Perdida no Quartier Latin, acabei, literalmente, aos pés de Michel de Montaigne.
Há uma estátua de bronze do filósofo renascentista francês - meio careca, com um sorriso beatífico no rosto, uma capa sobre os ombros, as pernas esbeltas cruzadas - na Rue des Écoles, em Paris, de frente para a Sorbonne.
Estava toda coberta de uma cor esverdeada escura, com exceção da ponta do sapato direito, que brilhava por ter sido tocada, inadvertidamente, por um sem-fim de mãos estranhas. Por quê? Não sei, mas imaginei que seu pé fosse meio que um talismã da comunidade, então também dei uma esfregadinha antes de seguir adiante. Mais tarde fiquei sabendo que é tradição entre os estudantes tocar o sapato da figura na esperança que o gesto traga boa sorte nas provas.
Eu já me via em vantagem: estava sem mapa. Se tivesse um, não teria visto o filósofo (esculpido por Paul Landowski) ou me beneficiado de qualquer acaso feliz que pudesse ser causado pelo seu pé; não teria parado para admirar as vitrines das livrarias, nem passado pela Praça Paul Langevin, onde os galhos das cerejeiras em flor se espalhavam por cima da grade, jogando pétalas que lembravam confete cor-de-rosa.
A presença maciça de aplicativos de mapas e navegação hoje em dia pode ser uma vantagem, mas também significa que os pedestres provavelmente vão escolher a eficiência e deixar a descoberta de lado.
"Viajamos pelo romance, pela arquitetura e para se perder. Não há nada melhor do que caminhar em Paris sem ter a mínima ideia de onde se está", disse o escritor Ray Bradbury, em 1990, em entrevista a Rob Couteau.
A máxima vale não só para Paris, mas praticamente para todas as cidades europeias - isto é, se a pessoa torce pelo inesperado que faz das férias mais do que um jogo de amarelinha entre monumentos famosos.
O meu iPhone traça a rota mais direta a qualquer lugar que eu queira ver - e é por isso que sempre o desligo. Mantê-lo ligado significa deixar de explorar um sem-número de ruazinhas, becos sem saída e todas aquelas alamedas belas e sossegadas de cujos nomes não me lembro. Os mapas de papel, mais raros hoje, também podem atrapalhar.
"Tem gente cuja alegria é prestar mais atenção às folhas de papel colorido do que à terra cheia de cores à sua frente. Há também o viajante que tem que saber, olhando no mapa, exatamente onde está a todo momento, como se houvesse algum tipo de segurança nas linhas pretas e vermelhas, nas áreas pontilhadas, no azul dos lagos e no sombreado que indica montanhas. Eu não sou assim. Nasci perdido e não sinto prazer em me encontrar", escreveu John Steinbeck em Viagens com Charley.
E é sendo errante e não - emprestando um termo de Steinbeck - um "mapificador" que se pode descobrir locais menos frequentados, verdadeiros tesouros.
Em uma travessa da Dame Street, em Dublin, passando sob um arco de pedra perto da prefeitura, o prédio do Treasury Block e um estacionamento, virando uma esquina e atravessando o que parece ser uma estrada vicinal, chega-se a um muro de pedras largas, estreitas, grandes, altas, que dá a impressão de não ter fim, e então - um portão.
Ali, através dos detalhes em ferro batido, dá para ver um vasto campo verde pontilhado de bancos e entrecortado por calçadas de lajotas inspiradas no modelo celta. No muro que leva ao gramado, que data de 1680, estão as palavras: "Dubh Linn Garden". Entre ali, como eu fiz em uma tarde de junho, e estará no local onde havia uma lagoa escura, ou "dubhlinn", de onde a cidade ganhou o nome.
Na mesma viagem, também sem mapa, caminhei a esmo pelas antigas casas georgianas de portas coloridas e, sem querer, acabei no número 1 da Praça Merrion, onde Oscar Wilde passou a infância, de 1855 a 1878, e onde sua mãe organizava saraus frequentados por gente como Bram Stoker. Yeats vivia ali perto, no 82.
Outras caminhadas sem destino na cidade foram menos históricas, mas não menos agradáveis: pouco preocupada com a hora ou o destino, passei uma manhã explorando o parque vitoriano St. Stephen's Green, parando para ver um homem na beirada de um laguinho dando de comer para dois cisnes brancos e seus filhotes.
A liberdade é guiada pela disposição, não por um mapa. Uma vez, em um inverno na Itália, cheguei a Bolonha para passar o dia sem plano nenhum, saindo de carro de Florença com uma amiga.
Espalhadas pela cidade havia guirlandas cobertas de fitas douradas, antecipando o Natal, e nas ruas, um festival de chocolate oferecia objetos como chave inglesa, parafusos e outras ferramentas comestíveis, além de coelhos e corujas de marshmallow.
Na primavera, na Holanda, uma viagem de ônibus de Amsterdã a Keukenhof me permitiu passar a tarde perdida ao longo de riachos sinuosos ladeados de jacintos roxos e campos de tulipas que cobriam a área como colchas de retalhos amarelos e vermelhos.
No verão, na Espanha, saí a esmo em Barcelona, tentando achar o caminho de volta ao hotel de Barceloneta Beach, onde estava, e acabei indo parar em uma comemoração na qual os participantes agitavam bandeirolas.
Mesmo uma viagem ao local mais turístico do mundo pode se tornar uma experiência pessoal e espontânea se você simplesmente ignorar a navegação passo a passo. Eu aconselho dar uma olhada no mapa só para decidir em que direção quer seguir - mas dobrá-lo em seguida.
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