Costuma-se dizer que não damos valor ao que temos até perdê-lo. No início do século 19, a família real espanhola teve tempo de refletir sobre esse axioma quando perdeu não apenas o trono para o irmão de Napoleão, José Bonaparte, como também centenas de pinturas e outros tesouros de valor inestimável roubados de igrejas, palácios e monastérios e levados para Paris pelo exército francês.
Após a derrota de Napoleão, em 1814, tanto o trono quanto as obras de arte foram restituídos ao monarca espanhol restaurado, Fernando VII, que tinha aproveitado o tempo em que não comandou o reino para conceber um plano de salvaguarda do acervo para gerações futuras. Motivado por uma segunda esposa muito culta, Maria Isabel de Bragança, Fernando criou o Museu Real de Pinturas em Madri, em novembro de 1819. O que começou com 300 obras-primas da chamada Era do Ouro da pintura espanhola, dos séculos 16 e 17, se expandiu para incluir obras de arte de toda a Europa. Hoje, vastamente expandido e conhecido como Museu do Prado, é um dos maiores abrigos da arte ocidental do mundo.
Para honrar o bicentenário, o museu organizou uma celebração que vai durar todo o ano. Há mostras especiais nas galerias do museu, nos parques e nas praças ao redor de Madri e nos museus de toda a Espanha. O Prado está até mesmo recriando a pintura e a organização dos móveis do "quarto de repouso de suas majestades", completo com a toalete pessoal de Fernando.
O mais óbvio para os visitantes é que a maior obra-prima do museu – o impressionante edifício neoclássico projetado pelo arquiteto Juan de Villanueva e aberto em 1785 – foi quase completamente coberta por uma manta formada por detalhes das pinturas que estão lá dentro. Em alguns meses, o monumental presente de aniversário será desembrulhado para revelar uma fachada primorosamente restaurada.
Para mim, contudo, a experiência com o Prado é pessoal. Saí de Nova York para a Espanha em 2002, e o Prado foi absolutamente parte do motivo de ter escolhido Madri em vez de Barcelona ou Sevilha. Minha primeira missão como jornalista foi uma história sobre a expansão do museu, projetada por Rafael Moneo. Mais tarde, acompanhei Gabriele Finaldi, atualmente o diretor da National Gallery de Londres, mas, na época, vice-diretor do Prado, no tour de 45 minutos que geralmente oferecia a chefes de Estado em visitas oficiais.
Agora, em meio ao entusiasmo em torno da comemoração, me peguei questionando se, após 17 anos e mais de 200 visitas ao museu, eu – assim como Fernando VII antes de Napoleão – fiquei tão acostumado com os destaques que acabei por não valorizar todo o resto. Decidi celebrar o bicentenário renovando meu conhecimento de todo o museu – cada galeria, vestíbulo e passadiço onde exista uma obra de arte exposta.
Do Rei Criminoso a "A Deposição da Cruz"
Adiantemos a fita para as 10h de uma terça-feira fria de janeiro. Mesmo quando me encontrava na entrada do Prado, na correria da manhã, examinando uma planta baixa com as quase 120 galerias que visitaria, nunca imaginei que ficaria no museu por sete horas.
Comecei minha visita pela Galeria 75 no térreo, nas salas do século 19. No mundo da arte, não há muito apreço pela pintura espanhola do século 19 após o grande Francisco de Goya, que morreu em 1828. Mas os espaços ilustram habilmente o período da fundação do museu, começando com o retrato real feito por Goya do rei Fernando VII, em cujo olhar fica implícita sua desconfiança.
Conhecido como "el Rey Felón" (o Rei Criminoso), era um tipo de déspota retrógrado que, como príncipe herdeiro, conspirou contra o próprio pai e, como rei, aboliu a primeira constituição espanhola. Se o Prado foi seu grande presente à Espanha, talvez o grande presente de Goya para a posteridade tenha sido a habilidade de transmitir o caráter desonesto de Fernando em um retrato que o próprio rei viria a aprovar. Embora tenha morrido um ano antes da abertura do museu, Maria Isabel de Bragança também está aqui, esculpida em mármore como uma imperatriz romana por José Álvarez Cubero.
Galerias adjacentes expõem paisagens pastorais, retratos de matronas burguesas e pinturas com narrativas melodramáticas que podem não agradar a todos, mas, certamente, revelam o estilo descritivo requintado da pintura espanhola do século 19. Durante minha visita, havia um grupo de estudantes do Ensino Médio sentado no chão em frente ao Dois de Maio de 1808, de Goya, discutindo a rápida batalha de rua retratada, enquanto outros tentavam decifrar as enigmáticas "pinturas pretas" dele: imagens de bruxaria e brutalidade humana crua, pintadas como as turbulentas consequências das guerras napoleônicas.
