San Francisco sempre teve bares excelentes, mas, até alguns anos atrás, os que se encontravam em seus hotéis deixavam algo a desejar; excessivamente caros e fora de moda, era óbvio que não atraíam o público local.
Ultimamente, porém, esses estabelecimentos estão ensaiando uma revitalização, graças à onda de casas especializadas em coquetéis criativos e acessíveis preparados pelos maiores talentos da mixologia regional. São bares badalados que, de repente, passaram a ser disputados não só por visitantes como também pela população da cidade.
E sua presença, cada vez mais maciça, chama a atenção dos bambambãs do setor. "Geralmente, o arranjo financeiro é bom para o dono do bar. Primeiro, porque normalmente são lugares convenientes para os visitantes, e lhes oferecem a chance de conferir do que San Francisco é capaz em matéria de coquetéis; depois, porque o pessoal local também acaba frequentando", explica Maggie Hoffman, jornalista especializada em drinques do "The San Francisco Chronicle" e autora de "Batch Cocktails".
Um dos primeiros sinais dessa virada foi o Benjamin Cooper, em estilo speakeasy, inaugurado no Hotel G da Union Square, em março de 2015.
"Eu não conseguia classificá-lo de bar de hotel, e olha que isso é um baita elogio", diz Morgan Schick, diretor criativo da BVHospitality, empresa que, além de abrir vários bares, ainda definiu os cardápios de cada um. Mais conhecido pelo premiado Trick Dog (que ainda é um dos endereços mais badalados da cidade), Schick e seu sócio, Josh Harris, são responsáveis pelo conceito do Charmaine's e do Villon, no Proper, um hotel butique descolado inaugurado na Market Street em meados de 2017.
O Charmaine's começou a funcionar em novembro e imediatamente chamou a atenção dos conhecedores graças à reputação impecável da dupla e à localização: situado na cobertura, oferece uma visão ampla do centro e de South of Market, com todo o seu agito e seus galpões. Com poltronas de plush, lareiras de chão e clientela abastada, o bar foi responsável pelas filas longas que se formavam na McAllister Street.
A disposição das mesas, espalhadas por uma grande parte externa, influenciou o cardápio de coquetéis – e, para Schick, o Let Me Touch Your Mind, piña colada com sabor marcante de coco e coberto por um Negroni, resume bem o cardápio.
"Você pensa: 'Bom, estou em um lugar classudo, então vou de Negroni'; mas aí se lembra de que está de férias, com uma tremenda vista ali na sua frente, portanto também pensa em tomar uma piña colada", explica.
A mais recente novidade no cenário etílico dos terraços de San Francisco é o Everdene, aberto em abril no topo do novo Virgin Hotels San Francisco. Além de ter o nome da heroína de "Longe Deste Insensato Mundo", de Thomas Hardy, a casa tem um clima suntuoso de festa de jardim totalmente diferente da muvuca lá embaixo, em SoMa. O cardápio consiste em opções de cores brilhantes, com muitos sabores vegetais (como o Her Majesty's Pleasure, que, além de tequila, leva pepino e ervilha torta, e foi um dos primeiros sucessos), cortesia do principal bartender, Tommy Quimby, outro que já passou pelo Trick Dog. Quimby também é responsável pelo cardápio de drinques do bar e restaurante no térreo, o Commons Club, que usa e abusa dos destilados e batizou suas combinações com nomes de artistas da Virgin Records.
Perto da Union Square, os coquetéis do Gibson, inaugurado em outubro de 2017, no Hotel Bijou, trabalham com sabores familiares de formas pouco ortodoxas, como explica o diretor de bebidas, Adam Chapman. E, embora você encontre novidades saborosíssimas como o Clear Bloody Mary (não consta na carta, disponível só por pedido), preparado com tomate clarificado, três tipos de molho de soja e ponzu fermentada, Chapman simplifica a linguagem do menu.
"Em vez de dizer 'Prepare isso no vácuo, centrifugue aquilo', de repente pode-se só dizer: 'Huckleberry'", brinca Chapman, acrescentando: "Se o cliente se mostrar interessado em aprender mais, terei o maior prazer em ensinar."
A decoração elegante, em art déco, com muitos detalhes dourados, espelhos e pé-direito alto, faz do Gibson um destaque inevitável do hotel, mais discreto. "Grande parte dos frequentadores não hospedados são moradores da cidade, e compõem o grosso da clientela do bar", esclarece.
