* Por Humberto Gessinger, músico
Os cuidados com as constantes queimaduras de sol - na infância pré-protetor solar -, o Campeonato Praiano e animais dignos de Discovery Channel compõem as memórias do músico Humberto Gessinger nos longos veraneios passados no Litoral Norte.
No desafio de ontem, 42 leitores de Zero Hora acertaram que a criança da página 31 era Humberto Gessinger
Tenho amigos que gostariam de viver num futuro em que viagens interplanetárias fossem coisa corriqueira. Conheço pessoas que gostariam de ter passado a adolescência na época dos Beatles. Eu, se pudesse me reposicionar na linha do tempo, seria mais modesto: só queria ter sido criança depois da chegada do protetor solar.
Eu passava 60 dias de verão na praia. O primeiro, jogando bola; os outros 59, tratando das queimaduras do sol. Pimentão, pantera cor de rosa, camarão... a lista de possíveis apelidos é longa. Não se constranja em aumentá-la. Mas não precisa me falar, ok?
Na impossibilidade de dormir pendurado pela língua num cabide, o jeito era se lambuzar com uma pomada amarela que manchava tudo que eu tocava (ah, pobre Midas!). Outra medicação, de cor rosa, era gelada demais para a pele febril e criava uma casquinha irritante. Num verão de triste lembrança, inventaram que a solução seria passar vinagre. Como efeito colateral, ele foi banido das minhas saladas pelo resto da vida.
Espero que o leitor não esteja tomando o café da manhã pois tenho que falar das bolhas que cresciam nos ombros. Duas enormes gemas de ovo frito. Era necessário furá-las com uma agulha e deixar uma linha de costura pendurada por um tempo. Não sei se era uma simpatia ou se aquilo realmente ajudava na drenagem. Livros de Vampiro? Frankenstein? Coisa pra iniciante!
Havia o lado bom, é claro. A praia era o nosso Discovery Channel: sapos do tamanho de paralelepípedos, cobras traiçoeiras, cavalos selvagens, vaga-lumes cuja luz podia ser vista por satélites, besouros do tamanho de um Fusca. Para um guri de cidade, era selva!
Nos fins de semana, rolava o Campeonato Praiano. Bah, que espetáculo! Era uma mistura de futebol e luta livre. O beach soccer que passa na TV hoje parece jogo de amarelinha comparado aos Praianos.
Meu verão favorito? Aquele em que um bando de hippies alugou a casa ao lado. Montaram amplificadores e bateria no jardim e inundaram o silêncio atlântico de rocknroll. Muito tímido, eu ficava o dia inteiro inventando desculpas pra passar em frente à casa deles. Ia e voltava, ia e voltava, sem coragem de parar, fascinado pelo som.
Se andasse em linha reta, teria chegado em Porto Alegre. Os cabeludos pareciam ser muito distraídos na cozinha: rolava um cheiro constante de coisa queimada. Anos 70. Foi o mesmo verão em que Picasso, goleiro do Grêmio, alugou uma casa na vizinhança. Morram de inveja!
Esqueci de falar do mar, né? Foi proposital: até hoje não sei nadar! Mas isso é papo pra outro verão.
Sabe quem é a pessoa da foto? Clique e dê seu palpite! A resposta será publicada na Zero Hora de amanhã.