Quando tem insônia, Danuza Leão, a cronista, muda os móveis de lugar ou organiza viagens. Para sorte dos leitores, uma dessas noites de Danuza rendeu a idéia de uma viagem de poucas semanas à Europa e as 135 páginas de Fazendo as Malas.
No livro, encomendado pelo mesmo editor do sucesso Quase Tudo, ela originalmente escreveria apenas sobre a espanhola Sevilha, mas resolveu estender-se até Lisboa, Paris e Roma.
Danuza dá dicas deliciosas, freqüentando lugares onde muitos não têm coragem de entrar (nem ela, mas quando é muito caro, toma um café, pede uma vodka ou só uma entrada), voltando aos pontos dos quais mais gosta ou descobrindo coisas novas. No final do livro, como em um guia, telefones e endereços dos lugares citados, para quem quiser experimentar sensações parecidas.
A seguir, acompanhe uma seleção de sugestões ou observações da cronista sobre as quatro cidades percorridas por ela.
Sevilla
Danuza queria ir à Feria, que acontece em Sevilha sempre em abril, durante sete dias e noites. Foi ela que serviu de desculpa à viagem da cronista, para Sevilha e para os outros destinos do livro.
A Feria
Num espaço amplo, montam-se casetas, pequenas tendas de madeira... que se alugam a famílias ou a grandes empresas, um pouco como os camarotes da escola de samba... Nas casetas não se vende nada. Nelas só acontecem cantos e danças... Nas ruas, se cruza com homens a caráter, de chapéu de aba dura e colete, e com sevilhanas - crianças, jovens e mulheres bem mais velhas - de vestido colorido, geralmente de bolas, com muitos babados, o cabelo preso com o tradicional pente, mantilha e sapatos próprios para dançar o flamenco... Vão assim aos mercados, aos restaurantes, às lojas, à igreja, como se fosse absolutamente natural -o que, aliás, nessa semana em Sevilha, é.Resista à tentação de comprar um traje completo de espanhola e trazer para o Brasil. Ninguém entenderia nada - além de ele não caber na mala.
O restaurante
A cronista sugere vários, mas o que parece tê-la impressionado mais é o " incrível" El Tamboril:
Ocupa lugar de destaque, como num altar, a imagem da Virgem do Rocio, venerada pelos sevilhanos. Todas as noites, à meia-noite, as luzes se apagam, os freqüentadores fazem uma oração à Virgem e cantam a música ( sacra) ' Salve Rociera' em sua homenagem; depois, as luzes voltam a se acender, e as pessoas recomeçam a dançar o flamenco, e fazem isso até o dia clarear.
Por que ir
Pressa e estresse são palavras ignoradas na cidade. Mas é preciso conhecer melhor Sevilha, que é o verdadeiro coração da Andaluzia, centro da tauromaquia e do flamenco; quem a conhece fica apaixonado para sempre. Tirando-se o período de uma às quatro horas da tarde, quando nas ruas só há turistas...tudo é desculpa para os sevilhanos saírem de casa. Eles vivem e convivem na rua, todos parece que se conhecem, se falam, e não há nada mais fácil do que conversar com eles num bar.
Paris
Em casa. É assim que Danuza se sente em Paris. Também pudera. Aos 17 anos, mudou-se para lá por dois anos. Aos 30 anos, viveu outros cinco na capital francesa.
O restaurante
Há dezenas onde se come maravilhosamente bem, mas Danuza tem lá seus preferidos:
Vamos supor que você seja daquelas pessoas que pedem um ossobuco só pensando no tutano. Então, seu bistrô é, sem dúvida, o Claude Sainlouis, na Rue du Dragon, uma rua que começa logo em frente ao Café de Flore. Há um prato chamado os à la moelle (pronuncia-se " moale"): são três ossos enormes, cheios de tutano, que você tira com uma faquinha fina ( sai inteiro), corta em rodelas pequenas e vai pondo cada uma sobre uma fatia de pão de campagne torrado, depois salpica em cima o sal que está na moda, a fleur de sel de Guérande. Dê a primeira dentada, tome um gole de vinho tinto, e vai morrer de prazer. E tem mais: que eu conheça, é o único restaurante de Paris que prepara esse prato. Freqüento o Claude Sainslouis faz mais de 30 anos...
