* Por Cláudia Laitano, jornalista
A jornalista Cláudia Laitano, convidada de hoje a relembrar um veraneio de outrora, relata o dia em que se perdeu na praia, enquanto corria atrás de um carrinho de picolé.
Das 21 pessoas que deram o palpite sobre a foto da personalidade estampada na página 41 da Zero Hora de ontem, só uma, Clarissa Veiga, acertou que a menina era Cláudia Laitano.
Perder o filho em um lugar público é uma aflição pela qual nunca passei. Sendo míope por natureza e distraída por temperamento, tratei de compensar minhas limitações espaciais com uma dose extra de paranoia materna.
Aos seis anos, porém, eu ainda brincava na praia com a ilimitada confiança dos ingênuos - correndo atrás da carrocinha de picolé com a tranquilidade inconsequente de quem nunca havia testado a sério os limites da sua independência.
Até o dia em que a perseguição ao picolé foi um pouco mais longe, e a praia estava um pouco mais cheia, e a família, um pouco mais distraída. Nesse dia, eu me perdi - e, de certa forma, nunca mais me encontrei exatamente como era antes.
Quanto tempo terá durado a vertigem daquela solidão cercada de gente por todos os lados? Tempo suficiente para vasculhar em lágrimas a paisagem e notar, talvez pela primeira vez, como os guarda-sóis e as famílias eram parecidos.
Tempo para que alguns adultos compadecidos começassem a parar oferecendo ajuda, dispondo-se a me levar até o QG do alto-falante da praia, onde eram comuns os anúncios de crianças perdidas.
Tempo para refletir se esses adultos solícitos seriam suficientemente confiáveis - e junto com eles enfrentar a areia quente do meio-dia, sentindo na pele fina dos pés o verdadeiro sentido dos chinelinhos de dedo que a mãe sempre insistia (em vão) em me fazer calçar.
Instantes depois de o locutor anunciar que uma menina de cabelos pretos e biquíni verde (este mesmo da foto acima, tirada em Tramandaí no verão de 1974) aguardava os pais na cabine dos alto-falantes, minha mãe apresentou-se na porta com um olhar transtornado que eu nunca havia visto antes. Como se eu tivesse feito algo terrível, indesculpável.
Do meu ponto de vista, porém, eu não tinha me saído tão mal assim, diante das circunstâncias: não me atirei no mar, não atravessei a rua sozinha e fui capaz de identificar, na multidão de estranhos em trajes de banho, o adulto gentil e responsável que seria capaz de me ajudar a sair daquela enrascada.
De volta à segurança do guarda-sol que instantes antes parecia ter sido abduzido da face da Terra, percebi que nunca mais correria atrás do picolé com a mesma alegria de antes. Mas apesar do susto e das broncas da família toda, fiquei secretamente satisfeita com a primeira grande aventura da minha vida.
Nos anos seguintes, eu apenas confirmaria a intuição daquele dia: perder-se um pouquinho, de vez em quando, é indispensável para a gente se encontrar.
Houve uma vez um verão
"Perdida na praia: a primeira grande aventura da minha vida"
Jornalista Cláudia Laitano fala do dia em que se perdeu da família, no verão de 1974
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