
O galpão construído para a tosquia das ovelhas na Estância Paraizo, em Bagé, terá uma nova finalidade ainda neste ano. A família Mercio, dona da propriedade de 2 mil hectares criada no século 18, vai instalar uma vinícola no espaço antes reservado ao esquilador – profissão eternizada no clássico gauchesco de Telmo de Lima Freitas. O corte das tesouras para retirar a lã das ovelhas dará lugar ao aroma da fermentação da uva em tanques de aço inoxidável. Os animais seguem no pasto, mas a paisagem do Pampa mudou. Videiras e oliveiras tomam forma nos campos e uma nova geração de estancieiros investe no turismo, sem esquecer da história e da tradição da região.
Visitei a Campanha e a Fronteira Oeste em fevereiro, época de colheita das uvas e das azeitonas. Foram cerca de 2 mil quilômetros percorridos em cinco dias entre vinícolas e estâncias que produzem vinhos e óleo de oliva e que estão de portas abertas para receber os visitantes. Para quem está acostumado aos passeios pela serra gaúcha, vai o alerta: as distâncias na Campanha são muito maiores. Conhecer uma propriedade demanda boa parte do dia, porque os trajetos são longos e é preciso encarar trechos de chão batido. Mas a paisagem compensa. Os vinhedos são intercalados com o pasto nativo onde os animais andam soltos – volta e meia se cruza por gaúchos a cavalo devidamente pilchados. A hospitalidade também conta pontos. E o mais interessante é observar uma nova geração de homens e mulheres do campo que estudaram, viajaram pelo mundo e voltaram para casa dispostos a inovar.
Com o auxílio do Sebrae-RS e do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), essa nova geração rural combinou a produção de vinhos de ótima qualidade com o investimento no turismo. Alguns dos projetos de enoturismo estão em fase inicial, mas os atrativos prometem agradar a diversos públicos: desde o almoço harmonizado com os vinhos da Estância Guatambu, em Dom Pedrito, até o passeio por uma capela centenária em meio aos vinhedos da Estância Paraizo. Tem ainda a bela vista aos pés do Cerro de Palomas, em Santana do Livramento, observação de estrelas no campo e degustação de azeites.
Itaqui
A primeira parada da viagem foi na vinícola Campos de Cima, em Itaqui. Dos 700 hectares da fazenda da família Ayub, 15 são destinados aos vinhedos, instalados a partir de 2002.
A vinícola surgiu em 2008 e tem como sócias as três mulheres da família – a mãe, Hortência Ravache Brandão Ayub, e as duas filhas, Manuela e Vanessa. Os visitantes podem degustar os vinhos locais e conhecer todo o processo de produção. Almoços e jantares também são oferecidos, mas é preciso agendar com antecedência. Eu pude apreciar um risoto de cordeiro, com ambrosia, arroz doce e laranja em calda de sobremesa. À tarde, ainda teve linguiça e matambre assados no fogo de chão e pôr do sol embalado com clássicos gauchescos.
VINÍCOLA CAMPOS DE CIMA:
km 481 da BR-472. Degustação de vinhos e espumantes varia de R$ 10 a R$ 30. Almoços e jantares devem ser reservados: camposdecima.com.br
Santana do Livramento
Na fronteira com o Uruguai, o tradicional destino de compras dos brasileiros nos freeshops tem muitas outras opções aos visitantes. A cidade recebeu os primeiros vinhedos nos anos 1970, com a instalação da Almadén. Hoje pertencente ao grupo Miolo, a vinícola é a maior da região e oferece degustações e passeios guiados, inclusive para conferir a colheita mecanizada nos vinhedos.
Para quem prefere conhecer uma propriedade familiar, mas também com vinhos de ótima qualidade, recomendo visitar a Pueblo Pampeiro. Para chegar ao local, é preciso percorrer 20 quilômetros de estrada de chão – os donos costumam buscar os visitantes na cidade e levá-los de jipe, ou caminhonete, até a fazenda. Apesar do caminho esburacado, a paisagem compensa: ovelhas e o gado pastam nos campos e peões devidamente pilchados cruzam a estrada a cavalo. O almoço em meio à natureza é uma atração, juntamente com a degustação dos vinhos produzidos pelos sócios Marcos Obrakat, agrônomo formado pela UFRGS que resolveu assumir a propriedade da família e morar no campo, e o enólogo uruguaio Javier Gonzalez Michelena.
Ainda em Santana do Livramento, visitei a Cordilheira de Sant’Ana, vinícola criada pela engenheira química e enóloga Rosana Wagner, que depois de quase 20 anos de trabalho na Almadén, decidiu produzir seus próprios vinhos. A propriedade está instalada no alto de uma coxilha, de onde se tem uma linda vista dos vinhedos e do cerro de Palomas.
