A linha do horizonte da capital britânica, em constante evolução, é tão impressionante como incomum. Tomemos como exemplo o Shard, a "cidade vertical" de 309,7 metros que assumiu o posto de edifício mais alto da Europa Ocidental quando foi concluído em 2012, e do arranha-céu da 20 Fenchurch Street (também conhecido como o walkie-talkie), que ganhou as manchetes no verão passado, quando o brilho de sua fachada cartunesca danificou os painéis de um Jaguar estacionado do lado de fora.
Se Manhattan foi construída sobre zonas de rocha dura, Londres - antiga, enorme, conhecida por menosprezar a si própria - foi fundada sobre uma mistura de argila, areia e giz, uma fundação improvável para grandes arranha-céus. Em vez disso, como o autor Peter Ackroyd observa em London Under, "a geologia de Londres dá pistas do que é o labirinto sob ela": um palimpsesto profundamente dividido em camadas.
Durante a construção da linha ferroviária Crossrail, os arqueólogos desenterraram patins de gelo medievais, crânios romanos e ossadas de bisões pré-históricos, tudo a 3,7 metros do solo. Enquanto isso, com os arranha-céus altíssimos se espalhando pela cidade, alguns dos espaços de arte, restaurantes, lojas e bares mais inovadores de Londres têm surgido um nível abaixo da rua.
Claro, os londrinos há bastante tempo já voltavam o olhar para o subterrâneo da cidade. Pensemos, por exemplo, no metrô - o primeiro sistema ferroviário subterrâneo do mundo, introduzido há pouco mais de 150 anos. Suas estações proporcionaram abrigo quando a cidade foi arrasada durante a II Guerra Mundial; elas também já exibiram obras comissionadas de vários artistas, desde Man Ray até Tracey Emin.
Agora, a empresa Old London Underground Co. espera reabrir 26 estações-fantasma como local de visitação. Imagine fossos de elevadores que viraram paredes de escalada e clubes de karaokê que nunca fecham funcionando onde antes existiam salões secretos de controle de guerra.
- Não há nada mais valioso no mundo do que olhar para um velho armário e encontrar um brinquedo - disse o fundador da empresa, Ajit Chambers.
Leia mais sobre turismo em Londres
>>> Londres apresenta novidades para o visitante em 2014
>>> Faça uma viagem histórica pela Linha Central do metrô de Londres
>>> Descubra os locais pouco explorados de Londres
>>> Confira 10 lugares para tomar chá da tarde com estilo na Grã-Bretanha
>>> Cinco lugares para lembrar Churchill
No romance fantástico Neverwhere, Neil Gaiman mostra um submundo invisível para a "Londres de cima", onde o badalado bairro de Knightsbridge se transforma em um sinistro "Night's Bridge". Na realidade, com a confluência entre riqueza da área e as leis de planejamento notoriamente restritivas da cidade (em geral, quem quer expandir a própria casa não pode construir nada para cima nem para os lados - só para baixo), o bairro se torna um território privilegiado para a escavação de "porões bilionários" de vários andares.
Seguindo esse exemplo, um Hotel Bulgari de 85 quartos foi inaugurado aqui um ano e meio atrás, com seis pisos subterrâneos abrigando restaurante, salão de festas, cinema, spa e piscina brilhante de mosaico de pastilhas de vidro, a joia em uma coroa invertida. Há ainda o plano de transformar um estacionamento subterrâneo em Bloomsbury em um hotel com 172 quartos sem janelas. Enquanto aguarda o sinal verde, ele já se mostra um dos muitos novos esquemas para dar um novo direcionamento a partes de Londres que são muitas vezes esquecidas. A seguir estão alguns desses projetos, além de lugares que já podem ser visitados.
Arte no subsolo
Aclamado como a "Oitava Maravilha do Mundo" quando foi inaugurado, em 1843, o Túnel do Tâmisa - precursor do metrô, escavado por Marc e Isambard Brunel como um caminho sob o rio para carruagens puxadas a cavalo - foi logo invadido por criminosos e fechado aos pedestres por quase 150 anos. Atualmente, o Museu Brunel oferece descidas guiadas até o grande salão de entrada do túnel e planeja transformar o poço subterrâneo, repleto de fuligem, em um anfiteatro adequado. No ano passado, ele começou a receber concertos de companhias como Opera Pop-up, que irá se apresentar novamente nos próximos meses.
Passagens, garagens e depósitos desativados agora servem à cultura
Foto: Andrew Testa/The New York Times
Abaixo de Londres existem inúmeras passagens, muitas abandonadas há bastante tempo. Perto da Leake Street, meca do grafite, sob a estação Waterloo, há um labirinto de 1.672 metros quadrados de túneis ferroviários desativados que receberá, de 28 de janeiro a 8 março de 2014, o festival Vault - um evento de arte interativa com duração de seis semanas que vai apresentar mais de 60 atrações e festas de madrugada.
As instituições mais tradicionais também estão investindo no subterrâneo da cidade. Em 2012, o Tate Modern apresentou o Tanks, um espaço de arte ao vivo que ocupa três câmaras subterrâneas de óleo da antiga estação de energia da cidade (embora esteja atualmente fechado para a construção de uma ampliação de 10 níveis acima do solo, ele será reaberto em 2016).
Sob um estacionamento, os arqueólogos descobriram o segundo mais antigo e mais bem preservado teatro shakespeariano de Londres: o Teatro de Cortinas do século 16, ou o "wooden O", onde foram encenadas as estreias de "Henrique V" e "Romeu e Julieta".
