De monótono, os cerros do Litoral Norte não têm nada: aliando aventura a uma vista privilegiada dos estuários, a área montanhosa, vizinha à costa gaúcha, se tornou ponto de encontro para quem deixou para outro dia o convite de uma caipirinha naquele movimentado quiosque da praia. De skate no asfalto, pendurado por uma corda de rapel a 40 metros do solo ou ainda pedalando suspenso sobre os vales, as atrações que exploram esportes radicais são hoje um foco de investimento de empresas de turismo e do poder público.
Para este material, GZH acompanhou duas experiências inéditas em temporadas passadas e conheceu um "meio de transporte" que ultrapassa 100 km/h, sem combustível. Muito acima do nível do mar, os locais têm acesso por estradas bem conservadas, em Osório, Itati e Dom Pedro de Alcântara.
A equipe de reportagem enfrentou as alturas, um pouco a contragosto, exclusivamente por medo, e venceu também essa barreira – o relato é sincero e fiel como uma confissão. A sensação de adrenalina, vertigem e um certo temor carregam um combo de itens obrigatórios. Coragem também não é um opcional nos passeios a seguir.
Skybike em Itati
Caminhar até o cercado de madeira e olhar para a bicicleta que "voa" sobre o vale da Serra do Pinto pode assustar, em um primeiro momento. Mas o bom observador logo encontra uma série de cordas e mosquetões usados para garantir a segurança do Skybike, a mais recente atração de aventura do Litoral Norte. No passeio, o turista pedala sobre cabos de aço, 15 metros acima do matagal que circunda a Rota do Sol, no município de Itati.
Presa no topo e na base, a bike desliza com a ajuda de roldanas movidas pelas rodas e pedais, explica o alpinista industrial Eric Vargens, 28 anos.
– Se a pessoa sentir medo, pode parar de pedalar, fechar o olho, relaxar e retomar devagarinho. Não tem tempo definido para a travessia, cada um do seu jeito – aponta o alpinista, instrutor e um dos operadores do espaço.
O trajeto total percorrido é de 250 metros, ida e volta.
A atração foi inaugurada na antevéspera do último natal. Em um mês, recebeu uma média de 500 pessoas por semana, equivalente a 10% dos visitantes que interrompem a viagem para tirar fotos no mirante com o letreiro "Eu amo a Serra – apesar de Itati pertencer, oficialmente, ao Litoral.
– Me falta um pouco de coragem, deixa pra próxima – esquiva-se o vendedor Carlos do Rego Santos, 32 anos, goiano em visita ao Rio Grande do Sul.
Há ainda o público que conheceu o espaço através de um vídeo que circula nas redes sociais: o gaiteiro Douglas Santana realizou a travessia executando uma música de seu artista favorito.
– Eu toquei Fundo da Grota, do Baitaca, mas te digo: tenho medo de altura, e foi difícil a primeira vez. Agora já acostumei – garante o músico, de 24 anos.
O teste
A reportagem testou o brinquedo: vestindo equipamento semelhante ao de escalada, o “ciclista-voador" é preso a uma corda, amarrada no topo. A sensação de não haver um piso a ser vencido gera ansiedade de largada. Em ritmo tranquilo, a pedalada torna o veículo estável, o que afasta a insegurança. No momento em que a bicicleta deixa de se mover, nota-se um desequilíbrio, pendendo para os lados, mas basta um novo movimento das pernas para o percurso ser finalizado sem grandes problemas. A vista, de fato, recompensa, com a mata verde iluminada pelo sol da manhã.
- Foi mais tranquilo do que eu pensava. Dá uma sensação de liberdade – compartilha mesma impressão a estudante Janaíne Baldissera Frare, 22 anos.
Alguns metros acima do Skybike, há a opção do Balanço Infinito: uma gaiola de ferro, com abertura dianteira, é impulsionada por um motor. Disparado contra o vale, também oferece a vista do cerrado. E um novo susto pra levar na mala.
