Quando coloquei o pé no Instituto Inhotim, localizado em Brumadinho (Vale do Paraopeba, em Minas Gerais), senti como se estivesse vestindo um dos icônicos parangolés de Hélio Oiticica - e acho que ainda não o tirei de mim.
Se o artista carioca sugeria, lá nos anos 1960, uma arte em movimento, questionadora e interativa, o conceito pareceu ganhar sentido real quando iniciei o passeio por Inhotim. O caminho convida ao desconhecido, ou seja, no final de uma estradinha de terra, você faz uma curva e encontra uma gigante galeria, como se ela tivesse brotado naturalmente ali. Tão viva é a dança com a arte neste lugar que, a cada trajeto percorrido, a única certeza é a de que não faremos o caminho de volta do mesmo jeito que fizemos o de ida.
Inhotim transforma e não é preciso entender de arte para isso, somente estar suscetível ao que se propõe por ali. A harmonia entre a paisagem botânica e artística é praticamente surreal, lógico, já que o visitante caminha literalmente dentro do sonho de um homem.
Empresário e colecionador de arte, Bernardo Paz é o idealizador do Instituto Inhotim. A área foi adquirida por ele junto com uma empresa de mineração. Ali também havia uma fazenda, onde Paz foi morar. A amizade com o paisagista Roberto Burle Marx logo ficou eternizada naquelas terras e, aos poucos, um imenso jardim foi tomando forma.
Paz também encontrou ali refúgio para algumas das obras de arte que colecionava, mas, a partir de uma conversa com outro amigo, resolveu focar suas atenções na arte contemporânea.
No final dos anos 1990, já existiam alguns pavilhões abrigando obras de arte no Inhotim. A instalação de Tunga True Rouge, por exemplo, foi adquirida em 1994 e disponibilizada no imenso jardim de Paz em 1997. O Instituto Cultural Inhotim foi finalmente fundado em 2002 e, em 2006, o espaço passou a ser aberto ao público, oferecendo estrutura completa para visitação.
Entre os 110 hectares disponíveis, há jardins, espécies tropicais raras e obras de mais de 100 artistas de 30 países diferentes. Além da área aberta à visitação, Inhotim tem ainda 145 hectares de Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) e, desde 2008, é reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).
Se o visitante é convidado a interagir com o lugar e com a arte a todo o momento, logo se percebe que há uma interação inerente a essa. Trata-se justamente da que habita entre os diversos jardins paisagísticos e os pavilhões dedicados a obras de diferentes artistas. Exatamente por isso é difícil de definir o que é o Inhotim. Um gigantesco jardim botânico ou um grandioso museu a céu aberto? Os dois, e mais.
Inhotim está sendo denominado pela organização do parque como "um destino". É que além de amantes da arte e da natureza, o espaço tem recebido ainda eventos particulares. Há edificações do antigo povoado que um dia existiu naquelas terras servindo como locação para festas, casamentos, reuniões, simpósios. Além disso, Inhotim abriga lojas, oito opções para alimentação (não deixe de conferir o visual impressionante do Bar do Ganso e o cardápio delicioso do Restaurante Tamboril) e um hotel que deve ficar pronto ainda este ano.
Parece muito? E é, porém com propósito grandioso. Bernardo Paz disse certa vez que Inhotim não foi construído para sustentar status, foi construído para a humanidade.
Como visitar
O Instituto Inhotim está localizado no município de Brumadinho, a 60 quilômetros de Belo Horizonte.
A visitação pode ser feita às terças, quartas, quintas e sextas-feiras, das 9h30min às 16h30min, e aos sábados, domingos e feriados, das 9h30min às 17h30min.
Às terças, a entrada é gratuita. Quartas e quintas-feiras, o ingresso custa R$ 20, e em sextas, sábados, domingos e feriados, R$ 30. Estudantes identificados e maiores de 60 anos pagam meia, e crianças de até cinco anos não pagam.
Informações em inhotim.org.br
Não deixe de ver
- Galeria Cosmococa, de Hélio Oiticica e Neville d'Almeida
Foto: Eduardo Eckenfels/ Divulgação
Se os parangolés de Oiticica ficaram só na minha imaginação, o contato com o trabalho do artista se tornou mais real na galeria Cosmococa. É preciso tirar os sapatos para conferir as cinco salas sensoriais que simulam sensações relacionadas à cocaína. Minha preferida foi a Hendrix War, com redes para descansar ao som da trilha impecável do guitarrista. Até uma piscina está disponível aos visitantes que desejam um "mergulho" mais profundo na obra.
- Galeria Miguel Rio Branco
A galeria do fotógrafo espanhol radicado no Brasil é sensacional não só pela grandeza - com pelo menos cinco ambientes diferentes -, nem só pelo formato - há fotografia convencional, projeções de vídeo e imagens gravadas em tecido. O que sensibiliza mais é o conteúdo mesmo. O olhar do artista é preciso, com uma melancolia um tanto suja e exatamente por isso extremamente bela.
- Janet Cardiff
A canadense está presente em duas obras sonoras impressionantes. Em Forty Part Motet, 40 caixas de som representam as 40 vozes de um coral. O espectador pode ficar sentado ao centro ou passear pela sala sentindo-se rodeado por diferentes timbres. Já Murder of Crows, feita pela artista em parceria com George Bures Miller, é uma instalação sonora que descreve um sonho. São 98 caixas de som montadas sobre pedestais conduzindo pensamentos que passam a galope.
- Abre a Porta e Rodoviária de Brumadinho, de John Ahearn e Rigoberto Torres
Essas são obras que impressionam não pela estética, mas pelo significado. Os artistas fizeram representações perfeitas de personagens reais da comunidade de Brumadinho e os imortalizaram em alto relevo em duas grandes paredes do Inhotim. Um elo entre o instituto e a cidade onde está inserido, também presente por meio de diversos projetos sociais e educativos.
- Galeria Luiz Zerbini
Foto: Reprodução
O pintor que se interessa pela "análise social de uma cena" está presente numa galeria incrivelmente colorida. Em telas como Lago Quadrado, Zerbini parece fazer uma espécie de retrato do próprio Inhotim, num mergulho denso entre flora, fauna e linhas. Uma explosão aos olhos.
- Botânica
As 21 galerias de arte disponíveis no Inhotim estão rodeadas com pelo menos 25 jardins. O parque tem uma bela coleção de palmeiras e espécies exóticas. Vale a pena conferir o jardim sensorial (com aromas inesquecíveis), o jardim de pedra (com belíssimas espécies desérticas) e o recém-inaugurado vandário. O espaço Viveiro Educador possibilita a realização de pesquisas e atividades educativas que colaboram para a conservação da flora.
* A repórter viajou a Minas Gerais a convite do Instituto Inhotim