A ideia era essa: conhecer o máximo gastando o mínimo possível em uma viagem de 15 dias pelo Nordeste. Conhecer o máximo não significa necessariamente pular freneticamente de um ponto turístico para o outro. Conviver com as pessoas, aprender a cultura e até me permitir momentos de preguiça em lugares agradáveis me parecem as melhores maneiras de vivenciar os lugares.
Voei até Recife (PE), de onde peguei um ônibus para João Pessoa (PB). No metrô entre o aeroporto e a rodoviária da capital pernambucana (TIP – Terminal Integrado de Passageiros), tive o primeiro sinal da receptividade nordestina.
– Tu é do Sul, né? – perguntou um rapaz que estava perto de mim no vagão.
Estranhei a pergunta que, normalmente, vem depois de poucas palavras, mas eu ainda não havia pronunciado nenhuma.
– Sou, como tu sabe? – respondi, espantada.
– Assim, de mochila e branquinha, só podia ser. Até achei que era gringa – respondeu o amigo do menino.
Conversamos sobre os lugares que pretendia visitar, e eles também sugeriram outros. Na baldeação, perguntei para um deles onde pegava o metrô para a estação "Caramagibe". Recebi uma gargalhada como resposta (e depois a indicação). O nome é Camaragibe.
Foi essa a primeira impressão que tive do povo nordestino: amigável, espontâneo e prestativo. E foi essa a impressão que ficou, tirando um pequeno grupo do qual era quase dependente: motoristas e cobradores de ônibus. Mal respondiam aos bons dias/boas tardes/boas noites e não faziam muita questão de ajudar a encontrar o ponto de referência que procurava.
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Quanto custou
Durante o planejamento da viagem, ficou estabelecido um orçamento de R$ 50 por dia, incluindo alimentação, transporte e estadia. A passagem aérea já tinha sido garantida com 20 mil milhas da TAM, mais R$ 50 de taxas. A estadia foi fundamentalmente com Couchsurfing (couchsurfing.com); o transporte, a pé, de ônibus e de metrô; e, a alimentação, com compras no supermercado (o prato mais frequente era massa com atum e maionese, que custa menos de R$ 5 por refeição).
Algumas vezes, gastava mais do que o planejado, principalmente quando havia deslocamento interestadual, mas esses dias acabavam sendo compensados pelos que eu ficava na mesma cidade. Não comprar lembrancinhas também diminui os gastos.
Geralmente, minhas compras se restringiam a um cartão-postal de cada município – e uma por viagem. Dessa vez, também incluí minibolos de rolo para trazer um pouco do sabor de Pernambuco para casa. No total, não gastei mais de R$ 1 mil durante as férias inteiras.
PARAÍBA
Em João Pessoa, o esquema de transporte é organizado, mas pouco prático. As linhas de ônibus se encontram nos terminais de integração espalhados pela cidade. De lá, pode-se pegar um segundo coletivo sem pagar passagem, mas a viagem fica um pouco mais demorada. Meus anfitriões do Couchsurfing moravam no Bessa, um bairro tranquilo à beira-mar. A casa tinha nome: Qdernatelha. Além de hospedaria, era um gastrobar com comida vegetariana e onívora e loja de móveis construídos pelos próprios donos com materiais encontrados na rua. O ambiente era tão adorável que passei longas horas conversando com o pessoal.
O resto do tempo usei para passear pela cidade. Perto de casa, dei um mergulho na água calma, clara e quente. Segundo meus novos amigos, "o mar não estava muito bom" naquele dia. Para mim, estava igual ao do Caribe.
O sol nasce e se põe mais cedo. Não foram poucos os dias em que, já com o céu escuro, olhei para o relógio acreditando ser umas 20h, quando o ponteiro sequer havia apontado 18h. Com isso em mente, no meio da tarde fui ao município vizinho de Cabedelo para a experiência que mais ansiava: assistir ao famoso pôr do sol na Praia do Jacaré. O Rio Paraíba é palco da apresentação de Jurandy do Sax que, desde 2001, toca o Bolero de Ravel em um barquinho no rio, enquanto o sol desaparece (foto). Ali, pelo calçadão na beira do rio, ficam lojas e banquinhas vendendo artesanato e suvenires da região.
Outro passeio que não via a hora de fazer era para o ponto mais oriental da América, a Ponta dos Seixas, e ao Farol de Cabo Branco. É bom se programar. O trajeto de ônibus é longo, e o ideal é pegar a maré baixa para enxergar os corais e conseguir contornar a falésia de Cabo Branco a pé. Na maré alta, o trecho fica intransitável.
