É fácil imaginar um passeio pelo jardim da mansão espaçosa de Julia Felix, uma empresária romana que viveu na antiga cidade de Pompeia, na Itália, no primeiro século da era cristã. Certamente havia vinho para beber e figos, damascos e nozes frescos para beliscar; a brisa morna do mar misturava o aroma dos ciprestes e das folhas de louro ao fedor do lixo e do excremento nas ruas, e o borbulhar da água nos banhos era superado ocasionalmente pelos gritos da multidão no anfiteatro para 20 mil pessoas ali perto.
Em 2019, em uma manhã em pleno meio de semana, uma fila de turistas serpenteava pela quinta elegante, admirando o que sobrou dos afrescos elaborados, da sala de jantar e dos pilares de mármore. Quase 2 mil anos se passaram desde que Pompeia e seus arredores foram soterrados pelas cinzas e pedras despejadas com a erupção do Monte Vesúvio, em 79 d.C., mas essa propriedade, recém-reaberta após uma grande reforma, ainda se parece muito com aquela em que Felix recebia seus convidados.
Essa é apenas uma parte da iniciativa cujo objetivo é salvar a cidade da crise causada por décadas – ou mesmo séculos – de falta de verbas e má gestão. O Grande Projeto Pompeia, que deve ser concluído no fim do ano, protege construções locais ameaçadas, levando a descobertas importantes (como a de que o Vesúvio provavelmente entrou em erupção em 24 de outubro, e não em 24 de agosto, como se acreditava) e melhorando a experiência para os turistas.
Desde que as escavações começaram, no século 18, suas mansões, túmulos e prédios públicos são explorados, saqueados e danificados. Os bombardeios dos Aliados, em 1943, atingiram o museu local. Depois da Segunda Guerra Mundial, o governo italiano deu início a escavações mais amplas para criar postos de trabalho para os desempregados. Um forte terremoto em 1980 enfraqueceu ainda mais as estruturas da antiga cidade. Em novembro de 2010, parte da Schola Armaturarum, ou Escola de Gladiadores, ruiu devido a fortes chuvas. A Unesco, que incluíra a cidade na sua lista de patrimônios da humanidade em 1997, produziu um relatório alarmante sobre a situação.
Depois de tanta atenção negativa, em março de 2012 a Comissão Europeia aprovou recursos para Pompeia. Quando combinado com o apoio do governo, o montante chegou a 105 milhões de euros (cerca de US$ 116 milhões). No mês seguinte, o Grande Projeto Pompeia foi lançado.
— Agora saímos do estado emergencial — disse Francesco Muscolino, arqueólogo do parque, acrescentando que o local se tornou uma entidade autônoma há alguns anos: agora pode manter toda a renda dos ingressos (15 euros para adultos).
Nem todo mundo está tão confiante. Antonio Irlando, arquiteto e diretor do Osservatorio Patrimonio Culturale, grupo de fiscalização do patrimônio cultural, comenta:
— Um problema sério é que não há guardas suficientes para ficar de olho nos turistas malcomportados. Nem todo mundo sabe ou lembra que as escavações são um monumento arqueológico, e não um parque de diversões.
"Lembrancinhas"
Lidar com o comportamento dos turistas sempre foi um desafio em Pompeia, que compreende uma área maior do que cem campos de futebol. E agora os números são mais altos do que nunca: em 2009, foram mais de 2 milhões; em 2018, esse número pulou para 3,6 milhões. Neste ano, foram quase 450 mil pessoas só em julho, um recorde.
Uma pequena exposição no Antiquarium mostra objetos roubados que os turistas mandaram de volta para Pompeia, alegando que as lajotas e pedras lhes trouxeram azar. As novas câmeras de segurança melhoraram a vigilância, mas o local é tão grande que muitas áreas continuam sem proteção visual.
— Fico feliz ao lembrar que um terço da cidade continua embaixo da terra. Já vi gente pulando as barreiras, pegando “lembrancinhas” sem permissão, tocando os afrescos, armando tripés em muralhas de pedra frágeis e tirando fotos com flash, que danifica a tinta antiga — comenta o guia Glauco Messina.
Para piorar, muitas operadoras organizam passeios sem aprovação formal, geralmente liderados por guias com qualificações duvidosas.
Stefano De Caro, ex-diretor-geral do Centro Internacional para o Estudo da Preservação e Restauração da Propriedade Cultural, ex-diretor de escavações e hoje membro do conselho consultivo do parque, diz que o número de visitantes representa um desafio, mas não necessariamente uma ameaça à cidade antiga:
— Pompeia abrigava milhares de pessoas. O que não falta é espaço, mas se os turistas tiverem permissão de se concentrar nos locais mais famosos certamente vão causar danos. Seria interessante equilibrar o movimento das pessoas em todo o sítio.
Equilíbrio entre o turismo e a preservação é a palavra-chave, afirma Mary Beard, professora de culturas clássicas da Universidade de Cambridge:
— De um lado, temos o cenário de horror de ver o sítio envolto em algodão, superprotegido, acessível apenas aos mais privilegiados; do outro, o local sendo invadido pelos visitantes, escalando as paredes e arrancando pedaços do mosaico do piso. Nossa tarefa é encontrar o ponto de equilíbrio entre um e outro.