A torre
Sejamos bem bregas; por uma noite, ao menos. Então, vamos jantar no Jules Verne, na Torre Eiffel; mas é preciso fazer a reserva, já que o sonho de um bom turista é jantar lá em cima. Um elevador especial leva até o restaurante, cujo décor, renovado recentemente, desaparece diante da vista da cidade e do Rio Sena. É fundamental chegar quando o dia ainda está claro, e tente conseguir uma mesa perto da janela. Enquanto você toma um copo de champanhe bem fresco, a noite vai chegando e imediatamente as luzes de Paris se acendem, de uma vez só. É um espetáculo de cortar a respiração.
O hotel e a praça
Um hotel não muito conhecido, e que é uma jóia, é o Pavillon de la Reine, em plena Place dês Vosges. Vou começar falando sobre a praça, talvez a mais bela de Paris. Não sei bem por quê, mas sempre deixo para ir lá aos domingos. Construída em 1600, é a mais antiga da cidade; lindamente simétrica, suas casas são todas iguais, e uma arcada a circunda. Ali moraram Victor Hugo e o cardeal Richelieu, e aos domingos tem sempre música. A última vez que estive lá, um jovem tocava uma melodia tão bonita numa harpa que eu perguntei do que se tratava. Ele respondeu só o que sabia: era uma mazurca que um amigo lhe ensinara... Sob os arcos existem galerias de arte, lojinhas de moda, cafés, restaurantes. Assim, se você quer passar um domingo maravilhoso, não hesite: vá para a Place dês Vosges, sem hora para voltar... Agora, o hotel... A casa é coberta de folhagem verde ou vermelha, dependendo da estação, e a recepção é um encanto. São só 56 quartos, cada um deles decorado de maneira diferente, e dando para deliciosos jardins floridos. De um luxo discreto, a atmosfera não pode ser mais romântica. Se você puder, passe três dias lá com seu amor, pois serão três dias inesquecíveis. E, se não puder, passe também.
Por que ir
Não pense que em Paris só se pode ser feliz gastando muito dinheiro: o cachorro-quente perto da Sorbonne; as crepes de marron, queijo, geléia; as gauffres (espécie de churros) quentinhas; e os enorme sanduíches de baguete, de queijo (francês, claro), presunto (cru), patê; tudo maravilhoso e vendido na rua. E não tenha o menor pudor de sair comendo enquanto olha as vitrines. Afinal, você está de férias em Paris, para fazer exatamente o que tiver vontade.
Lisboa
Transparece no texto a paixão de Danuza pela capital portuguesa e por sua gente."...as mais educadas e gentis que se podem encontrar", mesmo que às vezes ela procure uma cidade que não existe mais.
O restaurante
Mesmo que não se possa ir (a conta de Danuza foi de 225 euros) vale a pena a descrição sobre o Tavares:
É o mais antigo e prestigiado restaurante de Portugal, e foi inaugurado em 1861. Nas suas paredes e no teto não há um só centímetro de alvenaria: tudo é dourado, mas dourado mesmo, dourado trabalhado, brilhando, com lustres de cristal, espelhos venezianos, estátuas de bronze com tochas na mão, cadeiras de veludo vermelho, copos de cristal lapidado; ah, e os vidros das janelas são todos bisotados. O Tavares chegou a figurar entre os 10 melhores do mundo... Nele, cabem 45 pessoas, apenas, e todos os homens usam gravata; nem combinaria, se não usassem... Já o freqüentaram Eça de Queirós, Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão, mas não Fernando Pessoa, que não tinha dinheiro.
A antiga e a moderna
Eu diria que existem agora duas Lisboas: uma antiga, aquela que já conhecemos, e uma moderna, querendo ganhar da antiga - o que eu duvido que aconteça... Em certas ruas, eu me esqueci de onde estava. Pertinho uma da outra, a Richards, a Osklen, a Diesel, a Fnac... Então eu olhava para a rua vizinha e via a " Rua dos Retroseiros". É a rua dos armarinhos, aqui chamados retrosarias, aquelas lojas onde se vendem aviamentos de costura: botões, fitinhas de veludo e de cetim, e rendinhas de todas as larguras...Mas onde estava eu afinal? Numa cidade moderna ou numa cidade antiga?
