Por melhor que seja o começo ou o fim, todo conto de fadas tem um vilão. Na minha aventura em Sintra, cidadezinha portuguesa 32 quilômetros a oeste de Lisboa, ele tomou a forma dos ponteiros do relógio, pois, passeando pelo interior dos castelos impecáveis sobre aquelas colinas, eu quis muito que eles pudessem parar.
Foram necessários apenas 53 minutos para voltar vários séculos no tempo. É verdade que o trem que saiu da estação do Rossio, uma das principais da linha férrea de Lisboa, estava lotado de distrações da era moderna. Em meio a uma multidão de engravatados e pais empurrando carrinhos, era promissor saber que eu era a única passageira só com uma mochila, sem o peso das preocupações e da parada obrigatória nos subúrbios, livre para trocar a rotina sem graça pela aventura no fim da linha.
Foi só depois de passarmos pela penúltima parada, onde o outro passageiro que dividia o vagão inteiro comigo desceu, que o cenário começou a parecer coisa de outro mundo. Olhando pela janela e sonhando acordada, com o nariz quase esmagado contra o vidro, eu me encantava com as pinceladas de cores que passavam por mim: condomínios de prédios cinzentos transformados em casinhas em cores pastel que, por sua vez, foram substituídas por uma confusão de árvores parrudas.
Quando chegou a minha vez de descer, todos os traços da capital tinham desaparecido. E fui recebida por uma paisagem para lá de pitoresca: um punhado de restaurantes e lojinhas, ruazinhas sonolentas agradáveis e um relógio de rua à moda antiga - mas, apesar do cenário encantador, não pude deixar de lançar um olhar ao longe, reconhecendo as encostas íngremes e a explosão verde à sua volta, retratada em inúmeros postais.
Vista de Sintra
Foto: João Pedro Marnoto, NYTNS
Durante séculos, o pequeno centro serviu como o refúgio favorito da família real portuguesa. A um pulinho do centro político e econômico mais importante do país, as colinas verdejantes ofereciam à aristocracia uma fuga sossegada dos ares da cidade. Segundo os moradores, o mau tempo forçou Cristóvão Colombo, rumo a uma de suas expedições menos auspiciosas, a ancorar ali perto antes de seguir caminho para Lisboa, mas foi só em meados do século 19, depois da chegada de Ferdinando II, rei de Portugal, para construir uma casa de veraneio elaborada, que a região inteira fez por merecer o título de Patrimônio da Humanidade concedido pela Unesco, com propriedades imensas que registram um milênio de influências arquitetônicas.
Colorido encantador
Sintra continua sendo a região portuguesa mais valorizada, mas dois grandes projetos ampliaram seu apelo para os turistas estrangeiros: vários hotéis novos aumentaram muito as opções de acomodação em um lugar onde não há uma única vaga durante a alta temporada - e, em 2012, o serviço de bondinho foi reativado (2 euros o bilhete de ida). Funciona só no verão, mas, em 45 minutos, vai à Praia das Maçãs, balneário de cujas falésias é possível admirar as praias de areia branca ao longo da costa oeste.
Basta um olhar para a paisagem de Sintra para saber por que Lorde Byron a descreveu como "glorioso Éden": as florestas luxuriantes se espalham por todas as direções. O verde está sobre as superfícies, desde as rochas cobertas de musgo às vinhas que se enrolam ao redor dos troncos. As raízes grossas de árvores caídas apontam para o céu, e os brotinhos minúsculos despontam nas menores fissuras das paredes de pedra. A abundância me envolveu como um mundo místico.
Cheguei à cidade em um fim de tarde quente de junho, no ano passado - e depois de deixar a bagagem no Sintra Bliss House, saí para explorar a área a pé. Na caminhada ao pôr do sol, vi meia dúzia de estátuas e esculturas, todas parte de um projeto público de arte que mais lembrava um imenso jardim particular (as obras mudam todo ano). Os castelos à sua volta brilhavam na escuridão, iluminados por lâmpadas coloridas.
Na parada na Adega das Caves, bar no centrinho, resolvi experimentar a especialidade local, a queijada de Sintra, um doce com consistência de cheesecake e gosto de coco, combinada com ginjinha, licor de ginja servido em um pequeno cálice.
