Lisboa pode ser uma das capitais mais acessíveis da Europa, mas, se você estiver à procura de uma refeição espetacular, não é difícil encontrar opções de jantar de 120 euros (cerca de US$ 135) com três pratos (sem vinho) em restaurantes como o estrelado Belcanto.
Para sorte dos viajantes com orçamento limitado, porém, há as tascas, casas pequenas e despretensiosas que, no início do século XX, serviam principalmente à classe trabalhadora, vendendo vinho e petiscos, além daquele que era seu produto principal: o carvão.
Hoje em dia, esses estabelecimentos – sejam os antigos, adquiridos por novos donos, sejam os recém-inaugurados – continuam servindo pratos tradicionais e substanciosos, com destaque para os guisados de carne e peixe.
"A palavra 'tasca' é meio que um elogio, está mais para um sinal garantido de confiança e valor, de comida portuguesa caseira bem-feita e preços honestos. As novas versões procuram dar um toque de refinamento, mas as tradicionais continuam mais populares que nunca", explica Tiago Cruz, autor de "Guia das Tascas de Lisboa", com os melhores 25 endereços da cidade.
Com vinte euros você desfruta de uma refeição de três pratos e vinho na maioria desses restaurantes, às vezes até por menos – e pode ter certeza de encontrar no cardápio opções como pataniscas de bacalhau (bolinhos) e cozido à portuguesa (com carne e linguiça), além de petiscos como mexilhões à Bulhão Pato (com azeite, alho e coentro) ou moelas estufadas (no guisado).
Se você quiser sentir o gostinho de Lisboa, aqui estão quatro tascas novas que vale a pena conferir.
Petisco Saloio
Pequeno e azulejado, esse restaurante fica no subsolo de uma casa no bairro de Campo Pequeno e é considerado uma verdadeira pechincha gastronômica de Lisboa.
Os dois novos donos, Carlos Pinheiro e Diogo Meneses, que também cozinham, ainda não tinham nascido quando essa tasca foi inaugurada, há trinta anos, e se chamava O Buraquinho (de fato, no salão cabiam apenas vinte pessoas). O objetivo da dupla é atrair a clientela, principalmente entre os moradores do bairro, com os pratos em que a antiga tasca era especializada: filetes de peixe-galo, feijoada e arroz de gambas (com camarão), mantendo a TV sempre ligada no canal de notícias.
Fiquei em dúvida entre as petingas fritas com arroz de tomate e o entrecosto assado, mas acabei ficando com as costelas, macias e suculentas, servidas com batata frita e salada de alface e tomate.
Por 8,5 euros você recebe um almoço completo, com pão e azeitonas, prato principal, sobremesa e expresso. Recentemente, estive por lá e me sentei em um banquinho de madeira ao lado de dois moradores locais que devoravam cumbucas de feijoada, acompanhada de vidros da versão caseira de piri piri, o molho português feito com pimentas moídas, limão e pimentão vermelho. Fiquei em dúvida entre as petingas fritas com arroz de tomate e o entrecosto assado, mas acabei ficando com as costelas, macias e suculentas, servidas com batata frita e salada de alface e tomate. De sobremesa, uma bela fatia de torta de laranja.
Gostei tanto que voltei para o jantar e provei o choco frito com maionese de páprica, as bochechas de porco e, de sobremesa, o doce da casa, uma mistura de creme de ovos, bolacha maria e leite condensado. Paguei 15 euros, sem vinho.
Petisco Saloio, Avenida Barbosa Du Bocage, 38, Campo Pequeno, tel. (351) 21-796-2989. Porções entre 5 e 8,5 euros.
Cacué
Em meio aos arranha-céus e hotéis de Picoas, a poucas quadras do Museu Calouste Gulbenkian e do Parque Eduardo VII, fica o Cacué, com apenas 36 lugares, que é sucesso desde que foi inaugurado, no fim do ano passado.