Serviço:
- Funcionamento: aberto de quinta a segunda-feira, das 8h às 18h
- Endereço: Km 4 da ERS-486 (Rota do Sol), junto ao Restaurante Mirador
- Valores: Skybike R$ 70, Balanço Infinito R$ 30 (combo com os dois, R$ 80)
- Nível: fácil (há limitação de peso, de até 120 quilos)
- Contatos: Instagram.com/ecoparqueitatirs ou no telefone 51 9-9683-0756 (WhatsApp)
Skate Downhill em Osório
O shape rígido do skatista Luciano Mendes, 39 anos, foi projetado para suportar grandes impactos. As rodinhas e os eixos são especiais para ultrapassar os 100 km/h. A sorte do praticante de Downhill é que não há placa no seu skate, pois correria o risco de ser multado por um controlador de velocidade.
– Tem que ser um pouco insano pra encarar isso. Mas não sem segurança, segurança em primeiro lugar – garante, não aceitando ninguém que esteja sem capacete e luvas de proteção.
O morador do Litoral Norte é o atual campeão brasileiro da modalidade, também chamada de “skate de ladeira”. Na estrada que liga a área urbana de Osório até o Morro da Borússia, ele reúne um grupo de amigos, cerca de uma vez por mês – não pratica mais vezes porque do esporte não pode depender para viver.
A reportagem de GZH acompanhou Luciano na última quarta-feira (19). Durante duas horas, ele se divertiu sobre o asfalto quente da avenida. Venceu algumas curvas e caiu em outras, comemoradas na mesma intensidade. Algumas de suas manobras lembram as do skate tradicional, com o atleta em pé sobre a prancha. A diferença – e que diferença! – aparece na descida em disparada, quando o profissional dobra os joelhos para vencer a aerodinâmica e não deixar o vento reduzir a aceleração.
– É uma adrenalina. Quando tô aqui, fazendo isso, me sinto feliz. Esse lugar me adotou, eu disse pra minha mulher: “a gente vai morar aqui”. Hoje, eu gosto de dizer que sou o zelador da Borússia – sorri, e comprova seu amor exibindo uma tatuagem com uma árvore Bonsai tradicional da região.
Experiência e autorização para a prática
A prática do esporte não é indicada para iniciantes, e precisa ser combinada com Luciano ou com a prefeitura para evitar acidentes. Na colina, os skatistas têm um acordo com o Executivo: a rua é bloqueada entre o mirante e a rampa de voo livre, como ocorreu durante o ensaio de fotos para esta reportagem.
– Eles nos avisam, a gente acompanha, tranca a via libera assim que eles fazem a descida – reitera o secretário de segurança e trânsito de Osório, Moacir Galimberti.
Para afugentar assaltantes no ponto mais visitado do município, foi designada uma ronda ostensiva – o veículo foi visto circulando pelo parque, com uma dupla de seguranças a bordo.
Depois de mais um tombo, Luciano provocou os gestores com afinco, em busca de apoio para um torneio de Downhill. Recebeu sinal positivo, depois do verão.
– Eu já ouvi de muita gente que não ia conseguir, que eles iam brecar o meu esporte. Mas eu comecei de baixo, trabalhei juntando latinha pra comprar meu primeiro skate. Não vou desistir – diz, confiante e emocionado.
