do Hospital Bruno Born. O município também possui duas linhas de contágio: a deste paciente, que retornou de um cruzeiro nacional, e a de outro, vindo da Suíça. A prefeitura monitora 160 pessoas que tiveram contato com os cinco contaminados. Todos estão em isolamento.
— Esperamos conseguir atender apenas na estrutura do Bruno Born, que tem 28 respiradores e recebeu mais sete, comprados pela prefeitura — diz o prefeito.
Com ruas vazias e movimento somente nos supermercados, a cidade conta com a circulação de carros de som, que reforçam o pedido da autoridades. Até o Parque dos Dick, com lago e quadras de esporte, um principais pontos de encontro da cidade para chimarrão, corridas ou caminhadas, tem se mantido quase deserto.