Subir a lomba até o farol caminhando sob o sol escaldante, com altíssimo índice de radiação do Nordeste ao meio-dia, não foi a melhor ideia que tive. Ainda mais pelo pouco que a atração oferece. O farol tem um formato estrelado interessante, mas é só. Nem mesmo a vista panorâmica da orla é possível, pois a erosão da falésia fez com que o mirante fosse interditado.
Uma caminhada pelo centro encerrou a visita a João Pessoa. Ao perambular pelas ruas inclinadas, encontram-se prédios históricos charmosos, alguns restaurados, outros com ar de abandono, o que também tem seu charme. A beleza da Igreja de São Francisco impressiona.
PERNAMBUCO
A viagem entre as capitais paraibana e pernambucana demora cerca de duas horas e custa mais ou menos R$ 30. Meu anfitrião do Couchsurfing ficava no bairro Torre, que, pelo mapa, parecia bem localizado, mas, em função das rotas de ônibus e metrô, acabou não sendo a melhor opção de estadia (eram necessários dois coletivos para chegar na maioria dos lugares que queria ir).
Conhecer a famosa praia de Boa Viagem era obrigatório. Confesso que esperava mais da orla, típica de uma praia urbana. Foram cinco quilômetros de caminhada na estreita faixa de areia – do Parque Lindu até o fim do bairro Pina –, com muito concreto, poucas árvores à vista e o incessante ruído do trânsito que passa na avenida.
As constantes placas alertando para o risco de ataques de tubarão podem até causar curiosidade e riso nos turistas, mas a seriedade dos alertas dos moradores locais ressalta o perigo. A recomendação é não entrar no mar por ali. No máximo, ficar com água na altura da canela (sério, da canela) e banhar-se apenas nas áreas protegidas pelos arrecifes que ficam perto da margem.
Uma das partes mais simpáticas de Recife é a central. Pontes sobre os rios Beberibe e Capibaribe, praças e prédios históricos dão grande charme à região. O entorno da Praça da República é um exemplo perfeito dessa combinação: fica entre as pontes Santa Isabel e Buarque de Macedo e é cercada pelos prédios do governo de Pernambuco, do Palácio da Justiça e pelo Teatro Santa Isabel – eleito o melhor teatro do Brasil no ano passado. Um dos momentos inesperados da viagem foi passar por ali um pouco antes do concerto da Orquestra do Recife tocando Villa Lobos e Schumann e conseguir assistir à apresentação.
O Marco Zero também fica pelo centro e é ponto de encontro na cidade. Próximos ao totem "Recife", jovens fazem manobras de patins, enquanto turistas e moradores passeiam pelo calçadão. O fim de tarde fica muito agradável no deque de um dos restaurantes do complexo Armazéns do Porto, antigos armazéns convertidos em área de lazer, contemplando o Parque de Esculturas Francisco Brennand, localizado no arrecife que separa o Rio Capibaribe do mar.
Brennand, aliás, é nome constante no turismo da cidade. Afastadas do centro ficam duas atrações ligadas à família. A Oficina Cerâmica Francisco Brennand atua como museu e ateliê do artista. Já o Instituto Ricardo Brennand – eleito o melhor museu da América do Sul em 2015 – é um centro cultural que abriga galeria, biblioteca, parque de esculturas, capela e castelo. Na instituição, estão expostas coleções de pintura, armaria, tapeçaria, artes decorativas, escultura e mobiliário. A visita custa R$ 20 e pode durar a tarde inteira.
Piscinas naturais
De Caruaru, fui a uma das praias mais badaladas do país: Porto de Galinhas, no município de Ipijuca. Não existem linhas de ônibus diretas, e a solução foi voltar para Recife e pegar um coletivo a partir de lá – na rodoviária não há, é preciso ir ao centro, ao aeroporto, ou a algum outro ponto da Capital para pegar o intermunicipal. A viagem demora cerca de duas horas e custa por volta de R$ 10.
O clima praiano é evidente: ruas sem asfalto, calçadões por onde as pessoas passeiam com traje de banho, construções baixas e simples, feirinhas e lojinhas (entre elas, algumas que vendem bolo de rolo, doce delicioso típico de Pernambuco). A parte mais turística da cidade é dividida por praças, o que, em um primeiro momento, pode dificultar a localização do viajante. O Couchsurfing não ofereceu grandes opções, então a decisão foi chegar lá e procurar um hostel. O La Rocca, na Praça 10, foi o eleito por ser o mais em conta (diária de R$ 42 em quarto coletivo, feminino e com ar-condicionado). Fica a umas duas quadras do mar.
As piscinas naturais são as atrações mais famosas da região. Há duas alternativas para chegar até elas: pagar uma jangada ou nadar. Dependendo da maré, será necessário caminhar pelos recifes de corais – cuidado para não pisar nos ouriços é fundamental para não se machucar. O aluguel do snorkel sai por uns R$ 20, e é legal ir observando o fundo do mar ao longo dos 200 metros que separam a beira da praia das piscinas.