Durante quase 25 anos o espaço se chamou O Tomás, ponto favorito entre os moradores, não só pelo clima simpático como pelas refeições diárias, gostosas e baratas. Quando o novo dono e chef, José Saudade e Silva, o comprou, em 2017, quis melhorar o visual, substituindo os lambris de madeira escura por outra, mais clara, e colocou um balcão em frente à cozinha. Porém mal mexeu nos preços, com os pratos do dia custando entre 6 e 12 euros. E contratou a Dona Rosa, cozinheira da tasca original, para produzir um cardápio cuja base é a feijoada, o bacalhau à minhota (com cebola e batatas) e favas com entrecosto (feijão-fava com costela).
Na companhia de um amigo, almocei maravilhosamente bem, saboreando pataniscas (bolinhos de bacalhau), pastelinho de língua (de vitela), ovas panadas e filé de rodovalho com arroz de tomate. De sobremesa, musse de chocolate e arroz-doce.
A casa não aceita reservas para o almoço, por isso o negócio é chegar bem cedo ou bem tarde para evitar a muvuca; só à noite é possível garantir uma mesa com antecedência. O almoço sai por volta de 15 euros e o jantar, 20, com vinho.
Cacué, Rua Tomás Ribeiro, 93 B-C, Picoas, tel. (351) 21-608-2990, restaurantecacue.com.
A Taberna da Rua das Flores
Em 2012, a região das compras do centro, o Chiado, estava apenas começando a sentir as consequências da crise financeira que castigava Portugal. Nesse mesmo ano, A Taberna da Rua das Flores foi inaugurada em um prédio que antes era usado como galpão de uma farmácia, e não só sobreviveu à turbulência econômica, como fez o maior sucesso graças às versões inovadoras de pratos clássicos.
Não faz muito tempo, passei por lá, à tarde, com um amigo. Começamos com pão de trigo e centeio, azeitonas e puntillitas, ou lula frita servida com cebola roxa e salsa. As porções são para lá de generosas: meio frango no caldo de tomilho, servido com laranja, maçã e cherívia; iscas com elas, ou tirinhas finas de fígado de boi com batata cozida (prato que silenciosamente desapareceu dos cardápios da maioria das tascas). Dividimos uma musse de limão, mas também tinha a opção de leite-creme queimado no cardápio. Saiu a 15 euros por pessoa, sem vinho.
No jantar você pode se sentar no salão que, apesar de estreito, é bem agradável, ou ficar na parte de trás, perto do bar – que já foi um laboratório –, e pedir pratos com inspiração asiática como o picadinho de carapau (com camarão e krill), enguia frita, peito de pato com kimchi e musse de chocolate com um fio de azeite por menos de 20 euros, sem vinho. Não aceita reservas e só trabalha com dinheiro vivo.
A Taberna da Rua das Flores, Rua das Flores, 103, Chiado, tel. (351) 21-347-9418.
Taberna Sal Grosso
Pode ser bem complicado conseguir um dos trinta lugares da popular Taberna Sal Grosso, no bairro turístico da Alfama, mas, se conseguir, prepare-se para fazer escolhas difíceis. Estive lá em uma noite de sexta-feira e havia quase 20 petiscos sazonais no cardápio escrito na lousa, cada um custando entre 3,5 e 10 euros. No salão, bem agradável, há uma pintura enorme de duas figuras portuguesas muito queridas: a cantora Amália Rodrigues e o jogador de futebol Eusébio, supervisionando lá de cima a mistura de turistas e lisboetas acomodados às mesas de tampo de mármore.
Eu e meu amigo começamos a refeição com uma salada de cebola, laranja e agrião e um croquete de língua (de vaca) impecável. Depois, os pratos principais: bacalhau à Brás (com ovos e batata frita) e uma raia alhada bem amanteigada. As sobremesas também são excepcionais, incluindo a maçã assada com canela e sorvete de poejo e o pudim de cerveja preta. Com o vinho da casa ou uma das cervejas artesanais de produção própria, que foi o que pedimos, a refeição sai por menos de 18 euros por pessoa. É imprescindível ter reserva, que pode ser feita somente por e-mail (tabernasalgrosso@gmail.com) ou pelo Facebook (facebook.com/tabernaSalGrosso/), ou chegar depois das 21h30, quando o movimento começa a cair.
Taberna Sal Grosso, Calçada do Forte, 22, Santa Apolónia, tabernasalgrosso@gmail.com.
Por Miguel Andrade