Deitada em uma cama instalada no meio da sala, coberta com uma manta de onça, Eduarda Silveira, 19 anos, dormiu a primeira noite em casa depois do acidente do qual foi vítima. Ela foi atropelada no último dia 30, na beira da praia de Cidreira, por Wellinson Stulpen Greiner, que dirigia uma Montana e passou duas vezes sobre o corpo da jovem. Ele se recusou a fazer o teste do bafômetro e está preso. As pessoas que estavam na carroceria ficaram no local e prestaram depoimentos à polícia.
Internada desde então no Hospital de Tramandaí, no Litoral Norte, ela teve alta no fim da tarde de sexta-feira (4), depois de passar a virada de ano fazendo exames de raio X.
Com múltiplas fraturas — clavícula, costelas, cóccix — e uma dezena de ferimentos pelas costas e pernas, ela está otimista e agradecida por estar viva, mesmo que o atropelamento tenha adiado seus planos de começar a trabalhar.
GaúchaZH esteve na casa da mãe de Eduarda, no balneário Costa do Sol, em Cidreira, na tarde deste sábado (5), e conversou com a menina de voz serena.
O que tu estavas fazendo naquele momento?
Eu e minha prima fomos tomar banho de sol. Era perto das 8h, e a gente não ficou nem 10 minutos na beira da praia. A gente chegou, estendeu a canga, colocou os chinelos ali, e deitamos de bruços as duas. Falamos “ah, vamos dormir, né?!”. Não levamos celular, não levamos nada. Nós vimos que o carro estava atolado, mas ele não estava em nossa direção. O carro estava atolado bem atrás da guarita do guarda-vidas, então estava virado para a casinha. Nisso, do nada, a gente ouviu uma gritaria, uma bateção. Quando vi, eu estava embaixo do carro.
Só que eu não perdi a consciência em momento nenhum. Aí ele passou por cima de mim e pegou os pés dela (da prima) e ela levantou para ver como eu estava, para me ajudar, e ele passou por cima de mim de novo. Foi para frente. Nisso, eu ainda consegui levantar, caminhar, me atirei no chão e ele quase passou por cima de mim uma terceira vez. Aí o dono do quiosque conseguiu me puxar, me ajeitar. Aí já chegou a polícia, ambulância, foi bem rápido. Fui para o hospital e aí, com a tomografia, apareceram todas as fraturas.
Como é que ele passou por cima de ti?
Com a roda de trás, do lado esquerdo. Ele passou bem em diagonal.
Tu entendes a gravidade do caso?
Na realidade, se ele tivesse passado uma terceira vez, eu não iria sobreviver. Se o carro não fosse alto e a roda não fosse pequena, eu não iria sobreviver. Provavelmente ficaria presa embaixo do carro e quando ele andasse ia me arrastar. Seria pior se eu não tivesse na areia fofa, pois ela ajudou muito. E, se estivesse deitada de barriga para cima, teria furado algum órgão, porque eu não tive hemorragia interna.
Na hora, qual foi a tua reação?
Não fiz nada, fiquei quieta. Só pedia para buscarem meu chinelo. E um cachorro passou e eu queria fazer carinho nele. Fiquei em choque, não chorei, não senti dor, sendo que eu levantei. Na minha cabeça, eu iria para o hospital, iam me examinar e eu ia voltar para casa. Eu não queria nem que chamasse a ambulância, eu queria levantar e pegar minhas coisas. Eu não achei que tinha sido tão grave, porque na hora eu não senti. Foi do nada, quando abri o olho eu estava ali embaixo. Fiquei falando para a Vitória pegar meus chinelos, pois eu estava preocupada com eles.
Tu conhecias o motorista? Tu chegaste a ver o rosto dele?
Não conhecia e não vi o rosto dele. Não vi o rosto nem de quem me ajudou porque eu estava em choque. Não estava acreditando que aquilo estava acontecendo.
Quando veio a dor?
Eles me colocaram na maca e me levaram para o (posto) 24 horas de Cidreira. Até então, não estava sentindo dor nenhuma. Elas me lavaram, tiraram a terra, e eu não tinha nem ideia de que eu estava machucada. Achei que meu corpo estava normal, mas era tudo por dentro. Comecei a sentir dor mesmo quando eles começaram o processo para me encaminhar para o Hospital de Tramandaí ou para me levar para Porto Alegre. Foi quando começaram a me levar para Tramandaí que eu comecei a sentir dor. Quando eu cheguei no hospital, estava insuportável.
Esse lado todo da costela dói demais (diz, apontando para o lado esquerdo do corpo). Nos primeiros dias, eles não conseguiam me dar banho, ninguém conseguia encostar em mim. Mesmo tomando morfina, eu sentia tudo.
Quais eram os teus planos, quando tu chegaste na praia?
Cheguei dia 28 de madrugada, vim passar o Ano-Novo. Todos os meus amigos estariam aqui. A gente foi tomar sol aquele dia de manhã. A nossa intenção era sair dali, ir ao mercado comprar coisas para fazer churrasco e ir à noite para o centro. Mas né? Aconteceu tudo isso...
O que passa na tua cabeça quando tu lembras de tudo isso?
Eu já andei com carro na beira da praia. Eu aprendi a dirigir na beira da praia. É uma coisa que eu nunca imaginei que ia acontecer comigo. Eu nem me liguei que tinha um carro ali, agora já vejo isso com outros olhos. E se tivesse mais gente? E se tivesse com uma criança junto? E se tivesse mais por cima da Vitória? E se tivesse matado uma de nós duas.
Mas tu tens noção do risco?
Tenho. Não era para eu estar aqui. Era uma caminhonete, pesada, e tinha várias pessoas na caçamba. Não era só o peso do carro: tinha o motorista, o carona e os que estavam em cima.
Tu tens buscado informações sobre o motorista?
A família dele entrou em contato comigo, ele está preso. Eles estão dispostos a me ajudar no que precisar.
Quem te ligou?
Eu não falei com ninguém porque não quis, foi a minha mãe. Eles querem me ajudar no meu tratamento, nas despesas médicas. Mas nada interfere no processo que a gente vai mover contra eles. Foi um absurdo o que aconteceu.
Como vai ser tua vida a partir de agora?
Eu iria começar a trabalhar essa semana, mas não vou poder. Vou ter que ficar aqui. O médico me deu uns 45 dias para começar a caminhar. Vou fazer fisioterapia para melhorar logo. Antes, eu fazia tudo, e agora dependo da minha mãe. Mudou tudo da noite para o dia.
Como tu te sentes?
Me sinto agradecida, pois poderia ter sido algo muito pior. Poderia não estar aqui. Pô, de uma em um milhão que acontece isso comigo. E eu tive sorte, então, né?