Em duas caixas, o oceanólogo e guia de turismo Geraldo Medeiros Lima, 59 anos, coleciona vestígios de raios que já atingiram as areias de Torres, no Litoral Norte. Desde 2014, ele tem como um dos hobbies sair à procura de fulguritos pela região.
A cada caminhada, as caixinhas são preenchidas com novos achados. Os primeiros foram encontrados nas dunas existentes dentro do Parque Estadual de Itapeva, depois de 13 anos de buscas. Em fevereiro de 2014, durante as férias, Geraldo saiu com os amigos, o historiador Leonardo Gedeon e o ambientalista Paulo França, que juntos fazem parte do Coletivo Dimensão Ecológica, para mais uma tentativa de buscas pelas peças. E foi numa caminhada pelas dunas do parque que ele acabou encontrando os primeiros exemplares.
— Com a movimentação das dunas, estavam mais na superfície. Também achamos fulguritos no Parque Natural Municipal Tupancy, em Arroio do Sal. Tupancy , em tupi-guarani, significa "a mãe do Deus trovão". Sempre brinco que se a mãe do Deus do trovão está lá em Arroio do Sal, os filhos, os fulguritos, estão todos espalhados em Itapeva — comenta Geraldo, que apresenta as peças e explica o que elas são aos que participam das trilhas ofertadas no Parque da Guarita, em Torres, onde ele trabalha atualmente.
Mas, afinal, o que são fulguritos?
Segundo o professor Heinrich Theodor Frank, do Departamento de Mineralogia e Petrologia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os fulguritos surgem da fusão dos grãos de quartzo (a areia) causada pela passagem de um raio. O raio penetra na duna e, ao longo do caminho, a alta temperatura dele acaba derretendo os grãos de quartzo, formando um tubo alongado, rugoso por fora e liso e brilhante internamente. Alguns, chegam a atingir 20m de comprimento, mas o usual é encontrar peças de até 30cm porque elas se quebram facilmente.
— O fulgurito, esta sílica fundida e amorfa, é como o vidro, pois não tem uma estrutura cristalina definida. Então, é considerado um mineralóide — explica o especialista.
Os fulguritos, acrescenta o professor, podem ser um indicador de paleoambiente para os pesquisadores. Popularmente, também são chamados de pedra de raio ou corisco. Internacionalmente, são conhecidos como lechatelierita, que é o material formador da peça tubular. O nome provém de Henry Le Châtelier, químico francês que contribuiu para o desenvolvimento da termodinâmica e também é conhecido pela descoberta da lei do equilíbrio químico.
No Brasil, além do Rio Grande do Sul, as peças costumam ser encontradas em Santa Catarina e no Maranhão. No Estado, os principais achados de fulguritos são em São José do Norte, no Litoral Sul, onde eram recolhidos pelo oceanólogo, professor e pesquisador Lauro Calliari, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
— Sob os montes de areia na região há grande concentração de minerais manganês e ferro, na forma de grãos de areia, o que atrai as descargas — explica Calliari.
Geraldo, que foi aluno do pesquisador da Furg nos tempos de faculdade, sempre teve interesse no tema e estava disposto a comprovar a existência deles também no Litoral Norte gaúcho.
— Além de ser um material frágil e difícil de ser encontrado, tem toda uma questão mística sobre ele. Imagina a energia que uma pedra destas tem por ter sido fabricada a partir de um raio? — comenta Geraldo.
Conforme o professor Frank, em São José do Norte e em Torres acaba se tornando mais fácil encontrar os vestígios porque estão localizados em dunas móveis. Como os raios penetram na duna, porém, costumam ficar enterrados e podem levar um tempo indefinido para serem encontrados. Por serem mais pesados que a areia, só surgirão quando a duna for movimentada pelo vento.
— As dunas da nossa planície costeira têm idade mais que suficiente para abrigar, digamos assim, gerações e gerações de fulguritos. Se o raio caiu 50 mil anos atrás naquela duna, ele pode ainda estar lá — sugere Frank.
Dependendo da cor e do tipo de solo onde o raio ingressa, como argiloso ou calcário, o fulgurito pode apresentar diferentes cores. No Rio Grande do Sul, os mais encontrados são em dunas móveis e têm cor acinzentada.