Eu ouvia o roncar constante dos motores da embarcação que seguia para o norte, pela Passagem Interna e rumo ao Alasca, vindo de baixo, às 3h. Sabia que lá fora as florestas densas e as ilhas rochosas da British Columbia eram visíveis da balaustrada na aurora do verão setentrional, mas o pensamento que me ocorreu, enquanto ainda estava deitado, tentando pegar no sono, era: vou precisar de mais fita isolante.
Minha barraca, presa ao deque de proa do Motor Vessel Columbia - ao lado das "acomodações" dos meus companheiros de viagem na balsa da Alaska Marine Highway que saiu de Bellingham, em Washington, com destino a Juneau, no Alasca - parecia bem presa na noite anterior. Na camaradagem imediata que se instalou, quem tinha fita dividiu o rolo com os menos preparados (eu tinha uma, que acabou logo), mas os ventos fortes nos castigaram sem dó durante a primeira noite. Agora, uma das varetas de canto da estrutura tinha se soltado e ficava batendo na minha cabeça, sem contar o barulhão toda vez que uma rajada mais forte passava por nós.
Um cruzeiro pelo Alasca em qualquer um dos vários navios de luxo que fazem a rota é uma experiência das mais agradáveis, com entretenimento, cabines confortáveis, coquetéis ao pôr do sol, muito salmão, cenários belíssimos, geleiras e vida selvagem.
Já o "não cruzeiro" - como batizei a viagem de três dias na balsa do Marine Highway System - até oferecia alguns dos mesmos encantos, principalmente a paisagem do noroeste da costa do Pacífico, fabulosa de qualquer deque, luxuoso ou não. Mas as diferenças não paravam de me surpreender. Sabe aquele poema de Robert Frost que sugere que se siga pela estrada não trilhada? Pois bem, fazer uma viagem dessas para Alasca é a sua versão marítima.
- Se eu viver para contar a história, essa vai ser uma das boas - riu Francine Verzi, 40 anos, enquanto, ao lado do marido, Tony, 47 anos, montava a barraca antes de zarparmos, grande o suficiente para acomodar seis pessoas: o casal e seus quatro filhos, com idades de seis a 13 anos.
(Matthew Ryan Williams/The New York Times) A passageira Chrissie Natoli toca violão a bordo de uma das embarcações do Alaska Marine Highway, empresa criada em 1963
Experiência única
Esse tipo de viagem não é para qualquer um: a maioria dos cruzeiros tem academias sofisticadas, por exemplo, e conta até com pista de corrida. No Columbia, a voz da oficial no alto-falante era severa quando pediu a um dos passageiros que parasse de se exercitar no deque.
- Nada de correria a bordo - disparou ela.
O mesmo tom pôde ser sentido no refeitório, onde um aviso escrito à mão dizia: "Não tem café descafeinado". A bordo da balsa, ou você bebia o café forte do Alasca ou não bebia nada.
As reservas são feitas no site do governo estadual do Alasca, o dot.state.ak.us/amhs. De posse da passagem, o embarque então é feito e todos os espaços disponíveis na embarcação são ocupados com base cronológica: reservou primeiro, ocupou primeiro.
A maior diferença de todas é que nem todo mundo tem direito ou quer um leito. Em um barco com capacidade para 600 pessoas - eram cerca de 400 na viagem que fiz, em julho - havia 300, sendo que a maioria era de beliches em cabines para quatro. Tal fato cria aquela dinâmica crucial que rege a vida a bordo, ou seja, os passageiros acabam sempre se relacionando com os vizinhos de quarto (Ou cama. Ou barraca).
Alguns passageiros preferem o deque de observação da proa, esticando sacos de dormir entre as fileiras de assentos à noite e usando as mesas para depósito de apetrechos e refeições que trouxeram de casa ou compram ali mesmo. Outros optam pelas espreguiçadeiras que, com o passar dos dias, podem grudar umas nas outras para acumular livros, violões e mochilas. Há quem prefira dormir na sala de projeção.
Eu me acomodei no meio da turma das barracas.
Um meio, não um fim
Em uma tradição criada ao longo de cinco décadas de vida da Alaska Marine Highway - a linha de balsas foi criada em 1963, quatro anos depois de o Alasca virar um Estado -, os dois deques de popa exercem certo fascínio entre muitos alasquianos que conheci. Segundo eles, acampar ali não era apenas uma questão de aventura ou de opção mais barata, mas sim entrar em um portal que separa as regras antiquadas dos "lower 48" (como são conhecidos os EUA continentais) e o senso de amplidão e liberdade que atraem os mais aventureiros há gerações.
(Matthew Ryan Williams/The New York Times) Passageiros apreciam a vista em um dos deques de observação da balsa rumo ao Alasca
Nos anos 1970, por exemplo, era ali que aconteciam as festas em que os operários da indústria petrolífera, pescadores e madeireiros como Steve Goldsmith se reuniam para comemorar a volta para o norte.
- O pessoal dizia: "Estamos em águas alasquianas, pessoal, manda bala" - conta ele, relembrando o momento do anúncio de que a balsa deixava para trás as águas canadenses e as leis que proibiam o consumo de maconha.
Hoje em dia a coisa é bem mais tranquila, e se vê muitas famílias e gente mais velha. O consumo de bebidas alcoólicas fora do bar e do salão de jantar é proibido, ou pelo menos é o que dizem os cartazes. O que não mudou, e que também marca uma grande diferença entre os cruzeiros tradicionais, é o fato de que quase todo mundo no Columbia estava indo para algum lugar. Como uma balsa de cidade grande, mas em uma escala alasquiana, a viagem da maioria é um meio e não um fim em si mesmo.
A família Verzi estava indo para os parques nacionais. Um grupo de 30 universitários ia passar três semanas pedalando para percorrer os 1.367 quilômetros de Haines, cidadezinha a norte de Juneau, à Reserva e Parque Nacional Denali.
Ah, a fita
Quanto ao meu problema com a fita, eu sabia que seria difícil resolvê-lo no meio da madrugada, em meio ao silêncio reinante. Por isso, com a luz do céu já despontando e depois de ter perdido o sono, empilhei minhas coisas ao lado da vareta, para mantê-la de pé, e saí para caminhar pelo barco.
Na proa, vi uma infinidade de varas de pesca, mochilas e binóculos amontoados entre os sacos de dormir. A rusticidade do Alasca, em toda a sua glória, estava à minha volta. Comprei um café forte e levei para o deque para ver o dia raiar.
Quanto custa
O custo da viagem, assim como os grupos, varia: a tarifa básica de US$ 326 para adultos de Bellingham a Juneau (crianças com menos de seis anos viajam de graça, entre seis e 12 anos viajam pela metade do preço, e idosos têm desconto de 25%), só dá direito ao embarque com bagagem - uma cabine pode acrescentar de US$ 310 a US$ 530 ao preço (por cabine, não por passageiro). Embarcar com qualquer veículo custa mais US$ 739 ou mais, dependendo do tamanho, enquanto que um caiaque ou bicicleta custam de US$ 50 a US$ 80.