Diferentes vozes se intensificavam e ecoavam pelos paralelepípedos bem-cuidados da Cidade Velha de Praga. Por dias, deixando a biblioteca neobarroca onde escrevo, ouvi a mesma música cruzar a Rua Bartolo- mejska - embora, como um fantasma, ela sempre parecesse desaparecer assim que eu me aproximava.
Segui minha intuição e adentrei a porta do que parecia ser um prédio abandonado, com gesso descascando e janelas sujas. Dentro dele, pinturas estranhas decoravam as paredes e móveis grosseiros haviam sido remendados. Ao entrar em uma sala comprida e escura, vi um coral de mulheres jovens voltar ao que fazia: executar uma versão fiel e arrepiante do Réquiem, de Mozart, em meio a uma tarde preguiçosa.
Em Praga, são muitas as cenas que exibem toques semelhantes da estranheza-padrão da cidade, um surrealismo cotidiano que muitas vezes combina o elegante ao quase alucinatório, fazendo com que a capital moderna seja um lugar difícil de compreender, especialmente para pessoas de fora, como eu. Mas depois de 12 anos vivendo aqui, fiz da cidade algo também meu, descobrindo como várias partes de Praga se encaixam e encontrando atrações encantadoras e uma beleza inesperada em quase todos os lugares para os quais eu olho.
Mesmo o Centro tem locais pouco explorados
Isso se deu apesar de eu ter me fixado em uma das partes mais superexpostas da cidade: o centro histórico. A menos de cinco minutos a pé da Namesti Republiky e de seus imensos palácios Art Nouveau, e a 10 minutos das torres góticas da Praça da Cidade Velha, minha mulher, Nina, e eu nos estabelecemos entre as paisagens mais românticas, bem como entre os maiores aglomerados de turistas, a mais boba das lojas de suvenires e os pubs menos autênticos.
Ainda assim, superei rapidamente as desvantagens de viver no "centro". Em meio à superficialidade, vim a descobrir alegrias negligenciadas que a maioria dos turistas provavelmente nunca viu: uma espécie de Praga oculta.
Inspirado pelo Vzorkovna, o café onde eu havia encontrado aquele coro angelical, decidi passar alguns dias rastreando as melhores atrações ocultas e novidades de Praga - ou pelo menos aquelas que eram desconhecidas ou novas para mim.
Descobertas
Mesmo nativos podem se surpreender com a cidade, como descobri ao conferir as mudanças do bairro Karlin com meu amigo Matej, nascido em Praga e hoje morador de Toronto.
Antes de encontrarmos o nosso apartamento no Centro, Nina e eu tivemos vontade de morar nessa área, que fica a nordeste da Cidade Velha e ao sul do Vltava. O Karlin era barato e um pouco decadente, mas com uma bela arquitetura e um clima de vizinhança bastante genuíno, algo que resultava de suas ruas estreitas e de sua localização entre a encosta coberta por árvores e o rio.
Tanto Matej quanto eu ficamos chocados ao ver o quanto tinha mudado nos últimos anos. Começamos por almoçar no restaurante Red Hot Chilli, inaugurado em maio do ano passado, talvez o melhor dos muitos novos lugares de Praga especializados em cozinha vietnamita, oferecendo rolinhos de verão frescos e aromáticos e tigelas agridoces de bún bò nam bô, uma salada de carne e macarrão, perto da rua principal do distrito, a Krizikova.
Depois, caminhamos até o parque localizado em frente à extensa escola primária na Lyckovo Namesti - na minha opinião, a praça mais bonita de Praga, embora uma surpresa completa para Matej - e admiramos os seus imensos murais em estilo Mucha, que datam do início do século 20. Em alguns dos prédios próximos, pudemos ainda identificar algumas linhas dágua nas paredes, cicatrizes deixadas pela enchente de 2002. Mas muitos muros tinham sido recentemente repintados de rosa, amarelo e outros tons pastéis floridos.
De café da fazenda a vinho austro-húngaro
Depois de tirar algumas fotografias, paramos no novo e badalado café do bairro, o Muj Salek Kavy, para tomar uma xícara de café de fazenda - algo que eu nunca pensei que seria possível encontrar em Praga - preparado por Graciano Cruz, do Panamá, acompanhado por uma fatia gorda, picante e doce de um bolo de cenoura.