Era feriado, e elas estavam cheias, o que atrapalhou um pouco a observação. Embaixo d’água, às vezes enxergava-se mais pernas e rostos cobertos com máscaras de mergulho do que corais e peixes. Jangadeiros levam alimentos para que os animais comam na mão dos turistas. E capinhas de celular vendidas na praia por R$ 20 permitem que o aparelho seja usado dentro do mar.
Ó linda cidade!
Vizinha a Recife, Olinda é encantadora. O trajeto desde a capital demora cerca de meia hora e sai por menos de R$ 4. Saindo de manhã e voltando no fim da tarde, o turista consegue visitar os pontos mais conhecidos do município. Na Cidade Baixa, estão a praia e um aperitivo do que mais se vê na Cidade Alta e em suas belas – e cansativas – ladeiras: igrejas e construções coloridas em estilo colonial.
O destaque é a região do Alto da Sé: ali ficam uma catedral, um mercado de artesanato, uma feira de comida típica nordestina, os tradicionais bonecos de Olinda espalhados por agremiações e lojas, um observatório e um largo com vista espetacular da costa e da cidade, principalmente ao pôr do sol.
Dali, fui ao agreste, no Caruaru Rock Festival – principal motivador dessa viagem ao Nordeste. A passagem por lá foi rápida, só deu tempo de conhecer o Alto do Moura, bairro conhecido pelo artesanato e pelos restaurantes que servem bode assado, prato típico nesta parte do Brasil.
ALAGOAS
A última parada foi Maceió. Pelo mapa, o plano era descer o litoral (João Pessoa – Recife – Porto de Galinhas – Maceió). Mas não tem ônibus de Porto de Galinhas até a capital de Alagoas. Tive de voltar para Recife (R$ 10 e duas horas de viagem), e aí sim ir para Maceió (R$ 40 e cinco horas de viagem).
Foi grande a sorte com o anfitrião do Couchsurfing. O apartamento dele ficava em Jatiuca, com uma vista linda para o mar verde e a uma quadra da praia. A orla é muito bonita. Palmeiras, áreas verdes e a linda cor do mar distraem os olhos e quase nem se nota a caminhada de uns quatro quilômetros entre Jatiuca e a famosa praia de Pajuçara. Mais ou menos no meio do caminho, em Ponta Verde, há um totem "Eu S2 Maceió", onde é praticamente impossível não parar para tirar fotos.
Em Pajuçara, fica uma famosa feirinha de artesanato, mas, no começo da tarde, algumas bancas ainda estavam fechadas, e o movimento era bem pequeno. Ali por perto é possível alugar pranchas e remos de stand-up paddle por R$ 20. Não sabia que parte das praias urbanas da cidade está poluída e fiquei uma hora remando dentro do mar (não era a única). Mas, aparentemente, não houve nenhuma consequência negativa depois desse descuido.
Para uma água mais limpa, uma opção é ir até as piscinas naturais de Pajuçara, que ficam a uns dois quilômetros da praia. Os jangadeiros cobram uma média de R$ 20 por pessoa e ficam parados nos corais por mais ou menos uma hora. O esquema é o mesmo de qualquer piscina natural: dar preferência aos horários de maré baixa, em dias sem muito vento nem depois de chuvas. Assim, a água fica mais cristalina. Não observamos esses pontos, e a visibilidade embaixo d’água não estava boa. O aluguel do snorkel saiu por R$ 10. Jangadas- bar oferecem algumas opções de comida e bebida.
Um pouco de história
Saindo da orla, o Palácio Floriano Peixoto, mais conhecido como Palácio dos Martírios, no centro de Maceió, propicia um passeio histórico. Um tour gratuito pela antiga sede do governo de Alagoas percorre partes do prédio datado de 1902.
Há dois ambientes especiais. O Memorial Lêdo Ivo tem imagens, objetos pessoais, livros e textos do escritor maceioense. Já o Espaço Aurélio Buarque de Holanda é uma homenagem ao dicionarista alagoano. Estão em exposição objetos raros, como fichas de catalogação de palavras feitas durante a elaboração do dicionário. A primeira edição da obra também pode ser vista no local.
A viagem foi encerrada com uma noite de ostentação: jantar no famoso Bodega do Sertão. O restaurante chama a atenção por causa do enorme bule na fachada da casa. O preço não é dos mais convidativos (R$ 61,90/kg), mas o serviço de primeira, os atendentes vestidos de cangaceiros, a arquitetura rústica, a decoração detalhista de temática nordestina, o cardápio em formato de sanfona e o enorme bufê com deliciosos pratos regionais (com opção de tapiocas à la carte) compensam o gasto.