Quem gosta de curtir uma praia diferente pode encontrar, a cerca de sete horas da Capital, um roteiro que reúne belas paisagens, boa gastronomia e um acolhimento hoteleiro de primeira linha. Procurado por cerca de 400 mil brasileiros a cada ano, o Uruguai oferece muito mais do que roletas de cassino, doce de leite, alfajores e compras de produtos a baixos preços.
Além do glamour bem conhecido de Punta del Este, o país também conta com a rusticidade de redutos hippies com natureza exuberante e a sofisticação de uma gastronomia baseada em frutos do mar e vinhos Tannat. Isso tudo se soma à cultura acolhedora de um povo tão gentil quanto receptivo, que está aprendendo a reconhecer sua vocação turística.
>> Conheça o farol de La Paloma em uma foto 360° Embora os uruguaios sejam de tradição campeira como os gaúchos, alguns hábitos servem para relembrar diferenças culturais que habitam além da fronteira. Logo de chegada, encontra-se os nativos com seu "mate solo" debaixo do braço, com uma erva de pura folha moída grossa que, mesmo produzida no Rio Grande do Sul, causa estranhamento pelo sabor amargo. A tradição diz que se tome sozinho, mas eles se solidarizam com o nossos hábito e compartilham a cuia.
Como bom anfitrião, o uruguaio faz questão de apresentar sua história aos visitantes. Foi isso que fez Fernando Daglio, arquiteto e administrador do hotel-fazenda Parque Ocánico, construído em 1947 em La Coronilla, quando indicou uma trilha pelas rochas à beira-mar que permitia ver as áreas preservadas do Forte Santa Tereza - outro destino bastante conhecido pelos brasileiros que gostam de acampar.
Ao contrário do Forte, a hospedaria de Daglio foi amplamente reformada, e é uma boa opção para quem não abre mão de conforto de cômodos, piscinas e áreas de estar. O local tem um restaurante que faz pratos bem servidos e disponibiliza cavalos e bicicletas para os hóspedes passearem em meio à mata nativa.
A 15 quilômetros, toma-se a Ruta 9 em direção a Punta del Diablo e encontra-se um reduto de pescadores que, no verão, é destino preferido de adolescentes uruguaios, argentinos e chilenos. Com casas coloridas de até sete metros, a prainha de 1,5 mil habitantes é mantida pelo turismo, pela pesca e pelo movimento das casas noturnas (disco clubs).
A atmosfera mística do lugar - que tem esse nome por causa das tormentas que assolavam pescadores no passado - atrai também visitantes europeus. O magnetismo é tanto que houve até quem veio de longe para ficar na região, como os donos do Al Pairo, que estabeleceram na beira da praia sua cantina italiana. Na frente do estabelecimento, é possível ver o chef fazendo massa caseira manual, sentado em um banquinho e distribuindo sorrisos convidativos.
Galeria: As atrações do litoral uruguaio
Provocativo Polônio
Um local para repensar a vida. Assim posso descrever Cabo Polônio, um povoado do departamento de Rocha localizado a sete quilômetros da estrada que, apesar da falta de energia elétrica e água encanada, abriga 60 habitantes e uma energia mística que não se pode expressar em imagens ou palavras. Estar lá durante poucas horas faz questionar hábitos de consumo, estilo de vida e até relações pessoais.
Os moradores que estão estabelecidos no local - e se intitulam polonenses, mesmo sem ter nascido lá - tratam de manter hábitos de mínimo impacto à natureza. Entenda-se por isso, basicamente, não produzir lixo e reutilizar 100% dos resíduos. Tanto que, nos banheiros, usam-se penicos, e, para o banho, esquenta-se em fogão à lenha a água acumulada em uma garrafa pet.
Como é uma área protegida pelo governo, não se pode construir novas casas, explica o diretor do parque, Irineu José Riet Correa. Segundo ele, quem está, pode ficar. Quem não construiu não constrói mais. Para morar, só se achar um cantinho na casa de alguém. Mas isso não é raro ali. Em uma espécie de comunidade hippie dos tempos modernos, a contradição é forte: apesar da rusticidade, fontes de energia caras, como placas fotovoltaicas e turbinas eólicas servem para aproveitar os recursos mais abundantes - o sol e o vento.
Hospedagem oficial, só hostel. Na única escola, apenas quatro crianças estudam. E recebem laptop do governo. O menino mais novinho de Cabo Polônio, que só vai às vezes ao colégio, tem três anos e se surpreende ao ver carros e motos (incomuns por ali). Na sua casa, porém, tem internet. Quando precisa recorrer a alimentos ou serviços médicos, sua mãe vai até o povoado mais próximo.
Nos mares, além dos peixes como o cação, mexilhões e camarões, habitam lobos e leões marinhos. São as riquezas encontradas no final de uma estrada de mato e dunas que só pode ser acessada a pé, caminhões ou caminhonetes 4X4. Para quem busca conforto, Polônio é um soco no estômago. Quem vive lá não tem cerimônia para receber turistas. Quem busca bem-estar sem pré-requisitos é acolhido pelo espírito de paz e amor em um lugar onde a única regra, fora a preservação ambiental, é ser feliz ao natural.
Point de surfe
Praia preferida dos surfistas, La Paloma é conhecida pelo mar grande e gelado e a natureza selvagem. Apesar da pouca estrutura turística, alguns hotéis surpreendem pela posição privilegiada em relação ao mar, como o Las Eduardas. Lá, se pode acordar olhando o oceano, tomar café na varanda sentindo a brisa marinha e ver em posição privilegiada o céu pintar-se de laranja durante o pôr do sol.
Delícia marinha
Depois de tanto passar por "bizcocheria", "heladerias" e "chiviterias" em praias como La Paloma e La Pedreira, onde os uruguaios apresentam seus deliciosos biscoitos, sorvetes e sanduíches, respectivamente, fiquei convencida de que o Uruguai é um país para comer bem sem gastar muito.
Já conhecia a fama da cerveja uruguaia, do assado de tiras (churrasco) e da media luna (croissants), mas nem desconfiava que a costa marinha dos vizinhos hermanos pudesse reservar surpresas gastronômicas. Foi lá que conheci um dos pratos típicos mais deliciosos que já provei: os biscoitos de algas com patê de siri. Simples, leve e saudável, a receita pode servir de aperitivo para refeições principais ou mesmo como tira-gosto. Os bolinhos fritos de alga também fazem sucesso nos bares locais.
Vídeo: Litoral uruguaio em quatro atos