- Escavar Londres é como voltar no tempo - disse o arquiteto John Drew, da Pringle Brandon Perkins+Will.
Restaurantes sem vista pela janela
Mais e mais estabelecimentos têm se inspirado por suas próprias histórias subterrâneas. Em setembro passado, a Real Academia de Arte abriu a casa do zelador da instituição, datada do século 19 - nunca antes acessível ao público - para receber um restaurante britânico sazonal projetado por Sir David Chipperfield e Rolfe Kentish em seu porão, que nunca tinha sido utilizado. Tendo anteriormente servido como cozinha e copa, ele abrigava, antes disso, os quartos dos empregados, uma cervejaria e uma cripta do século 17 com uma adega de vinhos, hoje um banheiro feminino abobadado.
Café foi instalado dentro de onde antes era um banheiro masculino
Foto: Andrew Testa/The New York Times
No Soho, o recém-inaugurado Coal Vaults está situado dentro de uma instalação de armazenamento de carvão subterrâneo do século 19. Aqui você vai encontrar calabouços pouco iluminados de tijolo a vista onde são servidas as refeições, além de um bar com balcão de cobre, e pequenos pratos (pipoca apimentada; sanduíches de veado com anéis de chalota) e coquetéis.
- Evitamos propositadamente as regiões que a maioria dos donos de restaurantes descreveria como mais badaladas - disse Huw Gott, cofundador do Hawksmoor, um grupo de churrascarias britânicas intimistas que ficam, em sua maioria, abaixo do solo. O mais recente dos seus estabelecimentos - que fica a dois andares abaixo da rua na Air Street, perto de Piccadilly Circus - é um caso à parte, mas as janelas foram escurecidas com o uso de vitrais.
- O objetivo é que os clientes esqueçam o mundo lá fora ao vir aqui - explicou Gott.
Antes um "clube de strip duvidoso", o bar-adega Spitalfields - que serve cheeseburgers com bochecha de boi (9,50 libras, ou 15 dólares) - é o resultado de um ajuste natural.
- Nós gostamos daquilo que é fora do comum - disse ele.
Fazendo compras no subsolo
Dizem que de uma janela no porão da Selfridges se podia ver uma grande avenida vitoriana perfeitamente preservada. Isso é um mito, segundo um porta-voz da loja de departamentos, embora os níveis "sub" e "sub-sub" - que chegam a quase 61 metros abaixo do solo - tenham de fato abrigado 50 soldados do comando de informações do Exército dos EUA durante a II Guerra Mundial, com restos de celas na parte inferior. Embora os clientes não possam acessá-lo, o porão está atualmente encenando o Festival da Imaginação, com duração de seis semanas, até 2 de março, com um "Imaginarium" revestida por um espelho, projetado por Rem Koolhaas, para abrigar palestras de "imaginantes", como a banda sueca de música eletrônica Little Dragon.
A boutique Hostem transformou sua adega em loja que atende com hora marcada
Foto: Andrew Testa/The New York Times
Em Shoreditch, a loja vanguardista de moda Hostem reaproveitou sua adega transformando-a na Sala de Giz, uma loja-dentro-da-loja que atende com hora marcada, oferecendo ofertas sob medida, com ternos Casely-Hayford e guarda-chuvas personalizados de Oliver Ruuger. Revestido em tinta de quadro negro, o espaço em si já faz valer a pena seguir viagem pelas escadas cobertas de juta.
Um brinde subterrâneo
Têm pipocado por toda a cidade bares no estilo daqueles que costumavam servir bebidas alcóolicas ilegalmente nos EUA na época da Lei Seca. Eles estão embaixo de um café Breakfast Club em Spitalfields (peça para ver "o prefeito") ou de um BrewDog em Shoreditch (o Underdog, no andar de baixo, serve coquetéis de cerveja, além das tradicionais canecas de cerveja). Escondida sob uma lanchonete de sucos em Covent Garden, o pequena, B.Y.O.C. (Traga o seu próprio coquetel) oferece um ambiente à luz de velas e exige que os convidados tragam uma garrafa de bebida: o barman, empurrando um carrinho antigo com ingredientes do andar de cima, vai precisar dela para preparar a sua bebida. O B.Y.O.C. não tem um bar de verdade, nem autorização para vender bebidas alcóolicas.
Alguns acham que a tendência é um pouco exagerada.
- Se eu ouvir falar que outro bar do gênero está abrindo, talvez seja suicídio - disse Mark Holdstock, dono do Bourne & Hollingsworth, um bar de porão no estilo dos anos 20 localizado em Fitzrovia.
Em 2012, sua equipe começou a transformar uma adega na Goodge Street que, eles logo viriam a descobrir, tinha sido a casa de um vigário já falecido. Eles batizaram o bar como seu nome - Reverend J.W. Simpson - e mantiveram o papel de parede manchado de água e a pintura descascada, acrescentando velas de oração e uma série de "sermões" sobre reavivar os espíritos esquecidos.
O Ruby's fica embaixo de um antigo letreiro de cinema em Dalston. Depois de ter funcionado como um restaurante chinês de comida para viagem, ele hoje serve coquetéis sazonais em garrafas de leite do estilo da década de 1940. Perto dali, a Dalston Superstore, favorita dos modernosos, inaugurou recentemente o Dance Tunnel, onde se toca house e techno alternativos sob uma pizzaria.
- As pessoas chegam procurando pela "entrada secreta" - disse Dan Beaumont, um dos donos, embora os estabelecimentos fiquem tão próximos um do outro. -Normalmente, eles acabam tentando entrar na dispensa.