No começo do dia, a brisa fez dançar as glicínias roxas, penduradas num suporte de aço cinza sobre a parede de pedra. O inquieto bordado sonoro de pássaros cantando que nos acordara uma hora mais cedo ainda não desaparecera. Enquanto nos aproximávamos de um homem fumando um cachimbo de odor penetrante levando o cachorro para passear na principal rua de Giverny, uma hora a oeste de Paris de carro, ele nos cumprimentou com a cabeça. - Vous serez les premiers - (vocês serão os primeiros), ele falou dando uma risadinha - Bonne visite!
Para minha surpresa, nós realmente fomos os primeiros a entrar quando as portas e jardins do pintor impressionista Claude Monet se abriram às 9h30 naquela quinta-feira em meados de maio. Quando no interior, nos vimos sozinhos explorando os bonitos quartos da casa onde o artista morou de 1883 até sua morte em 1926, e foi uma experiência íntima exultante, quase chocante. No estúdio original de Monet, eu lutei contra a tentação de ficar meditando numa espreguiçadeira estofada coberta por um desbotado tecido de chita floral. A luz do sol vazava pelas janelas abertas do cômodo amplo e de pé direito alto, posteriormente transformado pelo artista em sala para fumar e receber marchands, artistas e visitantes profissionais. Reproduções de telas de Monet empoleiradas em balaustradas de madeira dividem espaço com lambris de pinho de cor caramelo, um tapete oriental vermelho e algumas cadeiras de vime sem braço. A mise-en-scène era tão perfeita que pulei de susto quando ouvi botas pesadas pisando o caminho de cascalho ao lado da janela aberta, temendo brevemente ser acusado de invasão por um artista imensamente famoso e ursino com sua barba branca cerrada.
Para vivenciar melhor o santuário do grande pintor ao lado das margens do Sena silêncio e solidão se fazem necessários - conquistadas mais facilmente numa visita durante a semana e chegando na noite anterior, para se antecipar às hordas de ônibus turísticos em viagens de bate e volta de Paris e navios de cruzeiro ancorados em portos normandos. Durante a temporada anual - este ano ela vai de 29 de março a 1º de novembro -, a casa e os jardins de Monet, administrados pela Fondation Monet, receberão mais de 500 mil visitantes. E por um bom motivo: a propriedade é um cenário belíssimo a cultuar e proteger o animado gosto boêmio do artista e seu respeito pelos ritos burgueses da cortesia, conforto, lazer e gastronomia. Os jardins em especial eram uma grande fonte de orgulho para Monet - Meu jardim é minha obra-prima mais bonita - ele declarou um dia.
Até recentemente, o problema dessa estratégia de pássaro madrugador era não existir nenhum lugar especial para pernoitar ou comer em Giverny. Contudo, tudo mudou em novembro, quando o chef Eric Guérin, residente local que administra La Mare aux Oiseaux, charmosa pousada com um restaurante condecorado com uma estrela pelo guia Michelin, na região de Brière, costa atlântica francesa, abriu Le Jardin des Plumes, a dez minutos de caminhada da propriedade de Monet.
Com a intenção de estarmos entre os primeiros a cruzar a porta da casa de Monet na manhã seguinte, nós jantamos cedo na cozinha de Guérin, comandada por um chefe jovem e talentoso, Joackim Salliot. O cardápio de primavera, leve e saboroso, incluía ovos defumados em caldo de galinha com chá Lapsang souchong, purê de batata e frango desfiado, pescada grelhada, coberta com alho de urso e acompanhada por cebola em conserva, cordeiro com trigo integral e iogurte de wasabi.
Enquanto ouvia as rãs no jardim abaixo e via um relance da lua nova entre os lariços, era fácil compreender por que Monet, então com 53 anos, estava animado em abrir mão dos subúrbios de Paris por este vilarejo normando. Em sua serenidade, ele descobriu uma musa, além da capacidade de explorar uma espécie de mistura cultural - visto aqui, por exemplo, em sua excepcional coleção de gravuras japonesas - que influenciaria profundamente a arte do século XX.
Quando terminamos de visitar a casa de Monet, os jardins estavam lotados de pessoas tirando fotografias das tulipas e íris com iPads. Assim, fizemos o que o artista provavelmente nos teria aconselhado a fazer e fugimos para mais longe nas redondezas. Nós fomos almoçar acompanhando o Sena até a vizinha Gasny. Foi uma escolha feliz passear pelas margens verdejantes do rio, parcialmente escondidas pelas grandes faias e salso-chorões que acompanham as estradas do interior. No jardim do charmosamente antiquado L'Auberge du Prieuré, comemos uma ótima refeição com ovos de gema mole ao molho cremoso de cogumelo e bifes suculentos com pimentões impecáveis ao molho Albuféra. A trilha sonora: os comentários mordazes de farmacêuticos franceses de meia-idade com suas esposas que haviam chegado pilotando belamente brilhantes Harley-Davidsons.
Depois do almoço, nós visitamos o château da famosa família la Rochefoucauld em La Roche-Guyon, protegido por um íngreme penhasco de calcário branco e que conta com um jardim à beira-rio do século XVIII que foi restaurado em 2004. O resto da tarde foi passada lendo ao som reconfortante da fonte e do riacho no lindo cenário de Les Jardins dEpicure, onde pernoitamos, um hotel tremendamente agradável com um restaurante premiado pelo guia Michelin em Bray-et-Lû, cidade situada em meio às colinas onduladas e os bosques do Parc Naturel du Vexin.
Pela manhã, um céu azul de centúria estava tomado de grandes e lanosas nuvens brancas. A janela acima do bufê de café da manhã do hotel enquadrava um cenário bucólico que Monet certamente teria admirado: delimitada pelas margens folhosas de uma cerca viva, o luxuriante campo verde do outro lado da estrada era ocupado em várias profundidades por vacas de cor creme, algumas em pé, outras sentadas. Não existe dúvida do encanto de Giverny. Porém, a verdadeira descoberta de uma noite ou duas nos arredores de Paris é a de que boa parte da beleza pastoral que seduziu o artista sobrevive intacta.