No primeiro de uma viagem de quatro dias à França, meu filho e eu planejamos visitar Versalhes, o famoso château onde Maria Antonieta e Luís XVI passaram parte de seus últimos dias sem atribulações na corte. Na chegada, dei uma espiada no site de turismo oficial, que trazia na parte superior uma faixa preta grandona com letras garrafais em amarelo, sinais óbvios de alerta. "Atenção", pedia.
Dei uma lida rápida no texto à procura de qualquer palavra francesa que se traduzisse como “furacão”, mas Versalhes não estava esperando nenhuma catástrofe climática, e sim “une affluence importante”, ou seja, um público muito grande no fim de semana da Páscoa. Quando uma das atrações turísticas mais populares do mundo alerta o público para esperar uma multidão, é mais ou menos como o pessoal no Saara avisar que o sol está um pouco mais forte do que o normal – convém prestar atenção. A recomendação do escritório de turismo? Deixe o castelo para lá e visite o parque que circunda o principal atrativo.
Deixar o castelo para lá? Quem vai a Versalhes e não visita o palácio, principalmente levando a tiracolo um garoto de 12 anos que estuda francês? Sem dúvida, eu tomaria uma bronca de alguém, embora não sei bem de quem… da polícia pedagógica, talvez?
Já na chegada à cidade, Leo e eu tivemos uma pequena amostra do tal público muito grande, uma turba se amontoando a distância em frente à estrutura reluzente. Nosso destino parecia selado: a marcha desesperadamente lenta rumo à cabine de ingressos, depois a caminhada arrastada dentro do prédio histórico fascinante, mas também abafado e entupido de gente, uma aventura que nos deixaria exaustos, pálidos e precisando urgentemente de uma soneca.
Agora, lendo o aviso, de repente me sinto livre: quem era eu para contrariar o chefe do órgão de turismo de Versalhes? Minha intuição me dizia que meu filho, pelo menos, não ia achar o Salão dos Espelhos uma experiência transformadora, por mais espetacular que fosse. Por que exigir que ele aturasse a empreitada quando eu mesma estava apavorada só de pensar em ter de encarar a fila?
Ignoraríamos a parada obrigatória. Simples assim.
Um passeio afetuoso pela História
Em Versalhes, seguimos o conselho do site oficial de turismo da França. Em vez de nos juntarmos à multidão que visitaria o palácio, Leo e eu, aliviados e cheios de entusiasmo, pegamos uma trilha arborizada que nos levou diretamente para o Grille de La Reine, ou o Portão da Rainha. Ali, decidimos alugar bicicletas (serviço oferecido em vários outros portões do parque). Leo, assim que subiu na magrela, saiu doido, como se espera de um garoto que acabou de ser liberado de passar o dia no museu: pedalou furiosamente, voando pela trilha que cortava o campo cheio de ovelhas descendentes das que viveram no L’Hameau de la Reine, visão da vida bucólica falsa que Luís VXI criou para Maria Antonieta na propriedade.
Paramos para tomar o copo do suco de laranja fresco mais caro do mundo, mas também o mais gostoso, comprado de um vendedor com seu carrinho. Dali, seguimos para o Grand Canal, um corpo d’água construído no século 17 com o glamour de piscina infinita, mas no formato de cruz, o eixo leste-oeste com quase 1,5 quilômetro de vão. A cada minuto que pedalávamos, o público ia minguando mais e mais, até que nos vimos sozinhos no ponto mais distante do canal, com o château a distância, parecendo uma miragem tremeluzente.
Leo e eu estávamos eufóricos por podermos aproveitar o sol, a vista, a velocidade das bicicletas robustas. Em matéria de pedagogia, era difícil ignorar o nobre esplendor de tudo, a simetria relaxante do plantio das árvores, as trilhas planejadas de tal forma que podíamos fazer uma curva e, como em um passe de mágica, ver toda a extensão do château, totalmente escondido um minuto antes, se descortinando gloriosamente a nossa frente.
Enquanto tomávamos o sorvete comprado ao lado do canal, me veio à mente que ser pai ou mãe é um pouco como andar de bicicleta ali naquele parque: o caminho parece agradável e luxuoso, embora às vezes meio cansativo, mas, de repente, bem ali na sua frente, já se vê próximo o fim do caminho – a vida adulta do filho, aquele futuro brilhante e amplo que o pai ou a mãe só pode admirar a distância, de fora, de longe. Decidi que uma viagem como essa era valiosa demais para gastar com obrigações. Eu as manteria ao mínimo possível nos próximos dias.
Rumo ao castelo de Catarina de Médici
Na manhã seguinte, seguimos de carro para o sul, rumo a uma cidadezinha no Vale do Loire a duas horas de onde estávamos – Candé-sur-Beuvron, onde meu pai, um francófilo com o amor prussiano ao planejamento logístico, descobriu um quarto para a família no Château Laborde St. Martin, uma mansão do século 18 convertida em pousada no estilo bed & breakfast. Nosso objetivo era aproveitar La Loire à Velo, uma bela ciclovia de mais de 800 quilômetros, bem sinalizada, que cruza vinícolas e campos, o centro e bairros de várias cidadezinhas, o tempo todo ao longo do rio, sem nunca perdê-lo de vista.
Atravessamos a pequena ponte que se encontra a cinco minutos do hotel e, dali, o caminho era todo nosso. Seguimos rumo ao Château de Chaumont sur-Loire – quer dizer, eu pelo menos. Leo não estava nem aí, queria só mesmo andar de bicicleta longe do trânsito, longe de casa, longe da lição.
