Viagem

The New York Times

Na Tasmânia, uma bebida ganha espaço e fama

A revogação de uma lei antiga popularizou o gim na ilha australiana

The New York Times

Fred and Hannah / NYTNS

Há apenas trinta anos, as destilarias artesanais eram ilegais na Tasmânia, a ilha isolada e de belas paisagens ao sul da Austrália.

Hoje em dia, porém, tanto nos bares mais descolados de Hobart, a tranquila capital, como em Melbourne e Sydney, há páginas e mais páginas nos cardápios dedicadas ao gim produzido lá. Nas prateleiras do Society Salamanca, bar animado que dá destaque para a bebida, por exemplo, há 40 variedades locais de 26 destilarias. E vem mais por aí.

O gim tasmaniano está em voga graças à revogação de uma lei antiga que proibia a destilação em pequena escala na Austrália, cujo objetivo era desestimular a produção clandestina e facilitar o controle do setor. Um aspirante a destilador local contestou o estatuto federal em 1989, abrindo caminho primeiro para os uísques artesanais e, mais recentemente, os gins, sendo que a grande maioria, produzida por empresários jovens, com produção diminuta, surgiu nos últimos cinco anos.

"Praticamente todo mês agora a gente ouve falar de uma novidade aqui na Tasmânia. O legal é que, como a comunidade é bem nova, todo mundo é supercolaborativo. O pessoal de todos os outros bares fica empolgado quando você lança algo novo ou diferente", conta Louise Radman, destiladora autodidata que, junto com o marido, Nav Singh, criou um rótulo próprio, o Sud Polaire, em Hobart, há dois anos.

O fato é que o gim se tornou uma empreitada artesanal descolada, a bola da vez tanto na Finlândia como na Califórnia, passando pelas ilhas remotas do litoral escocês, e a Austrália também resolveu entrar na onda. Enquanto o consumo de vodca, uísque e rum vem caindo no país, o de gim de fabricação local subiu 33 por cento em relação ao ano anterior, segundo o Relatório Internacional de Vinhos e Destilados de 2018.

Embora não tão grandes quanto outros rótulos australianos, os fabricantes tasmanianos estão começando a se destacar – em parte pelo uso inovador de plantas nativas e outros elementos naturais, como a Tasmannia lanceolata, conhecida como pimenta-da-Tasmânia (presente na maioria dos gins daqui), o botão de melaleuca, o abrunho, o açafrão, a alga wakame e até a proteína (whey) de leite de cabra.

A história incomum da ilha também influenciou os produtores. A destilação praticamente desapareceu durante mais de 150 anos devido a uma sucessão de leis restritivas – a primeira sendo um estatuto promulgado no início do século XIX, durante a época em que ainda era colônia penal, tornando ilegais todas as destilarias. Ele foi substituído, em 1901, por uma proibição federal à destilação em pequena escala, inferior a 2.700 litros, no território australiano.

A proibição durou até 1989, quando o fabricante de uísque Bill Lark conseguiu convencer os políticos a derrubar a legislação federal, inaugurando a primeira destilaria moderna da ilha três anos depois, dando-lhe o próprio nome. "Começamos com um alambique só, minúsculo, sem saber bem o que estávamos fazendo, mas com muita vontade de aprender", conta.

De uns anos para cá, vários empreendedores resolveram apostar no setor, contribuindo para enriquecê-lo com seu espírito pioneiro e jovial.

Como muitos tasmanianos, o fabricante George Burgess se orgulha da variedade botânica encontrada na ilha. Fundador da Southern Wild Distillery, na costa norte, ele queria produzir uma bebida que destacasse os ingredientes locais que, como diz, representassem o verdadeiro significado de "terroir". Entre os fornecedores com os quais trabalha está o mergulhador que, uma vez por ano, colhe a alga wakame para o seu Dasher + Fisher, ligeiramente salgado.

Se uma bebida minha conseguir trazer à mente a lembrança positiva de um lugar, já me dou por satisfeito.

GEORGE BURGESS

fabricante de bebidas alcoólicas

"São gins criados a partir de um cenário. Se uma bebida minha conseguir trazer à mente a lembrança positiva de um lugar, já me dou por satisfeito", destaca Burgess.

A Tasmânia é uma ilha grande, mais ou menos do tamanho da Virgínia Ocidental, mas o visitante pode sentir seu gostinho no Society Salamanca. A melhor introdução é a régua de degustação (de 30 a 35 dólares australianos, ou de US$ 21,50 a US$ 25) que vem com quatro doses servidas puras, com tônica e gelo separados.

A Lark Distillery foi uma das pioneiras locais, tendo começado nos anos 90. Seu gim mais recente é o Forty Spotted, nome local para o pardalote-da-Tasmânia (forty-spotted pardalote, pássaro local ameaçado de extinção), vendido em garrafa (73 dólares australianos) e copo (10 dólares australianos) na adega e no bar que a empresa tem em Hobart. A destilaria também lança edições sazonais especiais como o rosado de verão, com infusão de rosa e jasmim.

Radman e Singh abriram o Institut Polaire, um espaço branco com luminárias em forma de cubos de gelo e coquetéis como o Antarctic Negroni (gim, Lillet e Suze; 18 dólares australianos). O casal, que saiu de Sydney para viver em Hobart, adotou o tema do clima gelado, brincando com a relação que a Tasmânia tem com a Antártida, "logo ali" ao sul, em seu bar, inaugurado no fim de 2017.

"Estamos pertinho do atracadouro dos quebra-gelos. Muita gente que trabalha lá passa por aqui", conta Radman.

Fora de Hobart, muitas destilarias abrem as portas para degustações e tours – entre elas a Hartshorn Distillery, uma operação pequenina administrada por Ryan Hartshorn na fazenda de criação de carneiros da família, que faz uma versão doce e terrosa (de 55 a 110 dólares australianos a garrafa) com um tipo de grama nativa e proteína do leite de cabra, subproduto da produção de queijos. Hartshorn também vende seu gim e queijos em uma loja da Brooke Street Pier, em Hobart, e em uma barraquinha na agitada Feira Salamanca, aos sábados.

Há também degustações e tours na Shene Distillery (85 dólares australianos a garrafa, de 35 a 45 dólares australianos por pessoa pelo tour), destilaria de gim e uísque fundada há cinco anos por David e Anne Kernke e a filha de 31 anos, Myfanwy. A família resolveu apostar na bebida depois de descobrir cacos de garrafas de Old Dutch e de tônica London durante a reforma do grandioso casarão neogótico, do século XIX, sede da fazenda de criação de carneiros na região central da ilha, há uma década.

E já estão começando a chamar a atenção de outros países: a versão não filtrada do poltergeist de Shene faturou o prêmio máximo da San Francisco World Spirit Competition em 2017 e 2018. Foi a primeira destilaria tasmaniana a conquistar tal façanha.

"Não era nossa intenção inicial criar uma destilaria, mas nos apaixonamos pela ideia", confessa Myfanwy Kernke.

"O gim foi inventado pelos holandeses, refinado pelos ingleses e aperfeiçoado pelos tasmanianos", brinca.

Por Justin Bergman

GZH faz parte do The Trust Project
Saiba Mais
RBS BRAND STUDIO

Balanço Final

18:30 - 21:00