Serviço:
- Funcionamento: o Morro da Borússia é aberto todos os dias, mas para a prática do Downhill há necessidade de avisar a Secretaria de Trânsito para bloquear o trânsito
- Endereço: Estrada Geral da Borússia, acessada pela Rua Professor Romildo Bonzan (placas indicam o caminho para o morro)
- Valores: não há um valor definido para a prática. Visita ao morro é gratuita
- Nível: difícil, exige experiência em skate
- Contatos: Instagram.com/lucianofariasmends ou com a prefeitura, no 51 3601-2189 e 51 9-9886-8272 (WhatsApp)
Rapel na gruta em Dom Pedro de Alcântara
Logo que foi contatado, o experiente guia Rutieli Hoffmann da Silva, 35 anos, repassou duas curiosas informações: Rutieli não era chamado por aquele nome, pois “para ultrapassar os 60 quilos de peso, precisa estar de botas encharcadas”, brinca consigo próprio. O magrão é conhecido como Caniço. A segunda novidade incluía um convite: com autorização do município, a equipe de GZH faria parte da primeira expedição de rapel catalogada na Gruta Nossa Senhora de Lourdes, em Dom Pedro de Alcântara, feito confirmado pelo assessor de projetos do executivo, Jaime Bernsts.
– Um morador local disse que tem um caminho aqui, e que chega até lá em cima da gruta. E ó, fica tranquilo, tá comigo – encoraja Caniço, com uma imensa tarântula no antebraço, maior que a palma de sua mão.
Durante pouco mais de uma hora, Caniço guiou a equipe pela mata. Sem escadas ou trilhas, e de arbustos pontiagudos, o trajeto se mostrou mais difícil do que imaginado. Alguns cortes superficiais depois, ele avistou uma abertura entre as árvores.
– É aqui – diz, com impressionante habilidade para vencer os espinhos, incólume à frente de todos.
Duas cordas foram amarradas, uma de segurança e outra para descida, e afiveladas em um cinto de escalada. O arquiteto Alex Reis, 34 anos, foi o pioneiro a se dependurar a centímetros das duas imagens da gruta : Nossa Senhora de Lourdes e Santa Bernadette (religiosa francesa que testemunhou a aparição da Virgem Maria, em uma gruta da cidade de Lourdes, na França).
– Tem muita energia nesse lugar – revela o arquiteto, também proprietário de um hostel que oferece trilhas e outras aventuras.
A formação rochosa é outro destaque: com abertura de cerca de 10 metros, fica a uma distância do solo superior a um prédio de 10 andares. Estimativas apontam que a gruta foi esculpida por uma erupção vulcânica a milhares de anos.
O rapel da reportagem
Na vez da equipe de GZH, a falta de prática ficou evidente. Rodopios e esbarrões em série, durante os 40 metros de descida. A segurança prometida se confirmou: a todo momento, o guia puxava a corda e estabilizava o rapel. Caso fosse necessário, ele poderia arriar a corda sozinho, e gradualmente tomara para si o esforço. Não foi necessário.
A vista do ponto mais alto de devoção, 750 metros acima do mar, oferece um extenso tapete verde, da copa das árvores, uma espécie de cura para os arranhões no corpo.
– Esse é um lugar de milagres – define o pároco da cidade, padre Gilberto Silva de Fraga.
O rapel na gruta ainda não faz parte dos pacotes da Canyons Eco Xtreme, de propriedade de Caniço, mas está nos planos criar uma rota no local. A empresa oferece rapel em cachoeiras gaúchas e em pontos de Santa Catarina.
O arquiteto, que divide a paixão pelos desenhos com as aventuras radicais nas alturas, também realiza expedições com seus hóspedes.
- Ter um hostel é viajar sem sair de casa. Se conhece gente do mundo todo - resume.
Serviço:
- Funcionamento: a gruta Nossa Senhora de Lourdes é aberta à visitação, todos os dias, sem horário definido
- Endereço: Estrada da Gruta, sem número, Dom Pedro de Alcântara (o município é acessado pelo km 12 da BR-101, cerca de 20 quilômetros distante de Torres). Placas indicam o caminho
- Valores: sem cobrança de ingresso. Os passeios com as agências que fazem rapel têm valores a combinar
- Nível: médio, exige preparo para trilha
- Contatos: Instagram.com/canyonsecoxtreme ou canyonsecoxtreme.com.br. O hostel do arquiteto pode ser conhecido em Instagram.com/pedrabrancaecohostelpk