O Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) decidiu nesta terça-feira, em reunião em Brasília, que o conjunto histórico de Pelotas, no sul do Estado, e o modo de fazer doces da região são patrimônio nacional. É a primeira vez na história do Iphan que foi realizado, de forma simultânea, em um mesmo lugar, o reconhecimento de um patrimônio material (o conjunto arquitetônico) e o registro de um patrimônio imaterial (a tradição doceira).
No conjunto histórico, estão as praças José Bonifácio, Coronel Pedro Osório, Piratinino de Almeida, Cipriano Barcelos e o Parque Dom Antônio Zattera, além da Charqueada São João e a Chácara da Baronesa. Como Patrimônio Imaterial do Brasil foram reconhecidas as tradições doceiras da região de Pelotas e da chamada antiga Pelotas, que inclui Arroio do Padre, Capão do Leão, Morro Redondo e Turuçu.
A análise conjunta partiu do princípio de que a produção de charque, principal atividade econômica de Pelotas entre o final do século 18 e o começo do século 20, teve influência direta sobre o desenvolvimento da tradição doceira na região. Isso porque, a venda de carne para o Nordeste permitia o acesso ao açúcar produzido nesses Estados, que era trazido pelos mesmos navios.
A concepção do parecer que foi avaliado pelos conselheiros — 22 pessoas, entre representantes de instituições públicas, privadas e da sociedade civil — teve origem em quatro processos isolados em que cidadãos pelotenses que pediam o tombamento de diferentes partes da cidade e em um inventário sobre a tradição doceira elaborado entre 2006 e 2008.
O documento elaborado pelo Iphan demandou um estudo que envolveu pelo menos três superintendentes no Rio Grande do Sul e diversos técnicos do órgão que vieram de Brasília para avaliar os prédios históricos e conhecer o processo de fabricação de doces. A proposta prevê o tombamento do conjunto histórico e descreve as características arquitetônicas de cada um dos lugares e estabelece diretrizes para a preservação desses locais e de prédios importantes do entorno, como o Mercado Público Central, a Catedral São Francisco de Paula e o Teatro Sete de Abril, entre dezenas de outros – alguns deles já tombados ou inventariados em outras esferas. A partir de um eventual tombamento nacional, os locais passarão a ter a gestão compartilhada entre o poder público municipal e o governo federal.
Já o reconhecimento da tradição doceira como patrimônio imaterial prevê um plano de salvaguarda do modo de produzir doces na região, com ações que visam à manutenção da preservação e transmissão de conhecimento de uma geração a outra. Será contemplada tanto a produção dos chamados doces finos, que fizeram a fama da cidade e estão ligados à área urbana e à tradição europeia, quanto os doces coloniais, desenvolvidos principalmente na zona rural e vinculados à história dos imigrantes europeus e dos negros trazidos como escravos à época do ciclo do charque.
Com esta decisão, trata-se do segundo bem imaterial do Rio Grande do Sul reconhecido pelo Iphan: o único até hoje foi a Tava, lugar de referência para os Guarani-Mbyá, registrado no Livro dos Lugares — a tradição doceira deverá entrar no chamado Livro dos Saberes.