A grama de algumas praças públicas está quase na altura do joelho; os funcionários do metrô, insatisfeitos, trabalham lentamente, em uma verdadeira "operação tartaruga"; um incêndio deixou o maior aeroporto da cidade abarrotado e caótico. Crescem as prisões de funcionários públicos, revelando a infiltração da máfia no governo municipal.
Todos esses são detalhes que agravam o que os romanos chamam de "degrado": a degradação dos serviços, prédios e padrão de vida e a sensação de que, mais do que nunca, a cidade está aos pedaços.
Não que todos os problemas sejam necessariamente culpa do prefeito Ignazio Marino, ex-cirurgião cuja integridade se mantém ilibada - mas para a cidade, sua retidão tampouco é vista como parte da solução.
Nascido em Gênova e educado nos EUA, Marino assumiu a prefeitura em 2013 como líder atípico de uma cidade famosa por suas intrigas políticas. A princípio, seu currículo fora dos padrões atraiu os romanos, que torciam para que um cidadão honesto com credenciais anglo-saxônicas a limpasse de vez.
Hoje, ele se vê vítima de um cerco político na cidade que jurou salvar de si mesma - e é zombado pela imprensa italiana, que o descreve como um homem afogado em sua própria honestidade. Um jornal chegou a chamá-lo de Forrest Gump.
- Sua virtude é também seu principal problema: como não está ligado ao lado podre da administração de Roma, conhece muito pouco do mundo em que vive - afirma Carlo Bonini, jornalista investigativo do jornal La Repubblica.
Os romanos são famosos pelo cinismo em relação à política e a resignação em relação aos serviços antiquados e à burocracia dominante - e pela abundância de formas com que expressam sua insatisfação. Os problemas se acumulam e a população, frustrada, não para de reclamar da má qualidade de vida de aproximadamente 2,8 milhões de habitantes.
- Às vezes é de se pensar se recebemos tratamento de primeiro ou de terceiro mundo - desabafa Liliana Marelli, 64 anos, suando em bicas em um ônibus sem ar-condicionado durante a última onda de calor.
Coliseu. Foto: Nadia Shira Cohen, NYTNS
De uns meses para cá, a situação na capital anda tão difícil que o próprio primeiro-ministro Matteo Renzi já se mostra preocupado, reforçando as especulações de que o prefeito seja forçado a renunciar.
Talvez o mais prejudicial a Marino tenha sido a investigação Mafia Capitale, que expôs licitações irregulares para as contratações municipais, incluindo centros para refugiados e saneamento. Mesmo para um país mais que acostumado a escândalos, as revelações foram chocantes.
No Sul, como também em algumas regiões do Norte, as investigações revelaram que grupos do crime organizado como a Camorra, a 'Ndrangheta e a Máfia ainda mantêm uma influência arraigada e controlam as licitações públicas.
Roma, no entanto, deveria ser diferente. Sede do governo nacional, acreditava-se que a cidade estivesse livre das garras mafiosas. Embora a corrupção já grassasse antes da chegada de Marino ao cargo, ele foi criticado por reagir de forma lenta e pouco incisiva.
- Parece que ele sempre está um passo atrás - constata Bonini, do La Repubblica.
A ação policial que foi descobrindo e pegando um figurão atrás do outro - incluindo o ex-presidente da Câmara Municipal e os secretários de Habitação e Políticas Sociais -gerou uma enxurrada de publicidade ruim.
Prefeito Ignazio Marino. Foto: Nadia Shira Cohen, NYTNS
Não ajudou também o fato de alguns deles pertencerem ao Partido Democrata, ao qual o prefeito é afiliado. Em conversas telefônicas grampeadas, alardeadas pela imprensa nacional, a ordem era de obediência.
- Esses vereadores têm mais é que seguir as ordens - exigia Salvatore Buzzi, diretor de uma cooperativa social que oferecia moradia para os imigrantes, a Massimo Carminati, suspeito por seu envolvimento com a Máfia.
Ambos foram presos em 2014, quando começaram a surgir as primeiras denúncias de corrupção; A maioria das figuras públicas ligadas ao escândalo hoje cumpre pena domiciliar.
Alvo de fortes críticas, há pouco tempo Marino publicou sua resposta em um jornal de circulação nacional, além de conceder entrevista em seu gabinete para se defender.
- Usei de uma agressividade calculada desde o início. Fui o primeiro prefeito a chamar os investigadores do IRS para verificarem as salas aqui dentro e verem o que tinha sido feito nos anos anteriores. Estamos botando ordem na casa - acrescenta.
Por enquanto, porém, parece que sua (boa) intenção de instaurar a ordem só fez gerar um caos ainda maior. A investigação dos contratos ilícitos das empresas de manutenção dos parques fez com que o trabalho fosse suspenso, deixando os espaços públicos sem tratamento; a ordem para impedir que os camelôs trabalhem perto de locais históricos gerou protestos dos vendedores informais.
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A imprensa local o critica por estar mais interessado na audiência estrangeira - flertando com patrocinadores ricos para garantir a restauração das antiguidades da cidade - do que nos problemas municipais. E quando o escândalo do crime estourou, sua popularidade já tinha naufragado, resultado dos problemas mais comumente encontrados por líderes de outras grandes metrópoles.
Uma pesquisa recente publicada pelo La Repubblica mostra que a maioria dos romanos o considera muito fraco; mais de 70% daqueles que o apoiaram na última eleição dizem que não o fariam de novo. Há também aqueles que o defendem.
- Marino é um vaso de cerâmica em meio a potes de ferro, mas já provou ser persistente e honesto - diz Alfonso Sabella, juiz anti-máfia convocado pelo prefeito para integrar a administração depois que o escândalo estourou.
E acrescenta:
- Gostaria de saber onde estavam todos os que o criticam quando esses crimes foram cometidos. Ele precisa de mais tempo.
O prefeito conquistou uma vitória recentemente, porém, quando um relatório de um funcionário do governo o eximiu de qualquer corrupção. E garante que começou a substituir o apadrinhamento pelo merecimento, instaurando regras mais rígidas para as licitações públicas e a criação de um site para denúncias e reclamações.
A verdade é que muitos reconhecem a honestidade de Marino, mas se frustram com sua falta de iniciativa.
- Marino parece um marciano em Roma; a princípio é fascinante, mas uma hora cansa - filosofa o comentarista político Marco Damilano. - A cidade está em ruínas. Se começar a agir agora, tanto ele quanto a prefeitura podem sair fortalecidos.
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