* Por Telmo Zanini, comentarista esportivo
O calção de náilon foi uma das novidades apresentadas ao jornalista pelo verão de 1956, que marcou como um veraneio no qual a orla era cenário de diversão durante o dia e os sonhos à noite eram embalados por um coral de rãs.
Acredito que exista uma dimensão, um campo energético envolvendo o planeta onde está depositado o conhecimento da humanidade nestes milênios de existência. A memória do mundo, o presente e o passado interagindo.
Está tudo lá registrado, como por exemplo a família Zanini voltando para casa, em Antônio Prado no início de fevereiro de 1956, ano que também começou em um domingo como este 2012. Após o veraneio de quatro semanas em Tramandaí, minha mãe ainda abria as janelas da sala e meu pai já estava dando corda no relógio de duplo carrilhão que, obviamente, tinha parado após tão longa ausência.
Naquele tempo, quando íamos viajar, fechava-se a casa e pronto. Não tinha fechadura com segredo, janelas gradeadas, alarmes, segurança privada. Passava-se duas, três, quatro semanas fora. No máximo, ficava o pedido para que algum vizinho de vez em quando viesse aguar as plantas do jardim.
Era um tempo tão diferente. Nada de euforia consumista no Natal, nada de "chópins", sequer existiam os supermercados. Viajar até o litoral realmente era uma aventura. Excitante. As famílias rumavam com o porta-malas do carro abarrotado de alimentos e produtos para a casa pois na praia eram raríssimos os lugares de abastecimento.
Tinha eu quatro para cinco anos de idade; meu irmão, quase três; minha mãe, 26 para 27; e meu pai completou 28 durante aquelas férias. Do Natal nos acompanhavam os calções de náilon (uma modernidade muito grande, pois secavam rápido), os baldinhos e as pazinhas de latão, brinquedos indispensáveis para cavar buracos e fazer bolos de areia à beira-mar.
As casas de veraneio eram quase todas chalés de madeira muito simples. Nada de ar-condicionado, sequer ventiladores e geladeiras elétricas. Guardava-se os alimentos em geladeiras de madeira, com um compartimento revestido com latão onde depositava-se barras de gelo que mantinham a temperatura mais baixa na parte interna. Era o ancestral do isopor.
Telefone e televisão? Nem pensar. O máximo da diversão eram os rádios de mesa e, em volta deles, todos sentavam-se à noite para ouvir notícias e música. Naquele ano, em pleno reinado de Marlene, a Rainha do Rádio, estourou uma música que o Brasil inteiro começou a cantar: "Conceição, eu me lembro muito bem..."
Fez sol, muito sol, naquele mês de janeiro. Depois do vermelhão na pele adquirido nos primeiros dias, vinham as aplicações de vinagre à noite para aliviar um pouco a dor. Filtro solar? Bronzeador? Caladryl? Isto ainda estava guardado no futuro. Em poucos dias, todos estávamos bem queimados e, às 8h, prontos para ir à praia numa espera angustiante pelos adultos, que sempre demoravam muito.
Pena que ao meio-dia eles insistiam em voltar para casa e almoçar. Por que sair da praia? Por que almoçar? Como se a espiga de milho fervida não fosse suficiente. À noite, o coral das rãs no banhado próximo de casa embalava o nosso sono e sonhávamos, é claro, com a praia no dia seguinte, com o passeio de charrete ou, melhor ainda, com a carrocinha puxada por bodes.
Não tinha a menor ideia que Ildo Meneghetti, o político que não perdia eleições, era o governador do Estado, mas já sabia que Bodinho, Larry e Chinesinho eram os jogadores mais famosos do Internacional, campeões metropolitanos (de Porto Alegre) e estaduais de 1955.
(Dim-dom; dim-dom) (Dim-dom; dim-dom)
O relógio de duplo carrilhão toca agora na sala de jantar de casa aqui no Rio de Janeiro. O ano começou chuvoso e com os dias cinzentos. Tempo propício para se estabelecer a conexão entre o hoje e o ontem. Se penso, ainda existe. E cá estou eu no verão de 1956. O corte de cabelo escovinha, meu irmão, o meu melhor amigo, minha mãe tão linda...
Sabe quem é a pessoa à direita na foto? Clique e dê seu palpite! A resposta será publicada na Zero Hora desta segunda-feira.
Houve uma vez um verão
Telmo Zanini compara aventuras excitantes em viajar ao Litoral com os atuais dias cinzentos
Comentarista esportivo conta como era o verão em Tramandaí, na década de 50, quando não havia as mordomias de hoje
GZH faz parte do The Trust Project
- Mais sobre: