.
Decidimos nos aventurar pela Tundra na escuridão. O velho trem balançava, sacudia e ocasionalmente lamentava. Conforme o sol nasceu, por volta das 10h, o mundo passou pelas cores preto, cobalto, branco e todos as tonalidades entre elas. Tudo era neve; era apenas uma questão de quanto, onde e de que formato. Pinheiros negros envoltos em branco se erguiam do solo como cristais de geada.
- Se você caminhasse naquela direção, você morreria - ouvi meu pai dizer.
Não consegui ver em que direção ele estava apontando, mas não importava. Em temperaturas que pairam em torno de 18 graus negativos, levaríamos vários dias para caminhar até a cidade mais próxima.
Estávamos viajando para o norte a partir de Anchorage, onde no começo de janeiro há mais de seis horas de luz do sol, até Fairbanks, onde o dia dura menos de cinco. O Aurora Express, administrado pela Alaskan Railroad, leva 12 horas para atravessar os mais de 483 quilômetros de florestas, montanhas e tundra. É possível voar de Anchorage a Fairbanks. É possível dirigir. Porém, não existe melhor maneira de conhecer o inverno do Alasca do que de trem - especialmente um trem de três vagões que viaja a 38 quilômetros por hora.
O motivo para minha família visitar o Alasca no inverno passado era comum: viemos para a escuridão em busca das luzes do norte, a aurora boreal. Nossa história de fundo, no entanto, não era nada comum: meu pai, um programador aposentado, obteve seu Ph.D. em Astronomia no início da década de 70, mas nunca trabalhou na área. Quando eu era criança, nas noites claras quando havia uma previsão de uma forte atividade magnética, meu pai nos enfiava no carro e dirigia até o Franklin D. Roosevelt State Park, ao norte da cidade de Nova York, pela remota possibilidade da aurora estar visível. Essas viagens eram testes de fé em relação à ideia de que, se estivéssemos em um local escuro o bastante no momento certo, os céus se abririam e mostrariam seu interior. Entretanto, os céus permaneceram fechados.
Foto: TARA TODRAS-WHITEHILL, NYTNS
Isso ocorreu há dois ciclos solares - dois períodos de 9 a 14 anos onde as erupções solares responsáveis por auroras aumentam e diminuem. O último máximo solar foi em 2000. O próximo está acontecendo agora.
Desta vez, meu pai e eu tínhamos iPads com marcadores para cinco sites que projetam a aurora em tempo real. Minha irmã tinha duas câmeras. Minha mãe tinha esperança.
Em Fairbanks, alugamos um carro e dirigimos até o Chena Hot Springs, 97 quilômetros ao leste. O complexo fica na curva de um pequeno vale cercado por montanhas de 914 metros. Enquanto esperávamos para fazer check-in no resort, dois casais saíram do bar do hotel, e logo o artista do bar, um guitarrista grisalho, apareceu. Ele perguntou que tipo de música gostávamos.
- Vejam bem, eu não tenho ninguém mais para quem tocar - declarou ele.
Todavia, estávamos mais interessados em procurar pela aurora e fomos para fora. O vapor das fontes termais e as nuvens acima protegiam o céu de nossa vista.
Na manhã seguinte, acordamos em pânico. Ao agendar a viagem, fomos avisados de que passar três noites em Fairbanks no inverno daria 80% de chance de ver a aurora. Havíamos planejado quatro. Porém, a previsão do tempo citava mais do mesmo: nuvens e neblina.
Caçar a aurora pode levá-lo a lugares que você normalmente não visitaria, para fazer coisas que normalmente não faria. Ao menos, essa é minha explicação para como fui parar, naquela noite, em uma tenda no cume de uma montanha acima de Chena, de pé em um círculo, entoando uma prece em sânscrito ensinada a nós por outro turista.
A prece parecia um fim adequado para um dia curto passado me banhando ao ar livre em um ar de 18 graus negativos. Nas fontes termais, tudo e todos ficam envoltos em um espesso vapor. Grande parte do resort oferece também uma atmosfera de sonho, suas árvores cobertas de neve e luzes coloridas evocando uma cidade de doces congelada. Há um museu de gelo construído com blocos gigantes de água congelada trazida do lago dos castores perto da estrada. Eles vendem drinques em copos de gelo esculpidos em um torno.
