Escrevi este texto para um sobrinho. Adolescente, ele estudava na escola os efeitos do nazismo e os campos de concentração na mesma época em que visitei um deles, em meados de 2014. Luiz Antonio estava tocado pela história de atrocidades e ficou ainda mais impressionado quando mostrei as imagens recém captadas. Com a professora de história, ele me convidou para falar sobre isso aos colegas de sala de aula. Infelizmente, não pude ir, mas combinamos que eu escreveria sobre a visita e mandaria fotos. Ele e a "profe" apresentariam aos colegas, o que de fato aconteceu.
Nesta segunda-feira (27), no dia exato em que se completam 75 anos da libertação do campo de Auschwitz, achei que deveria compartilhar o que escrevi. Por que na parte de turismo do site? Porque, sim, os campos viraram ponto turístico — não é a primeira vez que o Viagem fala neles. Mas são muito mais do que isso: são um monumento à estupidez humana e à intolerância que, volta e meia, se acirram perigosamente. A seguir, a carta que eu escrevi ao Luiz Antonio:
Quando eu decidi visitar a Polônia, numa viagem que incluía também outros três países —Áustria, Hungria e República Tcheca —, pensei duas vezes se deveria ou não conhecer os campos de concentração de Auschwitz. Viajava em férias, para deixar para trás as coisas pesadas do ano, e tinha medo de ficar triste. Mas achei que era importante, como jornalista, e para entender melhor o que estudamos nos livros. Fui a Auschwitz quando estava hospedada em Cracóvia, uma cidade linda onde viveu o papa João Paulo II — foi onde ele estudou e virou bispo e cardeal, entre os 18 e os 58 anos, até virar Papa.
Sugestão é de que visita dure pelo menos três horas e meia
Os campos de concentração ficam a 60 quilômetros de Cracóvia, que já foi a capital da Polônia, a atual é Varsóvia. No site de Auschwitz, sugerem que se agende a visita com uma antecedência de dois meses, já que os visitantes são muitos — em 2014, foram 1,5 milhão de pessoas. O ideal é entrar no campo com guias, que explicam tudo. O ingresso é gratuito, mas é dada uma contribuição aos guias — em torno de 5 euros. Como eu comprei um passeio desde Cracóvia, paguei 60 euros pela passagem, mais ou menos R$ 300 em valores atualizados. Não se pode entrar com mochilas ou bolsas grandes. Recebi um fone e um aparelho de transmissão para ouvir o que o guia diz — eu fui com um que falava espanhol.
Quando a gente se refere a Auschwitz, se está falando de um complexo com vários campos de concentração. Eu visitei os campos I e II, distantes três quilômetros um do outro. Bem na entrada, há um letreiro onde está escrito em alemão Arbeit Macht Frei, que significa "o trabalho liberta". Muitos dos que foram para ali, na grande maioria judeus, achavam que estavam indo para trabalhar e que ganhariam casas em troca também.
Mas quando os judeus e outros grupos perseguidos pelos nazistas chegavam — havia ciganos, prisioneiros de guerra soviéticos etc —, eles tinham tudo o que levavam na bagagem confiscado. Eram enganados o tempo inteiro. Uma das fotos que eu tirei mostra as malas com os nomes das pessoas. Os nazistas pediam para que identificassem as bagagens para que elas fossem devolvidas quando saíssem, mas era mentira, já que a maioria morreria ali e nunca mais veria seus pertences.
No primeiro campo, que tem prédios de tijolos à vista e dois andares, há muitas salas com esses objetos. A mais triste delas é uma com centenas de sapatos de crianças, que não eram poupadas da morte. Outra sala tem cabelos, montes de cabelos de pessoas. Quando chegavam ao campo, todos tinham a cabeça raspada. O cabelo comprido das mulheres era cortado e com ele faziam tecidos para as roupas dos soldados alemães. Nesse lugar onde estão os cabelos, por respeito aos mortos, não se pode fotografar.
Em outro cômodo há uma vitrine com próteses dos que tinham deficiências físicas. Como se sabe, na sua loucura, Hitler e os nazistas queriam criar uma raça perfeita e faziam experimentos científicos com as pessoas. Nesse mundo deles, não havia lugar para quem tivesse qualquer deficiência. Outras salas têm objetos pessoais, como escovas, pentes, pincéis para barbear e utensílios domésticos.