Seguindo a trilha ao longo do rio, olhei à minha volta, prestando atenção ao arco que os galhos das árvores faziam sobre nossas cabeças e, na água, um pato-real, o pescoço verde-esmeralda reluzindo sob o sol. Um instante depois, ele levantou voo e Leo fez o mesmo; em dois segundos eu mal o via, o que talvez fosse, para ele, parte do objetivo. Estávamos pedalando havia menos de uma hora quando chegamos à entrada para o Château que já abrigou Catarina de Médici (1519-1589), nobre italiana que se tornou rainha da França ao se casar com Henrique II. Desmontamos para subir a pé a ladeira íngreme até o castelo que dá vista para a cidade, em uma área cercada por cedros-do-líbano robustos e dramaticamente alinhados. Fomos nos aproximando do palácio, um sonho de princesa em cor creme e estilo renascentista, com torres cobertas por telhados caídos de ardósia – e dessa vez entramos para um tour, uma visão tão íntima da vida de Catarina que Leo comentou, enquanto espiávamos o armário do quarto que lhe pertencera, que era quase rude estar ali.
Paramos para um almoço rápido em um terraço ao ar livre, pensando no que fazer em seguida: será que valia a pena ir naquela tarde mesmo até Blois e visitar o château histórico daquela cidadezinha também? Leo, que já estava meio cansado, tinha outra coisa em mente: várias rodadas de gin rummy no hotel. Tínhamos lido que a nobreza geralmente se entretinha com apresentações musicais e jogo de cartas – e me consolei pensando que, uma vez hospedados em um palacete do século 18, estaríamos praticamente fazendo uma reconstituição.
Nos jardins de Da Vinci
O dia seguinte foi nosso último no Vale do Loire. Leo acordou bem disposto e decidido a pedalar até Amboise, local da corte de Henrique II, a cerca de duas horas de distância de bicicleta. O simpático dono do hotel, porém, nos aconselhou a não fazê-lo: o exercício extenuante nos deixaria cansados demais para aproveitar tudo o que a cidade tinha a oferecer – o famoso Château D’Amboise, obviamente, mas também o Château Gaillard, tesouro recém inaugurado, e o Château du Clos Lucé, onde passou seus últimos dias.
— Vocês nunca vão ter tempo de ver Blois, seu château histórico e esplêndido. Melhor seguir de carro para Amboise e, à tarde então, ir para lá — aconselhou ele, de adulto para adulto.
Compreendi e até senti seu senso de urgência: vai saber se Leo terá condições de um dia voltar ao Vale do Loire, ou mesmo eu? Essa talvez fosse nossa única chance de ver tantas maravilhas arquitetônicas, históricas e de engenharia. Mas aqueles castelos sobrevivem às intempéries há séculos. Meu filho de 12 anos, por outro lado, estava cada vez mais perto de fazer 13, cada vez mais perto de se tornar um adolescente que só Deus sabe como seria. Se ele quisesse só andar de bicicleta com a mãe, então que fosse.
E foi realmente o que fizemos, pedalando no sol forte, passando por campos sem fim, através de aldeias minúsculas, modorrentas, por faixas do Loire que pareciam salobras e quase praianas, outras pastorais e tranquilas, até que finalmente, acalorados e empoeirados, chegamos a Amboise. Dentro do pátio do Clos Lucé – o château onde viveu Leonardo –, sentamo-nos no primeiro banco que vimos e deglutimos uma baguete com queijo “feito norte-americanos selvagens”, como disse Leo.
Recuperados, entramos na antiga casa de Leonardo, onde, no porão, Leo descobriu algo de que, com vocação para engenheiro, certamente não se esquecerá: reproduções tridimensionais pequenas, mas precisas, dos projetos que o mestre desenhou, mas nunca construiu, além de vídeos curtos explicando como deveriam se mover ou funcionar.
O parque lá fora, generoso, era ainda mais cativante, com modelos maiores, interativos – uma ponte móvel que se podia atravessar, a roda de uma máquina voadora que as crianças rodavam como se fosse um brinquedo de playground, para ficarem zonzas.
Tínhamos saído por volta das 9h. Quando acabamos de almoçar no Clos Lucé, eram 14h30min. Calculei que o legal seria pegar a bicicleta para voltar às 15h30min, sabendo que teríamos duas horas até chegarmos ao hotel. Porém, o Château Gaillard ficava a apenas cinco minutos de caminhada dali – assim, subimos a colina até o castelo, relativamente pequeno e maravilhosamente vazio, onde Carlos VIII pediu ao famoso jardineiro italiano Dom Pacello que criasse o primeiro jardim renascentista da França. Quando vimos, era hora de voltar, sem tempo para conferir o Château D’Amboise.
A volta, por algum motivo, deu a impressão de ser bem mais longa que a ida: Leo estava tão cansado depois de pedalar o dia inteiro que eu percebi, na última meia hora, que começara a dar guinadas de um lado para o outro. Entretanto, esses mesmos 30 minutos finais foram os mais intensos – a paisagem, o cheiro no ar –, pois sabíamos que era o último trecho que faríamos na magrela. No dia seguinte, seguiríamos de carro para Chartres, para ver a catedral, e pegaríamos o voo noturno no Charles de Gaulle.
Eu realmente espero que, um dia, Leo volte a Versalhes. Talvez, como pai, ele saiba planejar melhor as coisas que eu e leve os filhos na época certa para fazer as visitas certas. Talvez minha família volte inteira para o Loire, e a gente possa ver os azulejos espetaculares do château de Blois, e apreciar as famosas vistas do rio que se tem do Château D’Amboise. Folheando nosso guia no avião de volta para casa, por um momento senti uma ponta de remorso – mas, quando vi as fotos da viagem, a maioria de Leo sorrindo, ao ar livre, caminhando dentro do belo château ou na bicicleta, o que me veio à mente foi: “Je ne regrette rien”.
Por Susan Dominus