Palácio de Monserrate tem influências góticas, indianas e mouras
Foto: João Pedro Marnoto, NYTNS
Na manhã seguinte, meu despertador foi o som dos cascos do cavalo de uma carruagem que passou sob a minha janela, mas, naquele dia, eu andaria só de ônibus. Saindo do centro de turismo com uma pilha de mapas e um passe único para múltiplas atrações (a partir de 25 euros), escolhi um dos três caminhos que passavam pelos principais destaques.
Levando-se em consideração a geografia da cidade, um bom ponto de partida é o Castelo Mouro do século 18, remanescente do regime árabe e estrutura mais antiga da área. Na verdade, é uma fortaleza militar: austera, totalmente cinzenta além dos muros de granito e calcário e com ares de impenetrável.
Uma caminhada de 15 minutos por uma trilha plana e muito bonita me levou ao portão principal. Uma vez lá dentro, vale seguir o trecho de 400 metros na parte superior das muralhas internas.
- Não importa o ponto de partida, você nunca vai se perder - comentou um segurança sobre o caminho.
Imagino que os cavaleiros de outrora tenham sido condecorados pela diligência eterna ao abaixarem a cabeça para passar por batentes baixos e subirem os degraus estreitos das escadarias para os torreões com cuidado. Hoje, os piores inimigos são as nuvens de chuva.
Castelo Mouro é uma fortaleza militar
Foto: João Pedro Marnoto, NYTNS
De pé em um dos pontos estratégicos da muralha, imaginei o orgulho daqueles homens por poderem proteger o reino. Dali, a vista mais impressionante era o Palácio Nacional da Pena, minha próxima parada, encarapitado sobre um promontório próximo. Mal via a hora de caminhar nas nuvens.
Lá chegando, vi que a natureza espartana das Forças Armadas tinha sido substituída por uma excentricidade inconfundível. Antiga residência de verão da família real portuguesa, o prédio é uma confusão de cores fortes (amarelo-canário, salmão brilhante, lilás) e torres (estreitas e cilíndricas, largas e retangulares), criando um clima de Alice no País das Maravilhas que os fãs da arquitetura provavelmente atribuirão ao romantismo do século 19. Se o castelo mouro é um convite à marcha objetiva, o Pena encoraja o andar a esmo.
De volta ao centro, consegui entrar no Palácio Nacional de Sintra antes do horário limite das 18h30min. Sua fachada branca esmaecida esconde salões mobiliados com peças antigas e paredes e tetos cobertos de azulejos brancos e azuis, muitas vezes montados de modo a formar cenas históricas.
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No entanto, o que mais me espantou foi o que não vi: os visitantes. Um pouco por causa do dia lindo que atraiu todo mundo para as atividades ao ar livre e também pelo adiantado da hora, eu praticamente tive o lugar só para mim. Vagar pelas salas vazias tendo somente a companhia dos funcionários me fez sentir uma verdadeira integrante da nobreza.
O melhor para o fim
A última parada da minha régia estadia foi no lugar recomendado por todo morador da cidade e turista com quem falei: a Quinta da Regaleira, uma propriedade/parque que pertenceu aos barões do comércio do século 19. Embora menor do que o Castelo Mouro e o Palácio Pena, suas estruturas - um palacete romântico, uma capela católica e uma pérgula de vários andares espalhados por quase quatro hectares - são luxuosas.
Quinta da Regaleira é o local mais indicado por moradores e turistas
Foto: João Pedro Marnoto, NYTNS
O grande destaque, sem dúvida, é o Poço Iniciático, uma imensa torre cilíndrica de cabeça para baixo que se perde nas profundezes do solo, com uma escadaria em espiral embutida nas paredes. Crianças transformadas em "exploradores" investigavam o local com lanternas de cabeça, mais pela novidade do que pela necessidade.
Apesar de tudo o que vi, ficou faltando ainda muita coisa: o colorido Castelo Montserrate, o Castelo Queluz, o contemplativo Convento dos Capuchos - sem contar o bondinho kitsch charmoso que poderia me levar para a praia na costa atlântica.
Só que o tal do "felizes para sempre" não dura para sempre. A despedida foi um verdadeiro anticlímax, sem carruagem nem fada madrinha, só um táxi para a estação de trem, dirigido por um português simpático que, no bate-papo, me mostrou o lugar onde tinha nascido. Depois de passar dias no papel de princesa - independente e aventureira, aliás -, senti que a volta à vida real tinha uma promessa inegável de aventura.
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