Caminhar pela praia próximo à guarita 40, em Arroio do Sal, exige uma olhada para o lado. Esculpida em frente à casa de vigia dos guarda-vidas, uma tartaruga de dez metros quadrados ganha destaque – e cores. Em tons de verde, preto e vermelho, e olhos brancos moldados por conchas de mexilhões, os socorristas pintaram a escultura erguida a partir de montes de areia no final da manhã deste sábado (23). A tinta utilizada é corante, não-tóxica ao meio-ambiente.
A obra foi iniciada pelos próprios servidores na última quinta-feira (21), e teve o acompanhamento de biólogos para se tornar fidedigna.
— Tartaruga significa longevidade. E a passagem dela por aqui é um sinal positivo, aos olhos de quem enxerga o que é bom — afirma o sargento Eurico Almansur de Assis Brasil, 33 anos.
A referência justifica a homenagem: no último dia 12, uma tartaruga-de-couro cruzou ao lado da guarita, conforme mostram rastros registrados em fotografias feitas no dia seguinte. O réptil chegou até uma duna e depositou ovos, fato que foi documentado uma única vez na história do litoral gaúcho, em 1995. O espaço está cercado, com portão e cadeado, e tem a situação monitorada.
Neste fim de semana, se espera que a tartaruga retorne para realizar outra desova. Segundo o Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), o animal leva em torno de onze dias para voltar à costa, e pode fazer de três a dez ninhos, em dias alternados. A distância pode variar metros a até quilômetros de distância entre os pontos. Devido à expectativa por um novo evento, os banhistas são orientados a buscar os profissionais de salvamento caso identifiquem as pegadas na areia, marcas semelhantes às de um pneu de trator.
A homenagem foi uma iniciativa voluntária, e foi realizada no turno inverso ao trabalho, segundo o tenente Gelson Rogério Moura Ardenghi, comandante do pelotão de guarda-vidas de Arroio do Sal.
— É um comprometimento do pessoal, que faz na folga — explica o comandante.
Durante a noite e a madrugada passadas, rondas realizadas pela Brigada Militar garantiram que tanto o ninho quanto o desenho na areia não fossem vandalizados. Os socorristas escreveram próximo à água um pedido: “não destrua”.
O local virou ponto turístico na praia, com dezenas de veranistas visitando a guarita, fotografando e registrando o trabalho em vídeos para as redes sociais.
As crianças eram as mais entusiasmadas, e a escultura inspirou os irmãos Cassiano Friedrich Cézar, 6 anos, e Lavínia Friedrich Cézar, de 13. Em proporções menores, ambos desenharam o animal, debaixo do guarda-sol da família de Canoas, na Região Metropolitana.
— É por causa deles que estou fazendo — afirmou a adolescente, apontando para os guarda-vidas.
Um dos profissionais que coloria a escultura é o mato-grossense Antônio Paulo Martins Cardoso, 24 anos. Ele deixou Cuiabá para servir como guarda-vidas civil temporário, no Rio Grande do Sul. Conta que perdeu o primeiro voo e precisou comprar uma nova passagem. Chegou atrasado na apresentação, mas foi acolhido pela corporação.
— Eu vim de lá pra cá, foi difícil chegar, e esse é um momento de realização. Fico muito grato em somar com os colegas e encontrar esse fato histórico.
O socorrista sorriu ao ver os animais moldados pelas crianças:
— Já tem até filhotinho. É o reconhecimento.
Para a advogada Luceline Prado, 54 anos, a visita inesperada — normalmente, as tartarutas-de-couro desovam no sudeste brasileiro —, vêm para coroar 2021.
— É um sinal de um ano melhor, e um pedido para que cuidemos mais da natureza — afirma a veranista.