Passei a maior parte da noite do lado de fora, olhando para o norte. Perto das duas horas, convenci a mim mesmo de que uma fraca luz brilhava por trás das nuvens.
Não havia lua ao norte. Nenhuma cidade ou indústria. E mesmo assim a luz se intensificou. Uma partícula do céu se abriu. Foi difícil arrastar os outros para fora da cabana, mas finalmente minha irmã apareceu com sua câmera e tripé. O resto veio em seguida. Ficamos parados enquanto a câmera absorvia a luz. Quando o obturador clicava, nos juntávamos para ver o resultado: um leve arco de luz verde. Olhamos novamente para o norte, como se uma prova do fenômeno pudesse torná-lo mais visível. O pedaço do céu se fechou.
Aquela noite, enquanto dormíamos, uma massa de ar quente e úmido atravessou a Cordilheira do Alasca. Inocente de início, até agradável, quando caminhamos na manhã seguinte e percebemos que podíamos descartar cinco camadas de roupas. O termômetro marcava pouco acima de zero. O sol até deu sua cara.
No entanto, o prazer se tornou ansiedade quando começou a chover, e então terror, quando a chuva se transformou em granizo na estrada para Fairbanks. O centro de Fairbanks se tornara um lençol de gelo.
Foto: TARA TODRAS-WHITEHILL, NYTNS
Nosso destino era Dale and Jo's View Suites, nas montanhas a oeste de Fairbanks, onde passaríamos duas noites em um apartamento com ótimas vistas do céu. Os proprietários, Dale e Jo Skinner, previram desgraça para nossos planos com trenós de cães no dia seguinte. Pedimos comida tailandesa e compramos provisões em um posto de gasolina: latas de atum, pão branco e ovos.
A manhã seguinte trouxe mais sol, um pouco de manteiga no horizonte para acompanhar nossos ovos com torradas. Apesar dos alertas de Dale e Jo sobre as estradas, decidimos arriscar, dirigindo pelo gelo e neve até uma cabana 40 quilômetros a oeste da cidade.
Lá conhecemos Nita Rae, que com seu parceiro, Josh, administra a Sirius Sled Dogs. Nita é da Carolina do Sul e se mudou para o Alasca após se apaixonar duas vezes pelo estado: a primeira no verão, a segunda no inverno. Ela conheceu Josh quando o contratou para construir uma casa, uma cabana aonde eles acabaram vindo morar juntos.
Nita nos apresentou ao seu grupo de huskies siberianos, que ao longo do dia exibiram personalidades distintas. Spud, de pelo branco e olhos azuis, via seu trabalho com seriedade e ensinava os cachorros mais jovens a fazer o mesmo. O delicado Spook mordia a si mesmo se estivesse amarrado, então ficava livre. Zeppelin era um orgulhoso cão mais velho que ainda amava puxar um trenó ao ar livre, mas ultimamente lhe faltava a força.
Dez minutos na trilha e Nita nos deixou pilotar. Navegamos pela floresta por horas, enquanto o céu se aquecia em azul, amarelo e rosa.
No carro, voltando a Dale and Jo's, não falamos muito. Não acho que palavras teriam acrescentado muito a um dia passado alguns graus ao sul do Círculo Ártico, comandando uma equipe de huskies por cânions de pinheiros negros.
Naquela noite - nossa última em Fairbanks - fui dormir por volta das 23h00. A previsão era de mais nuvens e baixa atividade da aurora. Conforme adormecia, em vez de desapontamento, senti satisfação. Havíamos vindo a um local escuro o bastante no momento certo, e desta vez os céus haviam se aberto. Eles não nos mostraram as luzes do norte, mas sim a paisagem nevada e etérea do Alasca no inverno.
Às 2h, meu pai me acordou. Dale, disse ele, havia saído e visto as luzes, mas elas não eram visíveis da casa. Vestimos as ceroulas, calças, calças de neve, blusas e casacos. Senti-me de novo como uma criança, amontoado no carro para caçar a aurora - com a diferença de que agora eu era o motorista. Segui a picape de Dale até um campo na base do vale.
Havia um brilho suave por sobre a montanha. Eu pensei: estaríamos vendo uma aurora? E isso importava? Minha irmã montou sua câmera. Coloquei meus braços no ombro de meus pais, puxei-os o mais perto que nossas camadas de roupas permitiam. Enquanto o mistério da criação se desenrolava acima de nós, olhamos para o céu, observando e esperando, com esperança.