A bebida
Passe pela Rua das Portas de Santo Antão e procure um botequim mínimo, onde nem mesas existem, só um balcão. Peça uma ginjinha, aguardente feita de uma fruta chamada ginja, e vá beber na rua. Mas não se esqueça de dizer se quer uma ginjinha com ou sem elas; com elas, vêm dentro as frutinhas, que são uma delícia. Sem elas - bem, sem elas é sem elas.
O fado
Os fadistas e os guitarristas fazem shows para os turistas durante a semana, menos às segundas-feiras; nesse dia de folga eles se encontram no Cataplana, um pequeno restaurante (doze lugares) na Rua Diário de Notícias, cujo dono, com oitenta anos, canta. E descobri mais: como por perto existem outros estabelecimentos semelhantes ao Cataplana, os fadistas passam a noite num troca-troca de restaurantes, onde cantam por puro prazer, e é a isso que se chama ' fado vadio'. Tive a sorte de saber desse costume e fui ouvir; fiquei arrepiada, vendo a satisfação e a sinceridade com que eles cantavam - e para eles mesmos.
Por que ir
Lisboa é um lugar aonde se pode ir em qualquer idade. Em criança, para conhecer nossas origens; aos dezessete, dezoito, para cair na balada, que é das mais animadas da Europa. Aos trinta, para uma lua-de-mel romântica. E, aos cinqüenta, setenta, noventa, para desfrutar uma das cidades européias mais prazerosas, onde as pessoas são extremamente gentis, come-se muitíssimo bem, e onde passaremos dias encantadores e cheios de paz, que não vamos, nunca, esquecer.
Roma
O resumo do que Danuza Leão pensa da eterna Roma: " divertida, trágica, arcaica, divina". Ainda nas palavras da cronista, trata-se de uma cidade onde pouca coisa mudou.
A rua
A Via Condotti continua sendo o centro de tudo o que há de mais chique em Roma, um vaivém geral, e especialmente dos italianos paqueradores, isto é, todos. Lá estão as lojas mais famosas, as joalherias mais lindas, copiadas no mundo inteiro, com peças coloridas, cheias de estilo; mas alguns dos endereços mais tradicionais, infelizmente, desapareceram... Fiquei com a impressão de que lá não existem novos points - é ainda no Caffè Greco... que se marcam encontros para tomar o melhor cappuccino da cidade...
Os gatos
O Pantheon é o lar dos gatos; são dezenas, centenas, que escolheram esse lugar para morar - gatos sempre tiveram bom gosto. Conta a lenda que numa antiga caserana havia muitos ratos e muitos, muitos gatos, que se encarregavam da limpeza geral. Mas um dia chegou um novo comandante, que achou que tinha gatos demais ali. Os soldados puseram os pobrezinhos em sacos e levaram todos para o Pantheon. Resultado: a multidão de ratos foi crescendo, e a caserna ficou tão infestada que à noite mandaram os soldados de volta, com os mesmos sacos, para buscar os gatos. Mas muitos ficaram, e, como se reproduzem com facilidade, o Pantheon passou a ser a casa dos gatos de Roma.
A noite
O único lugar onde a noite é alegre e animada é o Trastevere, que era um bairro totalmente popular mas já há algum tempo está virando classe-média. Isso porque a cidade é rodeada por sete colinas e não tem para onde crescer. Apesar de se comer muito mal, as trattorias no Trastevere estão sempre cheias, famílias com filhos pequenos, jovens, gente mais velha, todos cantando numa grande alegria. E comendo muito, e bebendo muito, e falando muito - e alto.
Por que ir
As ruas de Roma são um caos, mas um caos muito simpático. Há música em toda parte: acordeons se misturam com violinos, guitarras, e todo mundo canta... E, ao mesmo tempo, tocam os sinos das igrejas, que não são poucas. Fui almoçar no Campo dei Fiori, uma praça linda que até parece com as de Veneza, e uma mulher, sozinha, começou a cantar altíssimo - e bem - a Ave-Maria. Foi um momento único... Um lugar especialmente lindo é o imenso parque de Villa Borghese, de onde se vê Roma inteira...