ALMADÉN
Visitação sem custos. Para grupos com mais de 15 pessoas, é preciso agendar pelo site: miolo.com.br
PUEBLO PAMPEIRO
Localizada na Vila Pampeiro, no interior de Santana do Livramento. É preciso agendar as visitas por telefone: (55) 99933-7695
CORDILHEIRA DE SANT’ANA
Visita com degustação de vinhos por R$ 20. site: cordilheiradesantana.com.br
Dom Pedrito
No meio do caminho entre Sant’Ana do Livramento e Bagé, está um dos destinos mais conhecidos dos amantes do vinho da Campanha. A vinícola Guatambu, em Dom Pedrito, oferece ótima estrutura, com passeio guiado por enólogos para conhecer a produção de vinhos, almoço harmonizado e visita aos vinhedos que ficam junto à propriedade. Quem dá boas-vindas aos visitantes é Gabriela Hermann Pötter, 39 anos. Ela conta que decidiu diversificar os negócios da família – centrados na produção de soja, de arroz e na pecuária – depois de concluir o curso de Agronomia na UFRGS.
Os primeiros vinhedos foram plantados em 2003 e hoje representam quase 30% da receita, embora ocupem apenas 24 dos 11 mil hectares. Uma dica é participar do almoço harmonizado oferecido pela vinícola uma vez ao mês, normalmente aos sábados.
GUATAMBU ESTÂNCIA DO VINHO
km 265 da BR-293. Tour pela estância com degustação custa R$ 45. Almoços harmonizados: R$ 250 por pessoa. Agendamentos pelo site: guatambuvinhos.com.br
Bagé
Em meio aos vinhedos da Estância Paraizo, no interior de Bagé, há uma capela com mais de cem anos de história. A construção foi feita para receber o túmulo do fazendeiro Thomaz Mercio, que morreu em 1915. A estrutura, depois de muitos anos abandonada, começou a receber obras de restauração em 2018.
Conhecer a Estância Paraizo é mergulhar na história do Rio Grande. Além da capela, parada obrigatória, os visitantes também podem degustar vinhos em um galpão açoriano de pedra – os primeiros moradores vieram da ilha portuguesa e fixaram morada na região em 1790.
A família foi uma das pioneiras a implantar vinhedos na Campanha, no ano 2000.
— O primeiro passo foi descer do cavalo e plantar uva. Agora, o plano é a escala industrial – afirma Victória Mercio, 36 anos, jornalista que se especializou em negócios do vinho e que cuida dos projetos de enoturismo.
O irmão Thomaz, 34, é engenheiro agrônomo e responsável pela qualidade da uva gerada nos cinco hectares. Segundo ele, a localização – no paralelo 31, o mesmo de tradicionais países produtores como Argentina, África do Sul e Austrália – contribui para as safras, aliado ao clima quente e seco no verão.
Para conhecer a propriedade, é preciso agendar. Na noite em que estive na estância, além da degustação dos vinhos e de jantar com hambúrguer de cordeiro, pudemos observar as estrelas em meio ao campo, atividade conduzida pelo professor de Física da Unipampa Guilherme Marranghello. A observação está prevista para ser feita outras vezes ao longo do ano, com agendamento de grupos. A universidade, inclusive, tem sido parceira nos projetos de turismo e no desenvolvimento da região.
Outra dica em Bagé é a Vinícola Peruzzo. É possível conhecer todo o processo de produção dos vinhos e ainda conferir o lindo pôr do sol no lago em frente à propriedade.
ESTÂNCIA PARAIZO
km 610 da BR-153. Visitas por agendamento. Site: estanciaparaizo.com
VINÍCOLA PERUZZO
Estrada do Forte Santa Tecla. Degustação de vinhos custam R$ 30. Agendamentos no site vinicolaperuzzo.com.br
Pinheiro Machado e Candiota
Em Pinheiro Machado, fica o Azeite Batalha, fábrica de azeite de oliva extravirgem criada pelo empresário paulista Luiz Eduardo Batalha. Lá, pode-se conferir a produção e fazer degustação. Na época da safra, também é possível acompanhar a colheita das azeitonas e aprender sobre como são feitos os melhores azeites do mundo com a espanhola Beatriz Maeso. Moradora de um vilarejo ao sul de Madri, ela vem uma vez por ano ao Brasil, na colheita.
A poucos quilômetros dali, vale visitar a vinícola Batalha, em Candiota. O nome é uma referência às terras do local, onde ocorreu a Batalha do Seival, na Revolução Farroupilha. Quem comanda a produção é o engenheiro agrônomo Giovâni Silveira. Pilchado dos pés à cabeça, ele conduz os visitantes na degustação dos vinhos e relata a história da região.
— Eu sempre digo que, aqui na Campanha, fazemos vinho de bota e bombacha – afirma Giovâni.
AZEITE BATALHA
Localizado na Estância Guarda Velha, em Pinheiro Machado. Degustação de azeites por R$ 30. Agendamento pelo site: azeitebatalha.com.br
BATALHA VINHAS & VINHOS
km 144 da BR-293, em Candiota. Degustação por R$ 30. Não precisa agendar. Site: vinhosbatalha.com.br
* A repórter viajou a convite do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) e do Sebrae.





