Na Ilha de Jeju, na Coreia do Sul, os mercados estão às escuras. Em Bangcoc, na Tailândia, os camelôs, entediados, esperam os clientes que nunca chegam. Em Bali, no arquipélago indonésio, vários guias já perderam o emprego. Em Paris e Roma, as longas filas de turistas munidos com pau de selfie e chapéus de sol são uma lembrança distante.
2021 deveria ser o ano da recuperação do setor de viagens. Muitos países na Europa e na Ásia já reabriram os aeroportos e estão recebendo visitantes, mas enfrentam uma nova realidade: a do pânico global causado por variantes como a Ômicron, o que levou a novos fechamentos de fronteira. E os chineses, grandes gastões, não pensam em voltar a passear tão cedo.
Como parte da iniciativa de manter zerados os casos de covid, Pequim anunciou que os voos internacionais continuarão reduzidos a 2,2% dos níveis pré-pandemia durante o inverno setentrional. Desde agosto, o serviço de emissão de novos passaportes está praticamente parado, e todo mundo que chega por lá tem de cumprir uma quarentena de 14 dias. Mesmo quem está voltando tem de encarar uma montanha de papelada e realizar diversos exames. Com isso, muitos decidiram simplesmente ficar em casa.
Nenhum outro país se tornou tão essencial para as viagens internacionais na última década como a China, cujos turistas gastaram cerca de US$ 260 bilhões em 2019, superando todas as outras nacionalidades. Isso significa que, com sua ausência prolongada, é pouco provável que a renda do setor volte aos níveis pré-pandêmicos tão cedo. Segundo os analistas, pode levar até dois anos para o país reabrir completamente.
Por toda parte, os centros de compras estão vazios, muitos restaurantes fecharam as portas, os hotéis estão às moscas.
— A China é a principal fonte de turismo de diversas cidades grandes do norte e do sudeste da Ásia — informa Nihat Ercan, diretor de vendas de investimento para a região da Ásia-Pacífico da JLL Hotels & Hospitality, consultoria do setor de hospitalidade.
O efeito da variante Ômicron
A descoberta recente da Ômicron forçou muitas nações a voltar a impor restrições ou até a proibir totalmente as viagens. No mercado de Or Tor Kor, em Bangcoc, onde turistas chineses se reuniam em massa à volta das mesas para comer durião, o movimento praticamente parou. A vendedora Phakamon Thadawatthanachok conta que mantinha de 300 a 400 quilos da fruta em estoque, e ainda assim tinha de renová-lo de três a quatro vezes por semana para acompanhar a demanda. Recentemente, teve de fazer um empréstimo para continuar vivendo.
Segundo as autoridades do Vietnã, a pandemia forçou 95% das empresas do setor de turismo de lá a encerrar ou suspender as atividades. Os chineses lotavam as cidadezinhas praianas de Da Nang e Nha Trang, respondendo por cerca de 32% do número total de turistas estrangeiros no país. “Nosso setor de serviços acabou”, constata Truong Thiet Vu, diretor de uma empresa de viagens de Nha Trang que foi desativada.
Nos lugares que atendem excursões e pacotes de viagens chineses, o golpe foi ainda mais duro. Jeju recebeu mais de um milhão de chineses em 2019. Em 2020, o número de turistas despencou mais de 90%, para 103 mil. De janeiro a setembro deste ano, não passou de 5 mil. Com isso, metade das lojas do duty free da ilha fecharam, como informa Hong Sukkyoun, porta-voz da Associação de Turismo local.
O impacto na Europa
Na Europa, os chineses são menos comuns, mas de uns anos para cá despontaram como um mercado cada vez mais importante. No Museu Sherlock Holmes de Londres, por exemplo, das mil visitas diárias recebidas em temporada de pico, pelo menos metade era de turistas da China, de acordo com o supervisor Paul Leharne.
— Desde que reabrimos, em 17 de maio, temos recebido em média só 10% do volume normal de visitantes. Este ano, abrimos uma loja online para comercializar produtos e suvenires, e já percebemos que pelo menos um terço das vendas é feito na China.
Alfonsina Russo, diretora do Coliseu romano, admite:
— Realmente, sentimos muito a falta dos chineses. O turista asiático, mas principalmente o chinês, representou 40% do volume das visitas em 2019, por exemplo.
Em 2019, dois milhões de chineses visitaram a Itália. Como muitos outros lugares, a capital do país tomou providências para facilitar a vida dos visitantes chineses, ensinado seus taxistas a agradecer os clientes com um “xie xie”, ou “obrigado” em mandarim. Seu principal aeroporto, o Fiumicino, tinha um serviço de compras personalizado, sem imposto sobre valor agregado, para atrair esse viajante, segundo Raffaele Pasquini, diretor de marketing e desenvolvimento de negócios da Aeroporti di Roma, empresa que gerencia o Fiumicino.
Na França, sabendo que pode levar meses — anos até — para o retorno dos chineses passeadores, alguns estão tentando manter os laços com os clientes em potencial. Catherine Oden, que trabalha na Atout France, o instituto nacional encarregado de promover a França como destino turístico, conta que teve de aprender a navegar as plataformas das redes sociais chinesas como Weibo e Douyin para transmitir lives de atividades como aulas de culinária e passeios pelo Château de Chantilly:
— A intenção é manter presença; assim, quando as coisas voltarem ao normal, escolherão a França como primeiro destino de férias.
Em Paris, as longas filas de chineses circulando nas lojas exclusivas do Champs-Élysées eram comuns.
— Antes da pandemia, tínhamos quatro vendedores que falavam mandarim; ficamos com uma pessoa só e não há previsão de recrutar mais ninguém — esclarece Khaled Yesli, gerente de uma boutique de luxo na região.
Segundo Yesli, o produto mais vendido era uma caixa de metal vermelha e dourada com macarons e cremes criada especialmente para o público chinês:
— Com as vendas tão mornas, elas acabaram indo para a prateleira inferior.