Após essas peças perturbadoras, as Galerias 71 a 74 oferecem um intervalo com esculturas gregas e romanas reluzentes. Apesar de pouco conhecidas, há mais de 250 esculturas expostas no Prado, incluindo várias adquiridas em Roma por Velázquez no século 17 em nome do rei Filipe IV.
Voltando em direção ao centro do museu, o tour ganha contornos mais cronológicos, começando pela Renascença italiana. Com a riqueza proveniente das colônias americanas a partir do século 16, os soberanos espanhóis puderam comprar muitas obras de arte. O primeiro imperador Habsburgo, Carlos V, e seu filho, Filipe II, tiveram o gosto de combinar seus recursos e adquiriram o que existia de melhor.
Explorar as Galerias 49 e 56B é como adentrar um livro didático sobre a Renascença italiana e o maneirismo com nada menos do que sete gloriosas obras de Rafael, assim como trabalhos de Mantegna, Fra Angelico, Botticelli, Correggio, Andrea del Sarto, Bronzino e Parmigianino. Há uma versão anônima da Mona Lisa, provavelmente pintada por um dos pupilos de Leonardo da Vinci.
Sob Carlos V, a região da Flandres também foi anexada à coroa espanhola, já que cidades como Bruges, Gante e Antuérpia eram importantes centros financeiros e o coração de um próspero mercado de arte. Um trabalho que não pode ser ignorado é A Deposição da Cruz, de Rogier van der Weyden. Em vez de revelar uma janela para outra dimensão, o espaço pictórico trivial do artista mostra os indivíduos, representados quase em tamanho real, tirando o corpo de Cristo da cruz, fazendo com que o sofrimento – lágrimas transparentes escorrendo pelos muitos rostos – seja muito mais enfático.
De Ticiano e Velásquez ao Tesouro do Delfim
Mostras recentes no Prado "ressuscitaram" com sucesso alguns artistas espanhóis dos séculos 15 e 16, incluindo Luis de Morales e Bartolomé Bermejo. Novo para mim era o artista Juan de Juanes, cujos seis espetaculares painéis criados para o altar da Igreja de Santo Estêvão de Valência estão dispostos em galerias recém-instaladas. Considerado o melhor pintor de Valência do século 16, seu Retrato de um Cavaleiro da Ordem de Santiago revela quão sutil e habilmente ele misturou os conceitos italianos de confecção de retratos da corte com detalhes suntuosos de acabamento.
Um lance de escadas acima das galerias da Renascença espanhola fica a Galeria 1, que exibe uma única obra: a imponente escultura de bronze de 1551 Imperador Carlos V e a Fúria, de Leone Leoni. A armadura do imperador esculpida de maneira excepcionalmente bela e delicada revela um corpo nu heroico por baixo. Leoni era o preferido dos Habsburgos, e esculturas de outros membros da família são exibidas na galeria aberta da ala dos Jerônimos.
A partir da Galeria 1, as obras-primas vêm com rapidez e fúria. As Galerias 40 a 44 revelam as cores sensuais e exuberantes de Giovanni Bellini, Lorenzo Lotto, Veronese e outros mestres da Escola de Veneza. O Prado tem mais trabalhos de Ticiano, o padrinho da escola veneziana, do que qualquer outro museu – em sua maioria, obras emblemáticas como Os Andrianos, Vênus e Adônis e Mater Dolorosa.
O pintor flamingo Peter Paul Rubens veio a Madri no século 17 como diplomata e pintor, frequentemente copiando os trabalhos de Ticiano e outros do acervo real. Ele também produziu obras próprias para os reis espanhóis. Muitas delas estão alinhadas na galeria central de 112 metros de extensão que forma a espinha dorsal do Prado e cria um encadeamento visual, revelando as conexões entre os grandes mestres da pintura espanhola – El Greco, Ribera, Zurbarán, Maíno, Velázquez e Murillo – e seus predecessores italianos e flamengos.
John Singer Sargent, Pablo Picasso e Francis Bacon fizeram incursões parecidas para estudar as obras expostas nas Galerias 7 a 18. Artistas da "idade de ouro" espanhola no século 17 pareciam se deliciar com a manipulação de tinta sobre a tela para criar efeitos realistas fantásticos, como a luz cintilante nos vestidos de seda em As Meninas de Velázquez ou as nuvens agitadas dos céus cor de damasco e lavanda de El Greco.
Minha última parada foi uma galeria nova, semelhante a um cofre e escondida sob os beirais da Torre Norte, que guardava uma surpresa final: o Tesouro do Delfim, uma coleção de quase 150 cálices, travessas e outros belíssimos objetos feitos de cristal de rocha adornados com ouro e prata.
Esses objetos arrebatadores e delicados apresentados ao lado dos extraordinários estojos de couro forrado que reproduzem com perfeição o formato das peças que carregam – e que também têm séculos de vida – funcionam como uma metáfora apropriada do próprio Prado: perfeição artística por dentro e por fora.
Por Andrew Ferren