Elis Regina, Cauby Peixoto, Jerry Adriani e Erasmo Carlos encabeçam uma lista enorme de artistas que adentraram o salão principal e subiram ao palco da Sociedade Amigos da Praia de Imbé (Sapi). Mas os áureos tempos de casa lotada são coisa do passado. Hoje, o prédio do tradicional clube do município está abandonado e virou alvo de furtos e depósito de lixo.
Da estrutura antiga, lembrada com carinho pelos frequentadores mais velhos, pouco restou. O teto e o forro de madeira estão caindo, as telhas foram roubadas, todos os vidros do salão principal estão aos cacos, espalhados pelo chão, salas de jogos viraram um lixão a céu aberto – com direito a pedaços de frutas, caixas de leite e garrafas de cachaça atiradas pelos cantos. Carteirinhas, listas com nomes e certificados dos antigos associados, comprovantes de pagamento do extinto Meridional, recibos de compras em prol do clube e panfletos da festa jovem Mingau estão ao léu e podem ser encontrados com facilidade transitando pelo que já foi o refeitório.
Nas antigas quadras de tênis, a grama cresce por entre o piso e, em um canto, reside um sofá vermelho todo carcomido. Nem mesmo as piscinas se salvaram. Agora, a água clara e límpida está verde e suja. Até uma cadeira de praia pode ser vista ao fundo.
– Eu me lembro de nadar ali com a minha neta que, hoje, tem 30 anos – recorda Berenice Tabbal Pires, que há 69 anos é dona de uma casa próxima à sede da Sapi.
Conforme a moradora, a deterioração do espaço foi muito rápida. Ainda no veraneio de 2016, a estrutura estava em ordem, no entanto, ao longo do ano, a situação foi se agravando. Carroceiros começaram a depositar lixo no local, usuários de drogas retiravam telhas para vender.
– Enquanto isso, eu via tudo de perto e não podia fazer nada – lamenta.
Berenice nunca mais havia entrado na Sapi após a destruição, mas acompanhou a reportagem de ZH em uma incursão pelo que restou do prédio. Reconheceu cada cantinho e lembrou de vários carnavais e noites de reuniões. Apavorou-se diante do cenário que encontrou e ficou com os olhos marejados ao relembrar das festas e eventos que frequentou por ali.
Poucas casas adiante, na mesma avenida do clube, mais uma caixinha de recordações da época de ouro da Sapi. Filhos do diretor social, os irmãos Cléa Pereira Menegotto e Carlos Alberto Pereira viveram o auge do clube praiano. Foram aos shows de Cauby Peixoto, Erasmo Carlos, Jerry Adriani e Elis Regina. Esta última, inclusive, ficou hospedada na casa da família Pereira durante sua estadia no Litoral Norte.
– No dia depois do show, tive de emprestar o meu maiô para a Elis. Ela puxou todo o fio dele – diverte-se Cléa.
Boas lembranças não faltam à dupla. Ambos frequentaram o clube durante a infância e a adolescência, num período anterior à construção das piscinas. Recordam do salão principal, que era bonito e envidraçado, e das salas de jogos, com sinuca, mesas forradas de feltro verde e poltronas confortáveis.
– Era um sonho. A Sapi era maravilhosa. Fui Miss Brotinho, Miss Imbé, tudo desfilando ali. Tenho uma tristeza de ver como ficou – diz Cléa.
– Era um clube muito gostoso. Pequeno, todo mundo se conhecia – completa Carlos Alberto.
Tão popular era o clube que, ao completar 15 anos, as meninas costumavam debutar em Porto Alegre, guardar seus vestidos e trazer para o Litoral, para um dos grandes eventos da temporada, o Baile de Debutantes da Sapi. Cléa foi uma das que festejou por aqui em 1962. O carinho pela Sapi transpôs gerações: seus filhos também frequentaram o famoso Mingau, festa jovem com hora certa para acabar.
Além da completa infraestrutura, das festas e dos bailes de Carnaval para adultos e crianças, a Sapi também foi palco de muitos romances. Cléa, por exemplo, conheceu o seu marido, filho de um antigo presidente da sociedade, nos salões do local. No fim deste ano, completam 50 anos de casados.
A irmã de Berenice também se apaixonou no local. Na década de 1960, ela conheceu um paulista que resolveu passar um fim de semana pelo litoral gaúcho. Não deu outra. Quando cruzou com a jovem de 17 anos em uma festa no clube, decidiu que fixaria residência no Rio Grande do Sul.
SITUAÇÃO ERA "PREVISTA"
PELO ATUAL PREFEITO
Embora a destruição completa tenha ocorrido ao longo de 2016, há anos a Sapi sofria com o descaso. Um impasse envolvendo prefeitura e diretoria culminou com a perda quase total do prédio. Segundo Bernd Friedel, que assumiu a parte administrativa do clube em 2010, a cada ano que passava, menos sócios mantinham seus compromissos, ao ponto de, em 2015, a Sapi ter apenas três sócios em dia. Cada um pagava uma anuidade de R$ 600, valor que foi reajustado depois de anos. Antes, era cobrado R$ 500. Fora estes pagamentos, em 2009, também havia sido feito um acordo com a prefeitura, que alugava o clube, auxiliando na manutenção. O trato teria validade até 2014, data na qual a Orquestra Municipal deixou a sala. Friedel afirma que as chaves nunca foram devolvidas à comissão que geria o clube.
– Sem ninguém atuando ali, os mendigos roubaram tudo. Infelizmente, a prefeitura seria responsável – avalia.
Lamentando a situação e esperando apenas autorização da diretoria para a demolição do prédio, o prefeito reeleito de Imbé, Pierre Emerim da Rosa, diz que não mediu esforços para reerguer a Sapi e tentou ao máximo fazer acordos com a direção porque já "previa" a decadência do local.
– Desde 2013, fiz ao menos 20 reuniões com um grupo de associados, mas tem um núcleo que não tem conversa. Eles preferem perder tudo do que perder para o município – explica, acrescentando que há quatro anos tinha conseguido uma verba, via Ministério da Cultura, para restaurar o clube, mas que, para isso, ele precisaria ser público, e não privado.
Sobre a prefeitura ter abandonado o local sem entregar as chaves, o prefeito rebate as acusações e disse que tem, inclusive, notificações que comprovam o término do contrato e a devolução das chaves. Em relação a toda documentação encontrada ao relento, Hermes Consiglio, um dos membros da atual comissão administrativa do clube, disse que deve se reunir em breve com os demais integrantes para tomar providências. Ele ainda tem esperança de não ver o prédio patrolado:
– Se Deus quiser, vai dar tudo certo.
Procurada, a Vigilância Sanitária de Imbé alegou que faz monitoramento no local, já que uma das piscinas está cheia de água parada. Conforme o coordenador do órgão, Leandro Dias de Castro, já foi aplicado inseticida no lugar, e as coletas de água são feitas com frequência.
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HISTÓRIA EM FRANGALHOS
Localizada na Avenida Porto Alegre, próximo à barra, a sede do clube foi erguida em 1952, a partir do lançamento da pedra fundamental. Em 9 de janeiro de 1954, um grande baile marcou a inauguração oficial. Entretanto, segundo a historiadora e autora do livro Imbé Histórico Turístico, Leda Saraiva Soares, a criação da Sociedade Amigos da Praia de Imbé ocorreu, de fato, durante uma reunião de amigos em 1949. Eles tinham como objetivo realizar eventos sociais e incentivar o esporte e o lazer durante a época de veraneio, o que aconteceu a pleno vapor até então.