Tudo começou em São Pedro de Alcântara, primeira colônia alemã de Santa Catarina, onde moramos e somos integrantes de um grupo de stammtich chamado Nojeras Bier. Nos reunimos uma vez por mês para celebrar a família, os amigos, o chope e manter essa tradição alemã. Em um desses encontros, José Sérgio Flores, que é presidente do grupo, teve a ideia dessa grande aventura. Sair de São Pedro de Alcântara com destino ao fim do mundo (Ushuaia) e fazer um intercâmbio em colônias alemãs no Chile. As cidades de Puerto Octay, Frutillar e Puerto Varas são como a nossa - fundadas por alemães e que mantêm os traços de sua arquitetura e tradição.
Os personagens dessa aventura são José Sérgio Flores, 30 anos, artesão e artista plástico, Fernando Schuch, 25 anos, e Fabrício Schuch, 32 anos, irmãos e trabalhadores da construção civil, e eu, Nazareno Manoel de Souza, 39 anos, empresário. Percorremos 13,7 mil quilômetros dentro de um Fusca 1981. Muitos já fizeram algo parecido, mas com quatro pessoas em um escarabajo, como se chama o Fusca no Chile, nunca ouvi falar.
Como o veículo não tem porta-malas, colocamos quatro compartilhamentos em forma de barril em cima do carro, um para cada. Ganhamos em torno de cem pacotes de macarrão instantâneo que nos alimentou por quase toda a viagem. Nossa ideia era gastar o mínimo e aproveitar o máximo. Levamos uma barraca e quatro sacos de dormir térmicos. Dos 34 dias de aventura, ficamos apenas 10 em pousadas ou hotéis - só nos lugares mais frios.
Dicas
:: Apesar de serem cidades turísticas, as pousadas e hotéis não são muito caros, porém a alimentação, essa sim, é em média o dobro do que no Brasil. O combustível também é muito caro, pagamos no Chile, em média, R$ 4 o litro de gasolina.
:: O câmbio de moedas lá não é tão fácil. É melhor trocar aqui ou já levar em dólar, que lá é bem valorizado. Os cartões de crédito não são aceitos em todos os lugares. Postos de combustível, principalmente.
:: Correntes para os pneus: é melhor comprar lá que é mais barato, as roupas e calçados para o frio também, é a metade do preço.
:: Nas fronteiras é bem tranquilo, você vai perder algum tempo para dar entrada e conferir a bagagem do carro.
:: No facebook do grupo, dá para conferir mais fotos e vídeos da viagem.
1 - São Pedro de Alcântara
Saímos na manhã de 22 de julho, atravessamos o sul catarinense e o oeste do RS até chegarmos na Argentina. Em três dias cortamos toda a Argentina, de Santo Tomé até Salta, e então começamos a subir as cordilheiras, um trecho de aproximadamente 50 quilômetros de subida e a uma altitude de 5 mil metros. A temperatura baixou muito rapidamente, e a vista das montanhas congeladas é maravilhosa. O tempo passou rapidamente, já estava anoitecendo. Encontramos, então, algumas casas em ruínas, e passamos a noite ali. Conhecemos o deserto de sal e chegamos ao Chile, em San Pedro de Atacama, uma cidade rústica.w
2 - No Deserto do Atacama
Chegamos ao deserto do Atacama. São mais de 200 quilômetros de extensão, dizem que é o mais alto e seco deserto do mundo (a temperatura durante o dia chega a 40°C e à noite, a menos de 0°C). Passamos pelo Vale da Lua e chegamos na famosa mão do deserto. Uma escultura de concreto de 11 metros de altura no meio do nada. Tivemos a impressão que um gigante de pedra sairia do meio das entranhas da terra.
3 - Quando o fusca atrapalhava
Nosso primeiro problema mecânico foi no meio do deserto, a cidade mais próxima ficava a 200 quilômetros. Não sabíamos o que fazer, porém, no Chile, todos têm educação e consciência de parar e oferecer ajuda. Fomos várias vezes acolhidos e ajudados como se fossemos da própria família. Chegamos a ficar três dias em uma cidade chamada Culli Pulli, esperando uma peça para Fusca. A cidade vizinha estava em conflito, uma espécie de guerrilha por posse de terras indígenas. Era muito barulho de sirene de ambulância e carros de polícia. Eram carros e casa queimadas.
4 - Recebidos pelo prefeito
Em seguida fomos para Frutillar, a principal colônia alemã chilena, fundada em 1856. Fomos recebidos pelo prefeito. Conhecemos mais essa bela cidade que fica às margens do Lago Llanquirue e vigiada pelo Vulcão Osorno. Dali seguimos para Puertos Varas, de 1848. Todas as colônias trazem a arquitetura alemã e muitas datadas de 1890. Em Santiago, capital chilena, seguimos para Los Andes, para subirmos até El Coracoles, a 3.200 metros de altitude - uma estrada em zigue-zague com 48 curvas e lá no alto uma linda estação de esqui. Vale a pena colocá-la no seu roteiro de viagem. É maravilhoso.
5 - Rumo ao fim do mundo
Um de nossos objetivos agora estava cumprido. Então "bora" para o fim do mundo, Ushuaia, a Tiera del Fuego. Subimos o vulcão de Osorno, a 2,7 mil metros de altitude. Havia muita neve na estrada, o Fusca com os pneus carecas e sem as correntes para dar segurança. Estava chovendo muito, pura adrenalina. Ao chegarmos ao topo, pegamos uma tempestade de neve com -5°C. Precisamos sair dali rápido ou ficaríamos presos na neve. Descemos e fomos até La Cascata, trilha de uma hora de caminhada dentro da mata entre as cordilheiras. Um visual inesquecível.
6 - Florestas cobertas de neve
No 20º dia de nossa aventura, chegamos em San Carlos de Bariloche. Enfrentamos muita neve. Eram florestas inteiras cobertas de branco, mais de dois metros de neve acumulada nos acostamentos. Tudo isso dentro de um Fusca. Mas voltando a falar de Bariloche, uma das mais belas cidades. Muitos pontos turísticos e muito, muito chocolate. Nosso Fusca, carinhosamente apelidado por nós de nojerão, chamava muita atenção e na praça principal de Bariloche fomos a atração. Até demos entrevistas para a TV local. Não só lá em Bariloche, mas em quase todos os lugares que passávamos, todos queriam saber quem éramos, tiravam fotos, entravaram no Fusca.
7 - Estreito de Magalhães
Atravessar o Estreito de Magalhães foi um ponto muito importante - 4.650 metros dentro de uma balsa para passar esse canal que liga o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico. Nossa viagem foi assim: um dia montanha, outro Oceano Pacífico, mais alguns quilômetros e Oceano Atlântico. Era neve, deserto, -7°C a 40°C. Tudo ao extremo.
8 - Coberturas em Ushuaia
Chegamos ao nosso destino, Ushuaia, com sensação de dever cumprido, pois alcançamos o fim do mundo. Depois dali, só a Antártida. Ushuaia, uma cidade da província da Terra Del Fuego, muito charmosa com seus portos, estação de esqui, geleiras e ilhas. Tudo coberto de muita neve. Estávamos a 8.600 quilômetros de casa. Nossa missão agora era voltar para nossa terra. Chegamos em casa com nosso nojerão firme e forte. Por incrível que pareça, o Fusca era confortável, só tivemos que nos acostumar com a velocidade que não passava de 80 km/h , e baixava para 30 km/h nas serras. Nosso maior desafio foi a saudade da família.