A dona de casa Consuelo Nervis, 69 anos, estava animada com a limpeza do apartamento de Torres no início da tarde da última quinta-feira (1º). No dia anterior, um grupo de Brasília havia saído do imóvel após ocupá-lo por quatro dias e, na sexta-feira (2), entraria uma família de cinco gaúchos. Era preciso, portanto, fazer toda a faxina em dois turnos. As janelas de sala, cozinha, área de serviço e três quartos estavam todas abertas, enquanto lençóis, fronhas e toalhas lavados eram pendurados em varais improvisados. Só que o entra e sai de hóspedes na semana não era por visita de amigos ou familiares: a casa está, o verão inteiro, sendo alugada pelo Airbnb. O fenômeno evidencia uma prática que vem crescendo entre os gaúchos nos últimos quatro anos: o aluguel por sistema de compartilhamento.
— Tá sendo ótima essa experiência. Minha filha fala com os hóspedes. Eu às vezes recebo eles, em outras, damos a senha da portaria e deixamos a chave com vizinhos. E sempre faço a limpeza depois de saírem — conta Consuelo.
A filha, a analista de negócios Bruna Paula Nervis, 39 anos, faz todas as negociações a distância, já que mora em Porto Alegre. Esta é a segunda temporada de verão alugando o imóvel adquirido em novembro de 2016 no Litoral. A ideia deu supercerto: de dezembro de 2016 até agora, o apartamento recebeu mais de 20 hóspedes de Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Distrito Federal, Uruguai e Argentina. Neste verão, ela está arrecadando R$ 4 mil por mês.
— Até pensei em colocar em imobiliária para alugar, mas no Airbnb foi muito mais fácil, não tem a burocracia. E tem a segurança de ver as recomendações. Tento alugar o ano inteiro, mas a procura mais forte é no verão. Minha mãe às vezes recebe os hóspedes, mas a maioria dos últimos nem conhecemos pessoalmente — conta Bruna pelo telefone do outro lado do mundo, em Luleå, na Suécia, de onde segue a negociar hospedagens em Torres.
Uma consulta por apartamentos ou quartos nas praias de Capão da Canoa, Tramandaí, Torres e Xangri-lá pelo site Airbnb traz mais de mil resultados. A abundância não é à toa: hospedagens informais representaram 48% de todas as reservas no Litoral Norte em 2017, segundo a presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Litoral Norte (SHRBS), Ivone Ferraz. Os outros 52% representam hotéis e pousadas tradicionais.
Em Capão da Canoa, a vendedora Thaís Neves dos Santos, 23 anos, começou em dezembro do ano passado a ceder o próprio JK em que mora com o marido a hóspedes do Airbnb — durante o período, ela mora na casa da sogra. Ela projeta arrecadar R$ 15 mil com a vinda de seis famílias.
— O bom é que sai uma pessoa e já entra outra direto. O apartamento não ficou parado. É bom para ganhar um dinheiro para o resto do ano — diz.
Nesta semana, quem ocupa o apartamento é uma família de argentinos. Eduardo Kerbs, 46 anos, parou em Capão antes de rumar a Bombinhas (SC) com a mãe, Mirta Grandi, 74 anos, e os filhos Augusto, 15 anos, e Bautista, nove anos.
— Achei muito bom o site, você manda a mensagem e respondem em minutos. Há as recomendações de hóspedes anteriores e você pode refinar a busca. Procurei por apartamentos com wi-fi e ar-condicionado — afirma.
O curioso é que Thaís não fala castelhano e Eduardo compreende pouquíssimo português. Os dois, então, recorrem ao Google Tradutor, um aplicativo que traduz frases em vários idiomas.
Para movimentar imóveis de clientes
Mais do que uma forma para obter renda extra, o Airbnb também vira opção de negócio até para agência do ramo. A Imobiliária Infinity, de Torres, tem foco em compra e venda, mas viu na plataforma uma possibilidade de trazer lucro a proprietários com imóvel ocioso. Desde o verão passado, o corretor e dono da empresa, Matheus Sartoti, 30 anos, faz a gestão de hospedagem de cinco apartamentos.
— Usamos o Airbnb como aliado. Tenho cliente que, de dois anos para cá, com a crise, viu que o imóvel estava parado e disponibilizou para alugar. Mas como não havia muitos interessados, recorri ao Airbnb, que salvou a situação. Eu interajo e minha esposa os recebe e dá o suporte. No verão passado, a ocupação foi de uns 99%. Neste verão, com o clima chuvoso e a crise na Argentina, que manda menos turistas para cá, a ocupação caiu para 60%. Mas estamos ocupando — afirma.
A opção pelo site em vez de o aluguel tradicional em anúncios, relata Sartoti, é a praticidade da primeira opção: a consulta ao calendário de disponibilidade, a lista de utilidades do apartamento, os depoimentos que hóspedes anteriores que chancelam o apartamento, e a força da marca internacional. Ele ainda recebe uma taxa por diária pela gestão dos imóveis dos clientes e constrói um relacionamento mais fidelizado com os proprietários.
Sindicato hoteleiro critica aplicativo
Presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Litoral, Ivone Ferraz, reconhece que o Airbnb vem crescendo nos últimos quatro anos e classifica o fenômeno como "irregular". Ela afirma que a modalidade afeta negócios com diária mais baixa há pelo menos quatro anos, mas que, neste ano, o prejuízo deve se estabilizar.
— Isso é uma pedra no nosso sapato. Temos no Litoral muitos meios de hospedagem irregulares, de apartamentos que não propiciam segurança jurídica, que não pagam impostos e não cumprem com as regras. Eles concorrem com pousadas de menor valor, não com grandes hotéis — destaca.
Contatado por GaúchaZH, o Airbnb enviou nota destacando a ascensão da plataforma no país e que os locatários pagam impostos segundo as regras da declaração do imposto de renda: "Nos últimos anos, o Airbnb tem registrado um forte crescimento no Brasil, principalmente por se tornar uma opção de estadia quando as acomodações tradicionais estão lotadas, mas também pela variedade de oferta e de preços. É uma concorrência saudável, que beneficia o consumidor e principalmente a sociedade, que sente os efeitos positivos da maior atividade econômica relacionada ao turismo". A empresa também afirmou que oferece uma forma "eficiente, rápida e segura" de realizar o aluguel de temporada, "algo que já era habitual para muitos brasileiros que veraneiam na praia".
O texto afirma ainda que "parte do setor hoteleiro busca restringir essa atividade e sugere que pessoas físicas precisam se tornar empresas hoteleiras, com a mesma carga tributária e burocracias para poder alugar um espaço. São atividades diferentes com regras diferentes. O importante é focar no crescimento do turismo para todos".
Airbnb em números
— Havia 3,5 mil anúncios no início das operações do Airbnb no Brasil, em 2012. No final de 2017, passavam de 160 mil em todo o país.
— No Rio Grande do Sul, há 5,3 mil anfitriões registrados, que ganham cerca R$ 6,2 mil por ano com os aluguéis. A idade média dos anfitriões é de 42 anos.
— No Brasil, 20% dos anfitriões declaram que usam a renda obtida com hospedagem no Airbnb para manter o lar, pagando aluguel ou prestação.