Mais tarde, voltamos para a Krizikova, seguindo para um bar de vinhos chamado Veltlin, onde encontramos um salão escuro, íntimo e pequeno. Todas as garrafas eram provenientes de regiões vitivinícolas do antigo império austro-húngaro, com foco em castas mais tradicionais da região: a checa veltlinske zelené, assim como sua prima austríaca mais conhecida, a gruener veltliner; zweigeltrebe, da região de vinhos checa da Morávia, e zweigelts, de Trentino, norte da Itália.
À espera de nossas taças, recuperamos o fôlego, e Matej enviou uma mensagem via celular para a mulher, Chelsea. Ao terminar de digitá-la, falou de como estava constantemente dizendo a ela o quanto Praga tinha mudado, como as coisas estavam diferente.
Elas estavam, eu respondi, mas para percebê-las, em grande parte, era preciso saber para onde olhar.
Bons sons
Apesar da posição central do Rio Vltava, que atravessa a cidade como uma agulha, a orla tem sido negligenciada. Ultimamente, no entanto, é possível encontrar muitas coisas acontecendo ao longo do rio, desde o mercado de agricultores que movimenta as manhãs de sábado ao longo do Aterro Rasinovo na Cidade Nova até o Jazz Dock (foto acima), um dos melhores pontos da cidade para ouvir música ao vivo, no outro lado, no bairro Smichov. Aqui, grandes músicos internacionais, como John Abercrombie e os Legendary Pink Dots, bem como favoritos locais como Tony Ackerman e Quarteto Kasparin, apresentaram-se nos três anos e meio desde que o Jazz Dock foi inaugurado.
Cervejas fantásticas
Embora o transporte público funcione extremamente bem e haja muito menos taxistas desonestos do que antes, a melhor maneira de começar a conhecer Praga é calçar um par de sapatos confortáveis. Recomendo não abrir mão de caminhar pela zona turística. Evite o Caminho Real, rota histórica de coroação da cidade, definitivamente, mas não deixe de ir à mais nova cervejaria da cidade, a Pivovar U Tri Ruzi (foto acima), que abriu perto da rota no início deste ano. A cervejaria, cujo nome significa "Nas três rosas", pode ser difícil de identificar entre galerias e bares da região. Mas as cervejas produzidas por lá são de virar a cabeça de qualquer um. Os hambúrgueres daqui estão entre os melhores da cidade.
Caminhos sem turistas
Não leve tão a sério as advertências sobre lugares como a Praça Venceslau (foto acima) - pelo menos durante o dia. Praga é uma cidade muito segura, e algumas áreas mais sombrias estão ficando convidativas. A circulação de carros ao redor da praça foi interrompida na metade ocidental, o que proporcionou a liberação de uma vasta área, tornando boa parte da Vaclavak, como os locais a chamam, muito mais amigável para os pedestres. Depois de visitar a melhor loja de bebidas alcóolicas da cidade, a Kratochvilovci, em busca de uma garrafa de Hammer Head - o excêntrico uísque pré-Revolução de Veludo relançado poucos anos atrás -, pode-se caminhar pela ampla rua sem ser incomodado, admirando as grandes fachadas. Situação semelhante vive Hlavni Nadrazi, a principal estação ferroviária de Praga, onde parte de sua decoração da era comunista está sendo renovada.
Foto: Michal Novotny/NYTNS
Foto: Michal Novotny/NYTNS
Novas trilhas
Caminho pela ampla Cidade Velha, do nordeste ao sudoeste, apreciando a dimensão da Praga antiga. Sem acrescentar mais do que dois minutos ao meu trajeto, posso explorar muitas variações em minha rota: às vezes passo direto pela Na Prikope, principal via de comércio da cidade, desviando dos grupos de turismo e artistas de rua e me familiarizando com lojas recéminauguradas, como a butique Lavmi, que vende utensílios domésticos fora do comum, produzidos localmente. Às vezes ando por ruas rústicas, como Provaznicka e Kotcich V, desfrutando de paisagens que lembram a cidade antes da Revolução de Veludo. Muitas vezes pego um dos muitos Mysi diry ("buracos de rato"), pequenas passagens que correm entre as ruas da Cidade Velha, como a Celetna e a Stupartska. Se você vir uma porta ou uma passagem em uma curva na rua - como as duas no final da Rua Michalska - verifique se ela está destrancada. Pode ser um caminho oculto.
Foto: Michal Novotny/NYTNS