Há quem vá ao La Coupole, restaurante art déco de 87 anos em Montparnasse, para se encontrar com os amigos; outros, vão para comer com fantasmas: Picasso, Piaf, Sartre, todos foram clientes. Eu fui sozinha, para viver no presente. Abri uma ostra com meu garfo de coquetel e a soltei da concha. Peguei-a com o polegar e o indicador, e a trouxe até meus lábios.
Estávamos no começo da primavera em Paris. À minha esquerda, uma mulher de cabelo grisalho e batom vermelho desaparecia atrás do jornal. À minha direita, um casal flertava em meio às entradas. Nós estávamos no centro de um dos últimos grandes restaurantes da década de 1920. Ali, o grande vaso no qual Kiki de Montparnasse, modelo dos artistas, costumava subir foi substituído por uma escultura comparativamente formal de um casal formando uma esfera com os braços estendidos.
Em Paris era fácil se entregar ao momento, mas por quê? Que alquimia transmutou atividades comuns, tais como atravessar uma ponte ou desembrulhar uma manteiga, em prazer? Minha velocidade padrão em Nova York é a de "colisão", já em Paris, eu arrastava a ponta do garfo pela ostra com um cuidado mais parecido com o deslizar de um arco pelo violino.
A beleza do "flanar"
Isso não acontecia simplesmente porque estava em Paris, embora há muito tempo ela mantenha um tipo de magia. Acontecia porque eu estava ali sozinha. Numa cidade perfeitamente bonita desde o reinado de Napoleão III, existem inumeráveis detalhes sensuais - padrões, texturas, cores, sons - que podem ser diluídos, até mesmo ignorados, quando se bate papo com alguém ou se planeja um passeio. Existe uma Paris que recompensa regiamente o viajante solitário.
Na verdade, a cidade conta com uma tradição secular de exploração solitária, personificada pelo "flâneur" (aquele que anda sem rumo). Em sua forma mais pura, o flanar é uma busca sem metas, embora para alguns dos envolvidos seja uma arte dotada de objetivo. Caminhar e observar se tornou um método de compreender uma cidade, uma época. Baudelaire descreveu o "flâneur" como um espectador apaixonado, que gosta de "fazer pesquisas botânicas no asfalto", como o ensaísta Walter Benjamin escreveria mais tarde. A figura costumava ser associada a um homem, mas não mais.
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Deixando espaço para o improviso
Os visitantes de primeira viagem deveriam evitar algumas das atrações mais famosas para abrir espaço às descobertas de improviso. Perder-se, beber, esnobar a Mona Lisa. A Sala dos Estados no Louvre onde a pintura de Da Vinci está pendurada é tão lotada que qualquer momento transcendente que se pode esperar ter em sua presença é descartado.
No espírito de flanar, tudo - não apenas objetos de museu - merece ser visto. Como eu acredito nisso, acordava toda manhã indecisa sobre qual direção tomar apesar de já ter tirado férias em Paris várias vezes e falar um francês rudimentar o suficiente para vagar com confiança.
Numa quinta-feira em abril, escolhi o norte. A basílica Sacré-Coeur parecia se elevar à distância como Oz. Peguei a Rue Laffitte na direção da Rue des Martyrs, uma artéria com cerca de um quilômetro de extensão repleta de lojas de alimentos, butiques vintage e bistrôs batizados em honra a São Dênis, bispo que durante o Império Romano foi decapitado e, segundo a lenda, carregou a cabeça enquanto saiu andando. Procurava provisões para um piquenique.
Este bairro ao sul de Montmartre é conhecido hoje em dia como SoPi (sul de Pigalle), e seu influxo de bares atrai boêmios burgueses, além de algumas comparações como o Marais. Gosto dali porque existe uma brisa da confusão da Paris medieval, quando a cidade era mesmo o país das maravilhas do "flâneur".
Caminhei pelas ruas úmidas passando por cafeterias ganhando vida, bancas de fruta e lojas abertas com toldos ensolarados como aquele em que se lia Fromager Chataigner, onde uma mesa de queijos me atraiu da calçada. Alguns idosos batiam papo com o proprietário enquanto eu apontava para um bloco decorado com três ramos de lavanda (agora presas entre as páginas da minha caderneta).
Com vista para a torre
Fotos: Agnes Dherbeys/ The New York Times
Paisagem do Quai Malaquais, um dos cais às margens do Rio Sena
O Sena lembra um daqueles anéis que medem o humor ao contrário. Quer ele se apresente plácido e generoso ou cinza-esverdeado e raivoso, a pessoa se molda a seus caprichos. Como fiz ao caminhar rumo a oeste ao longo de sua margem esquerda numa manhã chuvosa, indo para o Musée du Quai Branly, onde uma parede de vidro de quase 12 metros protege do trânsito o edifício projetado por Jean Nouvel.
O Branly descreve sua coleção como "objetos não europeus da África, Ásia, Oceania e Américas", embora tenha sido criticado pela falta de contexto - na inauguração em 2006, o New York Times o chamou de "uma espécie de gueto para o outro".
Corredores do Palais Garnier
Do lado de fora, capim alto, carvalhos e cerejeiras são uma mudança bem-vinda aos jardins bem aparados da cidade formal. E na cantina interna e externa (experimente o chá, não a comida desinteressante), a maioria das mesas tem vista para a Torre Eiffel. Não pretendia visitar a torre, mas certas atrações exercem uma força gravitacional. Apesar de me contentar em admirá-la de longe, eu me vi chegando mais perto.
Deixei o Branly não seguindo as placas de saída para o Sena, mas pelos fundos, virando à direita na Rue de lUniversité, para me dirigir à torre por uma rua lateral e não pelo Sena ou pelo Parc du Champ-de-Mars, como faz a maioria dos visitantes. Daqui, sua imensidão é acentuada pelos prédios à sua sombra. Você se sente o João encarando o pé de feijão.
Uma ópera a sós
O papel de investigador pode às vezes ser desconfortável. Enquanto me metia num vestido preto antes de uma apresentação de LItaliana in Algeri, de Rossini, pensava com meus botões que ver uma ópera sozinha no Palais Garnier não era diferente de, por exemplo, comparecer sozinha a um show na Broadway.
Entretanto, a opulência dos ornamentos deste espaço de 139 anos - os afrescos, os candelabros, as estátuas douradas, a escadaria de mármore branco, a pintura de Marc Chagall no teto do auditório - pode intimidar um pouco. Além disso, meu lugar era num camarote: um armário de pelúcia carmesim a ser dividido com seis estranhos. O camarote é o sonho de um sensualista, que explorei quando a luz foi apagada. Corri os dedos pelas paredes acetinadas, esperando que, se existisse um fantasma da ópera, ele fosse se materializar e me levar para jantar, pois estava morrendo de fome.
Mesmo assim, para mim, Paris é representada por seus espaços públicos. Na minha última manhã ali, empurrei o portão de metal para o Jardim das Tulherias. Havia orvalho nas cadeiras verdes vazias. O vento soprava tulipas vermelhas e roxas para todos os lados, e cafeterias de portas fechadas começavam a receber as entregas diárias de caminhões solitários. O silêncio era tanto que dava para ouvir o esguicho de uma fonte.