O Laureate Bar & Lounge, no The Laurel Inn, casa aconchegante e discreta em Pacific Heights, dá uma sensação ainda maior de ser uma identidade própria. Em uma segunda-feira recente que passei por lá vi a casa cheia de fregueses antigos bebericando vinho e martíni à volta da lareira minimalista moderna, de meio do século, moldada diretamente nos azulejos do terraço.
Nossa intenção é fazer com que você chegue aqui com a impressão de que está entrando na sala de seu melhor amigo.
SAM MCGINNIS
supervisor do Laureate Bar & Lounge
"Somos um bar de bairro. Nossa intenção é fazer com que você chegue aqui com a impressão de que está entrando na sala de seu melhor amigo", define Sam McGinnis, supervisor do Laureate.
Para conseguir isso, McGinnis cita os preços relativamente acessíveis da casa – todas as bebidas saem a US$ 12 – e o uso de pelo menos um ingrediente local em cada bebida. O cardápio é composto por uma seleção sazonal de drinques em rodízio (o Pride Month, com as cores do arco-íris, inclui What's Up, Doc?, com cenoura, gengibre e tequila), mas os clientes podem esperar sucessos certeiros na seleção permanente de clássicos. O old fashioned de uísque de centeio, impecável, feito com bitter local e servido sobre um cubo imenso de gelo, poderia estar em qualquer endereço mais sofisticado da cidade.
Escondido em uma remodelagem estonteante de um hotel clássico de Japantown, The Bar, no Kabuki, situado entre Pacific Heights e Fillmore, também fez do preço um meio de atrair a clientela local. No happy hour diário, por exemplo, oferece highballs por US$ 7, além de coquetéis preparados com chá para duas pessoas e uma ampla seleção de uísques japoneses. O acesso à casa é através do saguão moderno e bem-iluminado do hotel, mas tem um clima mais descolado e vibrante que os estabelecimentos desse tipo, inclusive com pilhas de livros e vinis selecionados a dedo.
O cardápio de coquetéis principal, criado por Stephanie Wheeler (ex-Three Dots and a Dash de Chicago), se baseia na Hanakotoba, a linguagem das flores. O Chrysanthemum é opção popular e vale a pedida, pois, além de ser preparado com gim St. George nos moldes do Negroni, é herbáceo e leva bagas de goji.
Os bartenders, além do conhecimento imenso, são ágeis também; por exemplo, ao me informar que um dos itens na bebida de minha escolha estava indisponível, o mixologista que me servia fez várias perguntas sobre minhas preferências – e acabou me servindo uma versão bem equilibrada e deliciosa, à base de mescal, do clássico penicillin, tipicamente feito com uísque.
Quem estiver interessado em investir na experiência de beber em um hotel de primeira deve voltar à Union Square, mais precisamente ao Hotel G, onde fica o aclamado Benjamin Cooper e agora o Ayala, restaurante & bar amplo inaugurado em dezembro, comandado pela chef Melissa Perfit, que já passou pelo Bar Crudo.
Os coquetéis são de autoria de Julian Cox, diretor que foi indicado ao prêmio James Beard e que mais recentemente passou pelo Tartine Manufactory. Ele criou um cardápio em harmonia com a cozinha que faz um enorme sucesso com os hóspedes, o pessoal local e, mais importante, com os colegas do setor.
"Toda noite é um verdadeiro desfile de chefs e bartenders por aqui", concede Cox.
Com essa nova tendência, os bartenders estão descobrindo que há de haver um equilíbrio para atrair tanto os hóspedes como aqueles que moram na cidade. Enquanto Cox prioriza bebidas leves e coloridas que vão muito bem com frutos do mar, capricha também nos clássicos para agradar aos hóspedes, ainda que inclua neles um toque criativo. Entre os mais populares estão o Castrevelano "Washed" Martini, um sucesso inesperado, e o refrescante A Diving Bell, que leva mescal, gim, yuzu e pimenta-caiena. Obscuro, o Ayala Julep, à base de vermute, também caiu no gosto popular.
Para Cox, os bares de hotel da cidade estão seguindo na única direção possível e adequada para esse tipo de estabelecimento.
"A história dos coquetéis começou nos hotéis. Na época de ouro da mixologia, nada melhor do que beber em um deles."
Por Lauren Sloss