É o mesmo que desistir do Nobel, rejeitar o Oscar, deixar para lá o Pulitzer: Jérôme Brochot, chef refinado e renomado, decidiu devolver a estrela Michelin que conquistou.
Ele está renunciando à honraria tipicamente francesa que diferencia seu restaurante de milhares de outros, o sonho de vida de centenas de profissionais. A decisão, porém, não foi impensada, nem é resultado de arrogância, ingratidão ou desprezo, apenas consequência de uma razão prosaica, mas não menos importante: ele não tem mais condições financeiras de mantê-la.
É uma medida drástica que diz tudo sobre a terrível realidade da "outra França" – a das províncias onde mais de 10% dos imóveis comerciais, em média, estão vagos, os empregos tradicionais já não existem e os cafés ficam vazios nas manhãs mais frias.
Mesmo em uma região famosa por suas tradições culinárias, esta cidadezinha mineradora decadente no interior da Baixa Borgonha não pôde manter um restaurante estrelado. Brochot, de 46 anos, apostou na alta culinária em um vilarejo operário e perdeu.
Em novembro, o chef escreveu para o guia – responsável pela bíblia vermelha e grossa da gastronomia que é compilada em Paris, e que foi quem lhe concedeu a honraria – para anunciar que não a queria mais. Disse que não estava mais conseguindo manter seu hotel-restaurante, Le France; não podia mais pagar os funcionários, os mantimentos e a precisão embutidos nos preços de uma casa de tamanha categoria.
"A situação econômica aqui na antiga bacia mineradora é um desastre. O que estou fazendo é muito sério; não foi uma decisão impensada. Eu simplesmente não tenho outra opção", escreveu.
A desistência não é inédita, mas incomum; apenas alguns chefs triestrelados lançaram mão dela ao longo dos anos, subjugados pelas despesas e a pressão de manter um templo gastronômico.
O caso mais recente foi o de Sebastien Bras, em Laguiole, em 2017, mas é muito raro entre as casas de uma estrela, mais modestas, e particularmente contundente em um lugar de pouquíssimas atrações.
Na verdade, ao sair da cozinha reluzente e do salão imaculado de Brochot, é inevitável questionar como ele conseguiu tamanho reconhecimento, já que o estabelecimento parece uma extravagância em um vilarejo industrial caído que conheceu o auge há mais de cem anos; tem muito a ver com a eterna reprovação à própria França como país que vive acima das próprias posses.
As placas de "Vende-se" nas fachadas em tons pastel ao longo da rua de Brochot já estão desbotadas; poucos são os corajosos que se arriscam no gelo matinal de dezembro, curvados sob o peso do frio e da idade. "Ninguém vai querer comprar", sentencia ele na porta de uma das lojas.
Um salão de chá famoso, as janelas cobertas, está fechado há dois anos. Os moradores andam de cara fechada, tristonhos e pouco receptivos. O dono de um dos cafés, em um sussurro, pediu para que seu nome não fosse divulgado. Sob uma árvore nua ao lado do antigo canal industrial, um monumento sombrio, de 1905, homenageia as centenas de operários que morreram nas minas.
Segundo as estatísticas oficiais, a taxa de desemprego em Montceau está a 21%, mais que o dobro da média nacional. Entretanto, para Brochot, o golpe de misericórdia foram quatro fechamentos seguidos, que ocorreram um atrás do outro.
— Sabia que aquilo ia complicar a nossa vida porque eram mais de 200 pessoas na rua — comenta o chef.
A população de cerca de 18 mil habitantes vem diminuindo consistentemente há anos, e o último pedaço de carvão foi extraído da terra há quase duas décadas. Desde então, pouco coisa aconteceu... a não ser Brochot.
Faz 18 anos que o chef, neto de um criador de gado local que estudara com grandes nomes da culinária francesa, como Bernard Loiseau, morto em 2003, achou que havia movimento suficiente na região para permitir que exercesse seus talentos perto de onde morava. Seis anos depois, foi agraciado pelo Michelin.
— Uma estrela em uma cidadezinha operária, que beleza de símbolo — relembra, ainda maravilhado.
Ao contrário dos vilarejos vizinhos, Montceau não tem uma catedral medieval espetacular nem uma abadia românica; foi fundada em 1856, perto das minas já existentes; a arquitetura é quadradona e funcional, sem nada de grandioso.
Entretanto, foi ali que Brochot montou sua cozinha reluzente e impecável, preparando a deliciosa especialidade que leva carne de vaca em conserva, cortada em tirinhas, e combinada com queijo Comté, ou o bacalhau suculento, preparado em bolinhos e servido sobre folhas de alface refogada.
Sua decisão de abdicar da estrela virou manchete do Journal du Saône et Loire. "Não há muitas razões para visitar Montceau se você não mora aqui", a editora-chefe do periódico, Florence Poli, escreveu após o anúncio de Brochot. "Um restaurante estrelado em Montceau, terra de operários, era um feito extraordinário. Só há o que lamentar."
A prefeita Marie-Claude Jarrot, que é de direita, ficou furiosa. "Ele está prejudicando a região inteira", vociferou ela ao jornal local. Entretanto, não respondeu ao nosso pedido de entrevista.
Para Brochot, que ficou com uma dívida de centenas de milhares de euros após a reforma da cozinha, era uma questão de autopreservação: com um menu degustação equivalente a US$130, seu objetivo de receber 60 clientes/dia estava se tornando cada vez mais impossível.
— Há três anos a situação é catastrófica — afirma ele, de avental, girando para lá e para cá entre os utensílios. — Mas estamos batalhando. Vamos fazer de tudo para manter a casa aberta. Estou tentando bolar algumas ideias para sobreviver — conta, comentando que teve que reduzir o número de funcionários pela metade, de seis para três.
Nas ruas de Montceau, ninguém critica a atitude de Brochot – afinal, as razões para seu gesto são óbvias.
— Se me oferecessem uma estrela eu não aceitaria porque não teria como vender — ri Olivier Michalak, o último açougueiro local – eram três – que trabalha na Rue Carnot, a rua principal. — A maioria dos meus fregueses é gente de idade. Sem dúvida, manter um restaurante estrelado nesta cidade é muito difícil — completa, mais sério.
E parece que a estratégia está funcionando: passou a oferecer pratos mais simples, como o clássico blanquette de veau, além de investir no bacalhau; com isso, conseguiu reduziu os preços.
— Quantas vezes, no fim do dia, tinha que jogar fora um monte de robalo e rodovalho porque os clientes não tinham condição de pagar. São peixes caríssimos, comprados a peso de ouro, mesmo nas feiras daqui. Isso foi me deixando cada vez mais deprimido. Era muito desperdício — revela.
— No entanto, desde que mudamos a fórmula, estamos recebendo muito mais gente — comemora. Acima de tudo, o efeito é psicológico. —Na cabeça das pessoas, o que vale é o fato de já ter sido reconhecido.
Na sexta-feira que passei por lá, a maior parte das mesas estava ocupada, inclusive com a presença do ex-prefeito socialista Didier Mathus.
— Sempre achei que um restaurante de alta qualidade em uma cidadezinha de mineiros seria uma boa coisa; talvez a estrela tenha assustado o público, o que é compreensível. Agora ele sinaliza com simplicidade, pedindo que não tenham medo de frequentar. O pessoal é humilde, de renda modesta — conjectura Mathus, que ajudou Brochot a se estabelecer no início da carreira.
Por Adam Nossitter