Sob a histórica Vila Torlonia, onde Benito Mussolini viveu por quase duas décadas, uma adega transformada em bunker para proteger o líder fascista, em 1941, foi recentemente aberta ao público em Roma. Mesmo em uma cidade estratificada por séculos de história, onde arqueólogos desenterram os restos de um antigo império, o úmido espaço subterrâneo é um sinal revelador de como o passado recente da Itália está profundamente enterrado.
A abertura do bunker, em 2014, foi o último passo na restauração em curso da vila, que a aristocrática família Torlonia alugou para Mussolini e familiares de 1925 até ele ser preso, em 1943. Dentro do que hoje é um parque público, o complexo de nove prédios erguidos entre 1797 e 1920 também oferece uma visão única da história do bom gosto e da capacidade dos Torlonias de se afiliar com quem estivesse no poder, mesmo antes de o banco da família ter sido favorecido pelo Vaticano.
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Após a II Guerra Mundial, a vila caiu em desgraça, resultado das batalhas pela herança familiar e também da incerteza da Itália sobre o que fazer com um local tão intimamente ligado ao ditador. Em 1977, o conjunto, em uma área residencial nos arredores do centro histórico de Roma, foi reivindicado pela prefeitura, que abriu o jardim ao público no ano seguinte e, a partir da década de 1990, reuniu a vontade política e o financiamento para restaurar os edifícios.
Roma tem uma impressionante arquitetura da era fascista e muitos marcos dessa época. Uma placa no antigo gueto marca a deportação de cerca de mil judeus para Auschwitz, em 1943, pelos nazistas que ocuparam parte do país; nos últimos anos, foram colocadas placas comemorativas em frente às casas dos deportados. Mas, no geral, a Itália reluta em aceitar e chamar atenção para as áreas fascistas, incluindo o quartel general de Mussolini no Palazzo Venezia, no centro de Roma. Em parte, isso resulta do medo que neofascistas se reúnam em tais locais, como acontece regularmente em Predappio, cidade de Mussolini no norte da Itália.
A exposição do abrigo é bem modesta, mas a Vila Torlonia se tornou uma exceção notável, especialmente a restauração do Casino Nobile, casa principal onde viveu Mussolini, que foi aberta como um museu, em 2006, por Walter Veltroni, prefeito de esquerda.
Os jardins da vila também contêm antigas catacumbas judias descobertas em 1918 e que não foram abertas ao público. Foi na Vila Torlonia, em 1938, que Mussolini anunciou as leis que cancelavam a cidadania de judeus e os afastavam de muitas profissões. O Casino Nobile abriga hoje um museu pequeno dedicado à Escola Romana de artistas antifascistas ativos entre os 1920 e 1940, incluindo o escritor e pintor Carlo Levi. Há planos para a construção de um Museu do Holocausto em uma área adjacente à vila.
Os bunkers de Mussolini, que nunca foram usados, podem ser visitados somente com hora marcada em grupos de até 20 pessoas, em visitas guiadas organizadas pela Sotterranei di Roma, a associação cultural para quem a cidade terceirizou os passeios por não ter fundos para tal. Recém-restaurado, conta com uma pequena exposição de máscaras de gás, informativos enviados antes de raros bombardeios aliados durante a guerra e gravações dos sons de sirenes de ataque aéreo.
Ocupação americana
A construção do Casino Nobile começou em 1835 e inclui relevos do escultor Antonio Canova e salas com afrescos em vários estilos, do egípcio ao gótico. O quarto usado por Mussolini tem uma cabeceira de madeira ricamente esculpida e o teto pintado com simulações de cortinas.
Nos anos 1840, a família Torlonia já estava bem estabelecida para que Alessandro Torlonia se casasse com Teresa Colonna, de uma família aristocrática romana. Para comemorar, a família começou a construir um aconchegante teatro de 150 lugares decorado com imagens de casais famosos da mitologia e afrescos de Constantino Brumidi - grego que foi preso por apoiar uma breve República Romana e depois fugiu aos EUA, onde pintou os afrescos do Capitólio em Washington. Em 2013, foi finalizada a restauração do teatro, que tem programação regular.
Os jardins são um parque público popular, mas há meses o gramado não é cortado nem as plantas regadas porque a empresa que faria o trabalho está sendo investigada por corrupção.
De 1944 a 1947, a vila foi ocupada por soldados dos EUA. Na restauração, foram encontradas pequenas marcas circulares em uma parede com afrescos, feitas pelos jogos de dardos dos americanos. As pinturas foram restauradas, mas as marcas permaneceram.
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