Enquanto tiras de tofu fritavam ao seu lado em uma panela de óleo, Nguyen Thu Hong ficava atenta às sirenes da polícia. Batidas policiais contra vendedores ambulantes se tornaram um fenômeno comum no centro de Hanói, no Vietnã, desde março, afirmou, e os guardas dão multas de cerca de US$ 9, equivalente ao faturamento de dois dias, pelo crime de vender bun dau mam tom – macarrão de arroz com tofu e pasta de camarão fermentado – em uma mesa de plástico em frente a uma loja fechada.
– A maioria dos vietnamitas vive do que vende nas calçadas. Não dá pra simplesmente tirar as coisas desse jeito. Tudo bem criar mais controles, mas o que os guardas estão fazendo é exagero – reclama Hong.
O Sudeste Asiático é famoso pela comida de rua, encantando turistas com pratos saborosos e baratos como o som tam apimentado (salada de mamão verde) em Bangcoc, ou as escaldantes crepes banh xeo, em Ho Chi Minh. Contudo, as cidades grandes estão reforçando as campanhas para limpar as calçadas, empurrando milhares de vendedores ambulantes para as sombras e ameaçando tradições culinárias.
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As autoridades afirmam que as campanhas na Tailândia, Vietnã e Indonésia visam promover a ordem pública e a segurança alimentar.
Em Bangcoc, a junta militar está retirando vendedores ambulantes de áreas onde os pedestres se queixaram do lixo, do congestionamento nas calçadas e da presença de pragas, afirmam as autoridades. Além disso, há planos de mudar parte desses vendedores para áreas mais higiênicas.
Bangcoc não era uma cidade tão cheia e congestionada quando a lei que regula o comércio ambulante entrou em vigor em 1992. De acordo com dados do governo, a cidade atualmente conta com menos de 11 mil ambulantes licenciados, metade do número registrado há dois anos.
Por modernização, cultura desaparece
Em Hanói e Ho Chi Minh, antiga Saigon, as autoridades deram início a campanhas de "recuperação das calçadas" nos últimos meses, com cobertura incansável da imprensa estatal e impulsionada pelo debate nacional a respeito da regulamentação do comércio ambulante.
Em Jacarta, a capital da Indonésia, as autoridades frequentemente expulsam os camelôs, ou os mantêm no limbo, obrigando-os a pagar milhares de dólares anuais em taxas de "segurança" e "limpeza" que não garantem seu direito de trabalhar. Desde 2015, 17 mil vendedores ambulantes foram colocados em locais específicos, afirmam as autoridades municipais, enquanto cerca de 60 mil pessoas continuam trabalhando como podem.
Mas na busca por se modernizar, essas cidades estão abrindo mão de suas características locais.
A comida de rua já fazia parte do estilo de vida no Sudeste Asiático muito antes da região se tornar um destino popular para comilões de todo o planeta, como Anthony Bourdain e outros chefes famosos que começaram a recriar clássicos da comida de rua em restaurantes chiques no ocidente.
Atualmente, mesmo que milhões de consumidores do Sudeste Asiático estejam aprendendo a gostar de pizza, hambúrguer e shoppings com ar condicionado, as humildes barracas nas calçadas da região continuam a atrair consumidores de praticamente todas as classes sociais. Não é raro ver grupos de empresários parando com seus carros luxuosos para comer um prato de hoi tod – mexilhões fritos – nas ruas da Tailândia, ou de hu tieu, variedade de macarrão típico do Vietnã, pagando menos que um sanduíche.
– Alguns ambulantes vendem comida aqui há mais de 10, 20 anos, e para mim é como se tivessem se transformado em cozinheiros da minha família – afirmou o executivo de finanças Piya Joemjuttitham, enquanto comprava um smoothie de manga em uma calçada de Bangcoc.
Apesar do flanco de batalha já aberto, alguns dos chefs de rua têm seguidores dedicados, que fazem fila logo cedo para comer, e incontáveis barracas afirmam fazer o melhor bun cha (churrasco de porco com macarrão) do Vietnã, assim como o melhor khao man gai (frango cozido com arroz) na Tailândia.
Limpeza ou preconceito?
Diversos especialistas afirmam que as recentes campanhas de limpeza das calçadas têm pouco a ver com as antigas iniciativas de Singapura, que fez um extenso trabalho de modernização nos últimos anos e é apontada como modelo para outras nações asiáticas, já que parecem medidas míopes e voltadas contra os pobres.
– Esses planos sempre são anunciados por pessoas que não se preocupam com onde vão poder almoçar –, afirmou John Walsh, professor de gestão de negócios na Universidade Shinawatra, em Bangcoc.
Muitos ambulantes provavelmente darão algum jeito, fugindo quando a polícia aparece e voltando para o local em seguida. Mas essa corrida de gato e rato aumenta ainda mais as incertezas em um trabalho que já é estressante e mal remunerado.
Hong, a ambulante de Hanói, afirmou que está ganhando 60% menos desde que as batidas começaram, quando teve que sair da esquina movimentada onde trabalhava para se proteger dos guardas.
Si, uma vendedora de salada de mamão verde no centro de Bangcoc, que preferiu não revelar o sobrenome, afirmou que pensa em voltar para sua casa em uma região pobre no nordeste da Tailândia caso as batidas continuem.