Dos prédios que ainda se mantêm como museu, um ficou igual ao que era na época: o pavilhão número 11. Nele há um corredor imenso com fotos das pessoas que passaram por lá — a maioria delas mortas no campo. Também conservam os beliches onde elas dormiam — quatro, cinco e até seis pessoas dividiam a mesma cama.
Nesse mesmo pavilhão número 11, há um subsolo onde ficavam os "prisioneiros" do campo — todos eram prisioneiros, não podiam sair — que eram julgados sumariamente e enviados para essas solitárias do subsolo, ficando espremidos em celas minúsculas. Foi onde fizeram as primeiras experiências de matar gente com gás. Foram mortas ali mais ou menos 600 pessoas.
Mais tarde construíram as câmaras de gás e os fornos crematórios. Na câmara, colocavam as pessoas todas juntas, sem roupas, e inseriam o gás por meio de buracos que havia no teto para matá-las. Depois, os corpos eram jogados no forno e viravam cinzas.
Como eu imaginava, é muito triste ver isso tudo. As pessoas — turistas, estudantes, professores, estudiosos, curiosos — visitam esse lugar de uma forma muito respeitosa. Fica todo mundo em silêncio, só ouvindo as explicações, feitas em voz baixa pelos guias. Não se ouve ninguém falando alto nem rindo e vi muita gente chorando (eu, inclusive), porque é muito triste pensar que seres humanos fizeram isso com outros seres humanos: aprisionar, matar com crueldade, fazer experimentos científicos com cobaias humanas... A sensação que eu tinha era de estar participando de uma imensa cerimônia fúnebre, um enterro daqueles que eu ia em Anta Gorda, a minha cidade natal, quando se caminhava da igreja até o cemitério. Eu me concentrava no silêncio das pessoas e no único ruído, o dos pés pisando o cascalho fino.
Depois eu visitei o segundo campo, que se chama Auschwitz II-Birkenau, pior ainda que o primeiro. Nesse as pessoas chegavam diretamente de trem e muitas eram enviadas logo para morrer nas câmaras de gás. Quem não era morto fazia trabalhos forçados para os nazistas e vivia em condições desumanas em galpões de madeira numa região onde, no inverno, chega a fazer -30ºC.
Uma das fotos mostra as latrinas coletivas. Não passam de buracos onde todos eram obrigados a fazer as necessidades juntos. Faziam isso para que as pessoas fossem perdendo a dignidade. Os prisioneiros só podiam usá-las duas vezes por dia e sob o olhar dos soldados. E tem uma história que, se não fosse trágica, poderia ser uma espécie de anedota: os soldados que vigiavam os prisioneiros preferiam trabalhar nesse galpão porque o calor dos excrementos acabava aquecendo-os no inverno. Esses vigias, por isso, eram chamados de "generais de merda". Eu nunca tinha lido nada sobre isso, foi a guia que nos acompanhou que contou. Não sei se é verdade ou não.
Nesse mesmo campo, quando houve a libertação dos prisioneiros, os nazistas tentaram apagar as provas da crueldade que tinham feito e inclusive incendiaram muitos dos galpões.
Depois que acabou a guerra, que durou de 1939 a 1945, a Polônia criou um museu nesses campos de concentração. Desde 1947, mais de 30 milhões de pessoas já visitaram esses locais. Em 2002, a Unesco declarou o lugar Patrimônio da Humanidade. Calcula-se que ali mataram mais de 1,3 milhão de pessoas. É como se matassem quase toda a população de Porto Alegre. Dá para imaginar?! Em escolas da Polônia e da Alemanha, ir aos campos de concentração é uma matéria obrigatória. Todos os estudantes precisam ir. Por quê? Para que se entenda o que aconteceu e não se repita mais uma atrocidade daquelas. Se eu fiquei triste na visita?! Como eu já falei, fiquei muito triste. Chorei bastante só de imaginar tanta maldade. Fiquei triste de saber que seres humanos fizeram aquilo com outros seres humanos. E é essa a principal lição que a gente aprende: que precisa lutar para que isso não se repita nunca mais.